Julgamento no plenário pode uniformizar anos de decisões conflitantes e afetar diretamente o modelo de Uber e Rappi.
O Supremo Tribunal Federal marcou para 1º/10 o julgamento que pode definir se plataformas de transporte e entrega deverão registrar seus colaboradores como empregados com todos os direitos da CLT, segundo antecipou o ConJur. O caso primeiro no plenário sob a presidência do ministro Edson Fachin, que assume em 29/9 envolve duas ações de alto impacto, com repercussão geral (Tema 1.291) e potencial de padronizar entendimentos em todo o país.
De um lado, as empresas argumentam que são intermediadoras de tecnologia, e não operadoras de transporte; do outro, decisões da Justiça do Trabalho vêm reconhecendo vínculo empregatício com base na primazia da realidade, como lembrou o ConJur. O resultado poderá redesenhar a economia dos aplicativos e a vida de milhões de motoristas e entregadores.
O que está em jogo no STF
O plenário analisará, em conjunto, dois processos que tratam da relação entre plataformas e trabalhadores incluindo um recurso que fixará tese para o Tema 1.291. Edson Fachin é relator de uma das ações sobre motoristas por aplicativo. A expectativa é que o tribunal uniformize um cenário altamente litigioso, dando segurança jurídica tanto a trabalhadores quanto a empresas.
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Para além da disputa judicial, o alcance é econômico e social. Se o STF entender que há vínculo e que os profissionais devem ser considerados empregados com todos os direitos da CLT, podem ser exigidos registro, férias, 13º, FGTS e demais verbas.
Se prevalecer o enquadramento como parceria civil, permanece a lógica de autonomia com regras definidas pelas plataformas e sem os encargos típicos do emprego.
Como chegamos até aqui: decisões que acenderam o alerta
Nos últimos anos, TRTs e o TST reconheceram subordinação por meios telemáticos em casos envolvendo aplicativos. No TRT-3 (MG), uma ação de 2020 contra a Rappi concluiu que a aparente autonomia escondia elementos de emprego, como controle de escala e penalidades. Já o TST apontou, em processos envolvendo a Uber, que a empresa define preço, regras, controle e desligamento aspectos que caracterizariam a subordinação jurídica, ainda que mediada por algoritmo.
Essas decisões não são uníssonas e geraram um quadro de “inegável insegurança jurídica”, expressão usada por Fachin ao propor a repercussão geral. O STF, portanto, foi chamado a dar a “resposta uniformizadora e efetiva”: manter o entendimento trabalhista que reconhece vínculo ou validar a narrativa empresarial de que se trata de plataformas de tecnologia em ambiente de livre iniciativa e livre concorrência.
Os dois lados: tecnologia x vínculo
As plataformas defendem que oferecem infraestrutura digital, intermediação e meios de pagamento, conectando oferta e demanda sem dirigir a prestação de serviços na rua.
Para elas, impor o regime de empregados com todos os direitos da CLT seria intervenção indevida no modelo de negócios, elevando custos a ponto de inviabilizar operações e reduzir oferta e renda para quem depende da flexibilidade.
Do outro lado, sindicatos e entidades de juristas argumentam que há controle algorítmico, gestão por metas, bloqueios unilaterais e sanções mecanismos que, na prática, reproduzem a subordinação clássica da relação de emprego.
Para esse grupo, regras claras protegendo saúde, remuneração mínima e previsibilidade evitam precarização e reduzem assimetrias impostas por softwares e termos de uso.
Por que o caso é tão complexo
Trabalho mediado por aplicativos não cabe exatamente nas gavetas tradicionais do Direito do Trabalho. A gestão via algoritmo pode disfarçar ou fragmentar elementos típicos da relação de emprego (subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade). O STF agora precisa dizer se tais elementos podem ser verificados e reconhecidos mesmo quando ocorram por meios digitais.
Outro fator é a dimensão nacional do mercado. Uma decisão vinculante, seja qual for o sentido, impactará preços, oferta de viagens/entregas, prazos e renda.
Milhões de usuários e trabalhadores sentirão os efeitos no cotidiano da corrida ao almoço do dia. Por isso, há amplo rol de amici curiae: aplicativos, sindicatos, associações da magistratura e do MPT, entre outras entidades.
O que exatamente o STF pode decidir
O tribunal pode:
- Reconhecer a possibilidade de vínculo e estabelecer critérios objetivos (por exemplo, padrões de controle, metas, bloqueios e fixação de preço) para caracterizá-lo;
- Afirmar que não há vínculo por regra, preservando a autonomia, mas abrindo exceções quando houver provas robustas de subordinação;
- Indicar parâmetros para uma solução legislativa, sem fechar todas as portas para casos futuros, dada a velocidade da inovação.
Os processos destacados incluem Rcl 64.018 e RE 1.446.336, e o julgamento deverá fixar tese para orientar as instâncias inferiores. Qualquer fórmula escolhida precisará equilibrar proteção social e dinâmica econômica e evitar tanto a precarização quanto a aniquilação de modelos de negócio.
Efeitos práticos imediatos: o que pode mudar na sua vida
Se o STF firmar que há vínculo em linhas gerais, motoristas e entregadores poderão pleitear registro e verbas típicas da CLT, inclusive retroativas quando couber.
Empresas tenderão a rever rotas, tarifas e políticas para absorver encargos e regras de jornada. Consumidores podem ver ajustes de preço e mudanças em disponibilidade ao menos na fase de adaptação.
Se o tribunal não reconhecer o vínculo como regra, deve exigir transparência e limites ao poder algorítmico (bloqueios, metas, avaliações) e deixar a porta aberta para situações específicas em que a subordinação fique comprovada. Em ambos os cenários, a tendência é reduzir a litigiosidade e clarear direitos e deveres.
Linha do tempo e bastidores que explicam a urgência
A controvérsia ganhou status de “tema incandescente” no voto de Fachin ao admitir a repercussão geral (março/2024). Desde então, o número de interessados só cresceu, do setor de aplicativos a entidades trabalhistas indicativo do alto impacto econômico e social.
Agora, no primeiro julgamento do plenário sob a presidência de Fachin, a Corte terá a chance de dar previsibilidade ao ecossistema. Segundo o ConJur, o calendário foi ajustado para que o caso abra a pauta do novo comando do tribunal.
O que você acha que o STF deve decidir? Reconhecer vínculo e enquadrar esses profissionais como empregados com todos os direitos da CLT, ou manter a autonomia contratual com regras de transparência e limites ao algoritmo?
Você é motorista/entregador, gestor de frota, comerciante ou usuário frequente? Conte como uma mudança de regra impacta seu dia a dia seu relato real ajuda a qualificar o debate.