Comunidade com mais de 20 mil pessoas vive sob ameaça constante de inundações em uma cidade que, segundo a ONU, pode ser parcialmente engolida pelo mar até 2050.
Situada a uma altitude média de apenas dois metros acima do nível do mar, a cidade de Santos, em São Paulo, abriga uma realidade de extremos. De um lado, um dos portos mais importantes da América Latina; do outro, a maior favela de palafitas do Brasil, o Dique da Vila Gilda. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), detalhado na revista Planejamento e Políticas Públicas (PPP), confirma a dimensão do assentamento e os complexos desafios socioambientais enfrentados por seus milhares de moradores, que vivem em um estado de vulnerabilidade permanente.
O perigo não é abstrato. Ele se materializa a cada chuva forte que coincide com a maré alta, um fenômeno devastador que paralisa a cidade. A ameaça, no entanto, vai além dos alagamentos periódicos. Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), repercutido pelo portal Nautica.com.br, coloca Santos em um alerta global: a cidade é uma das áreas urbanas brasileiras com maior risco de ser permanentemente inundada pela elevação do nível do mar nas próximas décadas, tornando a luta pela sobrevivência uma corrida contra o tempo.
A vida no Dique da Vila Gilda: entre a adaptação e o risco
O Dique da Vila Gilda é o epicentro humano da crise climática em Santos. Segundo dados analisados pelo IPEA, mais de 20 mil pessoas vivem em casas de madeira erguidas sobre estacas fincadas no leito do Rio dos Bugres. Essa comunidade, identificada pelo instituto como a maior favela de palafitas do Brasil, nasceu de uma ocupação informal em uma sensível área de manguezal, que hoje se tornou uma armadilha socioambiental para seus habitantes.
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A vida diária é marcada por uma precariedade extrema. A ausência de saneamento básico é quase total, com esgoto e lixo sendo descartados diretamente sob as moradias. Além da crise sanitária, os moradores convivem com o perigo constante de incêndios, que se alastram rapidamente pela madeira, e o colapso estrutural das palafitas deterioradas. A própria solução de construir sobre a água, uma forma de adaptação para ocupar um terreno marginalizado, aprisionou dezenas de milhares de pessoas em um ciclo de risco à saúde e perigo físico iminente.
Por que Santos inunda? O “evento composto”
As inundações que assolam Santos raramente têm uma causa única. Conforme explica o chefe da Defesa Civil do município em reportagem ao Jornal A Tribuna, o problema é quase sempre um “evento composto”, onde múltiplos fatores convergem para um resultado catastrófico. A combinação de chuvas torrenciais com o ciclo de maré alta cria um efeito de represamento: a água do mar, elevada, impede que a água da chuva escoe pelos canais de drenagem, fazendo a cidade inundar de dentro para fora.
A situação é agravada pela fragilidade da infraestrutura. O mesmo Jornal A Tribuna detalha como as ressacas marítimas depositam enormes volumes de areia nos canais, um processo conhecido como assoreamento, que reduz drasticamente sua capacidade de vazão. Em um dos casos citados, foi necessária a remoção de 960 toneladas de areia de um único canal para restaurar sua funcionalidade. Esse ciclo vicioso, ressaca que entope os canais, seguida de chuva intensa, paralisa bairros inteiros, causa perdas no comércio e danifica residências e veículos.
A ameaça do futuro: uma cidade engolida pelo mar
Enquanto a cidade combate os alagamentos de hoje, uma ameaça existencial se avizinha. O relatório da ONU, citado pelo Nautica.com.br, é categórico ao nomear Santos entre as cidades que podem ser “engolidas” pelo mar até 2050. As projeções científicas indicam que a elevação do nível do mar pode submergir permanentemente partes significativas da cidade, criando um cenário de dezenas de milhares de refugiados climáticos.
Essa perspectiva de longo prazo coloca em xeque a sustentabilidade da vida em toda a planície costeira. A vulnerabilidade que hoje afeta de forma mais aguda a maior favela de palafitas do Brasil tende a se espalhar por outras áreas da cidade. A luta contra as inundações se revela, portanto, não apenas uma questão de engenharia e drenagem, mas uma batalha pela própria existência futura do município como o conhecemos.
Bilhões em obras: é possível vencer a batalha contra a água?
Em resposta à crise, a prefeitura de Santos implementou um ambicioso plano de macrodrenagem, com investimentos que superam centenas de milhões de reais. A estratégia combina a chamada “infraestrutura cinza”, com a construção de 13 estações de bombeamento e 14 sistemas de comportas para controlar ativamente o fluxo da água, com a “infraestrutura verde”, que busca soluções baseadas na natureza para aumentar a permeabilidade do solo.
Projetos como a estação elevatória da Zona Noroeste, capaz de drenar o volume de seis caixas d’água de mil litros por segundo, mostram a escala monumental do esforço. Em paralelo, iniciativas como a “Rotatória Verde”, que substitui o asfalto por solo permeável e vegetação, funcionam como “esponjas” urbanas para absorver a chuva. No entanto, a grande questão permanece: essas obras, projetadas para os desafios de hoje, serão suficientes para conter um oceano em elevação contínua?
Santos está travando uma corrida contra o tempo. De um lado, investe maciçamente em engenharia para proteger seus cidadãos. Do outro, enfrenta projeções climáticas que ameaçam redesenhar seu mapa de forma permanente. A resiliência e o sofrimento dos moradores da maior favela de palafitas do Brasil servem como um símbolo poderoso e um alerta urgente: a adaptação não é mais uma escolha, mas uma condição de sobrevivência.
Você mora em Santos ou em outra cidade costeira? Como você percebe o avanço do mar e os riscos de inundações no seu dia a dia? Queremos ouvir sua experiência real nos comentários.