Instrutor de yoga é indenizado após demissão dias antes das férias; TST entendeu que o Sesc violou a boa-fé e agiu de forma contraditória ao dispensar o trabalhador após conceder o descanso.
A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou o Serviço Social do Comércio (Sesc) da Bahia ao pagamento de indenização por danos morais a um instrutor de yoga dispensado poucos dias antes de sair de férias.
Os ministros entenderam que a medida violou o princípio da boa-fé objetiva, que deve reger as relações de trabalho.
O instrutor trabalhou por cerca de seis anos na unidade do Sesc em Salvador.
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Em 4 de maio de 2019, recebeu o aviso de férias, com início marcado para 3 de junho do mesmo ano.
No entanto, em 29 de maio, poucos dias antes do descanso, foi informado de sua demissão.
A dispensa o levou a cancelar compromissos e planos pessoais já confirmados.
Boa-fé e expectativa frustrada
Na ação trabalhista, o instrutor afirmou que o aviso e a confirmação das férias criaram uma expectativa legítima de usufruir o direito, tornando a dispensa, em prazo tão curto, uma conduta contraditória do empregador.
Ele alegou ainda que o cancelamento do período de descanso causou frustração e constrangimento.
O Sesc defendeu-se alegando que exerceu um direito potestativo, ou seja, a prerrogativa legal de encerrar o contrato de trabalho por decisão própria, sem a necessidade de concordância do empregado.
A instituição também contestou a existência de prova do dano moral e pediu a reversão da condenação.
O juízo de primeiro grau condenou o Sesc a pagar R$ 3 mil de indenização.
O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA), porém, reformou a sentença, sustentando que o aviso de férias não gera estabilidade provisória no emprego.
TST reconhece abuso de direito
Ao julgar o recurso, o TST restabeleceu a condenação inicial.
A relatora, ministra Maria Helena Mallmann, afirmou que, embora a demissão seja um direito do empregador, sua aplicação nesse caso configurou abuso de direito.
Segundo a ministra, ao conceder as férias e, logo em seguida, dispensar o trabalhador, o Sesc contrariou os princípios da boa-fé e da confiança mútua.
Para Mallmann, a conduta da instituição frustrou o exercício de um direito social relevante, relacionado ao descanso e à preservação da saúde do trabalhador.
“O ato de conceder o benefício e, em seguida, rescindir o contrato, atinge a dignidade e rompe a expectativa legítima criada na relação de trabalho”, registrou a relatora no voto.
O entendimento foi seguido de forma unânime pela 2ª Turma, que restabeleceu a indenização ao instrutor.
Interpretação e efeitos jurídicos da decisão
A decisão do TST reforça o entendimento de que o direito potestativo do empregador deve observar os limites da boa-fé e da lealdade contratual.
Quando a dispensa ocorre em circunstâncias que geram constrangimento ou anulam um direito previamente concedido, o ato pode ser caracterizado como abuso de direito.
Juristas destacam que decisões desse tipo sinalizam a necessidade de coerência nos atos de gestão trabalhista.
Casos em que há benefícios já concedidos ou programados, como férias ou licenças, exigem atenção redobrada das empresas para evitar conflitos judiciais.
Embora o valor da indenização tenha sido de R$ 3 mil, a decisão tem efeito orientador, ao reafirmar que medidas contraditórias podem resultar em responsabilização civil.
Boa-fé e confiança nas relações de trabalho
De acordo com a relatora, a dispensa após a concessão das férias representou quebra de confiança entre as partes, elemento essencial nas relações de emprego.
O TST vem reafirmando, em julgamentos recentes, a aplicação do princípio da boa-fé objetiva como parâmetro de conduta nas relações trabalhistas.
Esse princípio, segundo a Corte, exige das partes comportamento pautado por lealdade, previsibilidade e transparência.
O tribunal também tem ressaltado que o poder de demitir, embora legal, não deve ser exercido de forma que anule direitos já reconhecidos ou cause dano moral desnecessário ao empregado.
Repercussão prática para empresas e empregados
Para as empresas, a decisão evidencia a importância de planejar desligamentos e manter coerência entre os atos administrativos e comunicados ao trabalhador.
Demissões próximas a períodos de férias, licenças ou outros direitos programados podem gerar obrigações indenizatórias e questionamentos judiciais.
Para os empregados, o caso ilustra a aplicação do princípio da boa-fé como forma de proteção contra condutas empresariais contraditórias.
Advogados especializados apontam que práticas preventivas e políticas internas de gestão de pessoal reduzem o risco de litígios trabalhistas.
O reconhecimento do abuso de direito não impede a demissão, mas estabelece limites éticos e jurídicos para seu exercício, especialmente quando há expectativa legítima do trabalhador em relação a um direito previamente concedido.
Com o restabelecimento da condenação, o TST reafirmou que a confiança e a previsibilidade são componentes essenciais na execução do contrato de trabalho.