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Sem confiar na moeda do BRICS, África do Sul acelera sistema próprio para evitar nova dependência monetária com blockchain e acordos em moeda local

Escrito por Valdemar Medeiros
Publicado em 14/08/2025 às 11:11
Sem confiar na moeda do BRICS, África do Sul acelera sistema próprio para evitar nova dependência monetária com blockchain e acordos em moeda local
Foto: Sem confiar na moeda do BRICS, África do Sul acelera sistema próprio para evitar nova dependência monetária com blockchain e acordos em moeda local
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África do Sul preferiu adiar a adesão à moeda do BRICS e focar em blockchain e comércio regional com moedas locais para evitar nova dependência monetária.

Quando os países do BRICS anunciaram estudos para a criação de uma moeda única que pudesse competir com o dólar, o debate foi recebido com entusiasmo por muitos setores da geopolítica e da economia emergente. No entanto, a África do Sul — um dos membros mais estratégicos do bloco — tem adotado uma postura cautelosa e pragmática. Ao invés de acelerar a integração a uma moeda conjunta, o país está focando em fortalecer o comércio intra-africano com liquidação em moedas locais e investir em soluções blockchain para pagamentos transfronteiriços.

Essa estratégia revela um movimento silencioso, porém significativo: a África do Sul não quer substituir a dependência do dólar por uma nova dependência do yuan ou de qualquer outra hegemonia dentro do próprio BRICS.

Moeda do BRICS continua em debate, mas sem consenso

Desde a ascensão do debate sobre a chamada “moeda comum do BRICS” — por vezes especulada sob o nome de “Unit” — a proposta tem sido marcada mais por simbolismos geopolíticos do que por avanços técnicos. A ideia de criar uma moeda compartilhada entre economias com realidades fiscais, cambiais e institucionais tão distintas enfrenta obstáculos estruturais graves.

Durante a cúpula do BRICS realizada no Rio de Janeiro em julho de 2025, os líderes reconheceram o interesse mútuo em fortalecer a desdolarização e melhorar os sistemas de pagamento. Contudo, nenhuma decisão concreta foi tomada sobre a criação de uma moeda comum, e a África do Sul deixou claro, nos bastidores, que não considera essa alternativa viável no curto prazo.

Segundo reportagem da Coingeek e outras fontes regionais, autoridades sul-africanas negaram publicamente que o país esteja em processo de substituição do dólar ou que tenha se comprometido com uma moeda multilateral. A ênfase, segundo esses representantes, está em soluções regionais e tecnológicas de longo prazo — que garantam soberania monetária e integração econômica mais equilibrada.

Foco em moedas locais e comércio regional africano

A África do Sul é signatária ativa da Zona de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA), uma das maiores iniciativas de integração econômica do planeta.

A prioridade atual do país é viabilizar o comércio com países vizinhos usando moedas locais, reduzindo a necessidade de conversões para o dólar ou euro em transações que ocorrem dentro do continente.

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Esse movimento tem base prática. O uso de moedas estrangeiras no comércio africano acarreta custos altos, exposição cambial e limitações de acesso para pequenas e médias empresas. A substituição parcial por moedas locais melhora o fluxo comercial, fortalece as moedas nacionais e reduz a volatilidade associada ao sistema financeiro global.

No início de 2025, o Banco de Desenvolvimento da África do Sul (DBSA) lançou iniciativas-piloto para fomentar financiamentos regionais em rands, a moeda local sul-africana, em setores como energia, transporte e tecnologia. A proposta é estimular cadeias produtivas internas e reduzir a vulnerabilidade externa sem abrir mão da autonomia monetária.

Blockchain como alternativa à integração monetária forçada

Paralelamente, a África do Sul está investindo em infraestrutura digital para pagamentos transfronteiriços, com foco em plataformas baseadas em tecnologia blockchain e contratos inteligentes.

A SARB (South African Reserve Bank) já realizou testes com outras autoridades monetárias do continente em uma rede de pagamentos batizada de Project Khokha, que utiliza tecnologia DLT (Distributed Ledger Technology) para simular pagamentos e liquidações em tempo real entre bancos centrais.

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Além disso, o país participa ativamente do Project Dunbar, um esforço conjunto entre a África do Sul, Austrália, Cingapura e Malásia para criar um sistema multimoeda baseado em blockchain, com liquidação direta entre bancos centrais. A iniciativa é coordenada pelo BIS Innovation Hub e é vista como uma alternativa moderna, segura e descentralizada aos sistemas tradicionais dominados pelo dólar e pelo SWIFT.

Esse investimento em soluções digitais mostra que a África do Sul está apostando na infraestrutura como forma de integração regional, em vez de aderir a soluções centralizadas que possam replicar desigualdades já vistas no sistema financeiro atual.

Uma escolha estratégica: evitar novas hegemonias

Embora a ideia de uma moeda comum do BRICS tenha apelo político, a África do Sul demonstra temer que, na prática, essa moeda seja dominada pela China, maior potência econômica do bloco.

Com o yuan ganhando protagonismo crescente no comércio com Rússia, Irã, Argentina e outros países, há o risco de que uma “moeda do BRICS” seja apenas uma versão ampliada do yuan, com influência desproporcional de Pequim nas decisões econômicas do bloco.

Nesse contexto, autoridades sul-africanas preferem manter a soberania monetária e atuar em acordos bilaterais e multilaterais com paridade real de decisão, fortalecendo instrumentos técnicos como compensações em moedas locais, redes digitais e ajustes macroeconômicos regionais.

O que essa decisão muda para o BRICS?

O afastamento da África do Sul da proposta da moeda comum não representa uma ruptura com o BRICS — mas indica que não há consenso interno nem maturidade técnica para lançar uma moeda única.

O bloco ainda busca alternativas como o BRICS Pay e o uso de moedas locais em transações internas, mas a ausência de adesão plena de seus membros mais estratégicos fragiliza qualquer ambição de curto prazo.

A decisão sul-africana também serve de sinal para outros países-membros e observadores internacionais, mostrando que o movimento de desdolarização precisa ser mais profundo e descentralizado — e que soluções tecnológicas e regionais podem ser mais eficazes do que projetos simbólicos e geopolíticos excessivamente centralizados.

A África do Sul está deixando claro que, para economias emergentes, autonomia e infraestrutura são mais importantes do que símbolos geopolíticos. A recusa em acelerar a adesão a uma moeda comum do BRICS não é um recuo, mas sim um reposicionamento estratégico em favor de uma integração regional mais robusta, digital e equilibrada.

Enquanto outros países seguem apostando em grandes blocos e moedas alternativas, Pretória avança por outro caminho: construir sistemas de pagamento modernos, promover o comércio local em rands e testar tecnologias como blockchain para evitar novas formas de dependência externa — seja ela do dólar, do yuan ou de qualquer outro centro de poder monetário.

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Valdemar Medeiros

Formado em Jornalismo e Marketing, é autor de mais de 20 mil artigos que já alcançaram milhões de leitores no Brasil e no exterior. Já escreveu para marcas e veículos como 99, Natura, O Boticário, CPG – Click Petróleo e Gás, Agência Raccon e outros. Especialista em Indústria Automotiva, Tecnologia, Carreiras (empregabilidade e cursos), Economia e outros temas. Contato e sugestões de pauta: valdemarmedeiros4@gmail.com. Não aceitamos currículos!

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