Agricultores africanos adotam técnicas sustentáveis para transformar ervas daninhas em adubo natural, evitando a queima de pasto e promovendo a agricultura regenerativa. No Brasil, o desafio é substituir práticas tradicionais que prejudicam o solo
Enquanto agricultores brasileiros ainda recorrem à queima de pasto para lidar com o excesso de ervas daninhas, técnicas inovadoras desenvolvidas e aplicadas em países africanos mostram que é possível regenerar o solo sem destruir o ecossistema. Um método sustentável, que dispensa o uso de tratores ou queimadas, está ganhando atenção internacional por transformar plantas invasoras em adubo natural, promovendo a agricultura regenerativa e combatendo a degradação ambiental. A prática conhecida como “compostagem de invasoras” vem sendo usada com sucesso em países como Burkina Faso, Níger e Gana, onde agricultores de base familiar enfrentam solos empobrecidos e escassez de recursos. Diferente da lógica predatória ainda comum em muitas áreas do Brasil, essa abordagem transforma o problema — as plantas indesejadas — em solução.
A crise das queimadas no Brasil e a urgência por alternativas
A queima de pasto é uma prática comum no campo brasileiro, especialmente em áreas de pecuária extensiva e na abertura de áreas para plantio. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apenas em 2023, mais de 150 mil focos de calor foram registrados no país, a maioria relacionada à limpeza de áreas agrícolas.
Isso representa não apenas um problema ambiental — com liberação de gases de efeito estufa e destruição da biodiversidade —, mas também econômico, devido à perda de nutrientes do solo e riscos à saúde pública.
-
Conheça a maior fazenda de café do Brasil que produz 3,2 milhões de sacas por ano
-
China está de olho no agronegócio brasileiro: compra de terras agrícolas, soja e carne pode redefinir produção, exportação e influência no campo
-
Tecnologia biológica da Embrapa combate fungos com precisão e transforma o controle nas plantações
-
Durian: a fruta que tem mau cheiro, custa R$800 e agora seduz brasileiros pelo valor terapêutico
Diante dessa realidade, cresce a necessidade de adotar métodos sustentáveis de manejo, que conservem o solo, reduzam emissões e aumentem a resiliência das lavouras. É nesse contexto que as técnicas africanas ganham relevância.
O que é a compostagem de invasoras?
A compostagem de invasoras é uma técnica simples e de baixo custo, que consiste em recolher ervas daninhas ou plantas espontâneas — muitas vezes consideradas lixo orgânico ou obstáculos à produção — e utilizá-las como matéria-prima para compostagem. Esse processo pode ser feito diretamente no campo ou em pilhas controladas, sem necessidade de maquinário pesado ou insumos químicos.
No lugar de queimar ou aplicar herbicidas, os agricultores cortam as plantas, empilham em áreas sombreadas e as mantêm úmidas. Ao longo de algumas semanas, a matéria vegetal se decompõe, transformando-se em um composto rico em nutrientes, que pode ser reincorporado ao solo.
Essa técnica não apenas reduz o impacto ambiental, mas também recupera áreas degradadas, melhora a capacidade de retenção de água e aumenta a fertilidade do solo — pilares da agricultura regenerativa.
Resultados comprovados na África Subsaariana
Estudos conduzidos por organizações como a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e o ICRAF (Centro Mundial de Agroflorestamento) demonstram que a compostagem e o uso de cobertura verde com plantas espontâneas já contribuem significativamente para o aumento da produtividade agrícola em comunidades rurais africanas.
Estudos realizados em Burkina Faso mostram que o uso de compostagem e cobertura vegetal com resíduos agrícolas pode aumentar a produtividade do milho entre 24% e 66% em comparação a lavouras que utilizam métodos convencionais, como a queima de resíduos ou o uso exclusivo de fertilizantes químicos. Além disso, agricultores relataram melhoria na estrutura do solo e maior resiliência às secas.
Por que o Brasil ainda resiste?
Apesar das vantagens comprovadas, o Brasil ainda enfrenta uma série de barreiras para implementar métodos como a compostagem de invasoras em larga escala. A primeira delas é cultural: a queima de pasto ainda é vista por muitos como uma forma “rápida” e “eficiente” de limpar áreas, especialmente onde há ausência de políticas públicas ou assistência técnica.
Além disso, a logística e o modelo de produção agrícola predominante — com grandes propriedades e uso intensivo de insumos — muitas vezes inviabilizam práticas mais manuais e ecológicas. O incentivo à mecanização e o baixo custo de agrotóxicos também desestimulam a busca por soluções regenerativas.
Entretanto, em experiências pontuais, como nos assentamentos do MST ou em projetos de agroecologia em estados como Bahia, Maranhão e Paraná, já é possível ver agricultores familiares adotando estratégias semelhantes às africanas com bons resultados.
Benefícios da cobertura verde e do adubo natural
Complementar à compostagem, a cobertura verde — feita com restos vegetais ou cultivos de cobertura como mucuna, crotalária ou feijão-de-porco — protege o solo contra erosão, reduz a evaporação da água e inibe o crescimento de novas ervas daninhas.
A combinação dessas práticas potencializa a formação de matéria orgânica, promove biodiversidade no solo e reduz a necessidade de adubos sintéticos. O adubo natural resultante é mais equilibrado, com liberação lenta de nutrientes, ideal para culturas permanentes e sistemas agroflorestais.
No caso das ervas espontâneas, muitas delas possuem raízes profundas, que ajudam a descompactar o solo, além de acumular nutrientes como fósforo e potássio, que retornam ao sistema com a decomposição.
Agricultura regenerativa como caminho para o futuro
A agricultura regenerativa, que tem ganhado espaço em políticas internacionais e certificações de carbono, parte do princípio de que o solo é um organismo vivo e precisa ser cuidado como tal. Em vez de degradar, o sistema produtivo deve regenerar a terra, aumentar a biodiversidade e capturar carbono da atmosfera.
Nesse modelo, o uso de técnicas africanas como a compostagem de invasoras, o aproveitamento de biomassa e o adubo natural não são apenas soluções sustentáveis, mas estratégias inteligentes de adaptação climática e segurança alimentar.
O que o Brasil pode aprender com as técnicas africanas?
Diante da intensificação das mudanças climáticas, da degradação dos solos e da insustentabilidade de práticas como a queima de pasto, o Brasil precisa olhar com mais atenção para métodos simples, eficazes e acessíveis, como os que vêm sendo aplicados há décadas em comunidades rurais da África.
A compostagem de invasoras mostra que é possível fazer agricultura de forma produtiva e ambientalmente responsável, mesmo em regiões de baixa renda e sem maquinário. Transformar o que hoje é resíduo — como as ervas daninhas — em adubo natural de qualidade é um passo concreto em direção a uma agricultura que cuida do solo, das pessoas e do planeta.
O desafio está em romper com a lógica imediatista e apostar em práticas que, embora mais trabalhosas no início, oferecem retorno duradouro. Para isso, políticas públicas, capacitação e apoio técnico serão fundamentais. Mais do que inovação, trata-se de resgatar saberes tradicionais e colocá-los a serviço de um futuro mais fértil, saudável e justo — tanto no Brasil quanto em qualquer lugar do mundo.