Por trás dos bombardeios e dos drones kamikaze que cruzam os céus da Ucrânia, a Rússia constrói discretamente uma poderosa indústria nacional de drones. O plano vai muito além do campo de batalha. Envolve escolas, startups, bilhões em investimento público e uma rede de fábricas espalhadas por todo o país
A Rússia vem estruturando uma estratégia nacional para se tornar uma potência global na produção de drones. O plano envolve múltiplos níveis de ação: apoio governamental direto, incentivos a pequenas empresas e startups, treinamento de crianças e investimentos bilionários até 2030.
O mais importante é que essa política vai muito além do uso militar.
Apesar de a guerra na Ucrânia ter acelerado o desenvolvimento, o governo promove os drones também como ferramentas civis — embora, na prática, essa distinção seja muitas vezes apenas simbólica.
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Crescimento durante a guerra
Desde a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, os drones se tornaram uma peça central no campo de batalha. Eles são baratos, fáceis de montar com peças comerciais e causam danos significativos tanto em áreas de combate quanto em cidades civis.
Por isso, tanto Moscou quanto Kiev buscaram acelerar a produção nacional e inovar em contramedidas. No caso da Rússia, essa aceleração incluiu uma mudança de escala.
Em 2024, o país produziu 2,5 vezes mais drones do que em 2023. E, no mesmo ano, a produção de drones de longo alcance quintuplicou.
Segundo o presidente Vladimir Putin, o objetivo é tornar a Rússia um dos líderes mundiais em tecnologia de drones até o fim da década.
Ecossistema de startups e empresas estatais
Apesar da forte presença do Estado, a estratégia russa privilegia a descentralização. Cerca de 70% das quase 900 empresas que produzem drones no país são pequenas ou médias. Juntas, essas empresas empregam mais de 7.000 pessoas, de acordo com a agência estatal TASS.
Além disso, grandes companhias também têm espaço. A United Aircraft Corporation (UAC), criada em 2006, anunciou a criação de uma divisão própria de drones. Ela receberá bilhões de rublos em investimentos. A UAC também planeja integrar empresas privadas menores em seus projetos.
Entre 2022 e 2025, o governo russo separou 243 bilhões de rublos (cerca de US$ 3 bilhões) para o setor de drones. Outros 112 bilhões de rublos estão previstos para o próximo orçamento trienal. Esses valores são adicionais aos gastos militares gerais.
Drones civis ou militares?
Os drones promovidos pelo governo são frequentemente apresentados como ferramentas para agricultura, logística e vigilância de infraestrutura. No entanto, o caráter civil muitas vezes serve apenas para manter uma aparência legal e evitar sanções.
Na prática, as mesmas tecnologias podem ser usadas para vigiar oleodutos ou lançar explosivos. “Não há um limite claro — a tecnologia pode ser usada tanto para fins militares quanto civis”, explicou o ministro russo da Agricultura e Comércio, Anton Afanasyev.
Por isso, o governo apoia abertamente as chamadas tecnologias de duplo uso. E esse apoio já começa nas escolas.
Treinamento de crianças e jovens
Diversas escolas russas adotaram currículos voltados para o desenvolvimento de drones. Alunos aprendem desde a construção até a pilotagem. Um instrutor de 17 anos revelou que os projetos sempre devem ter uso duplo. “Fomos proibidos de dizer que era necessário em guerras, e criamos aplicações civis para os desenvolvimentos”, contou ele ao site The Insider.
Essa política educacional é apoiada por instituições como a Agência para Iniciativas Estratégicas e por empresas estatais de defesa. Participações em competições de drones podem render pontos extras em exames e promessas de boas carreiras. Em alguns casos, os alunos ajudam diretamente na montagem de drones militares.
Partes do programa educacional foram pessoalmente aprovadas por Vladimir Putin.
Produção espalhada pelo território
A estratégia russa também se baseia na ideia de “profundidade estratégica”. O objetivo é dificultar que ataques aéreos destruam toda a capacidade de produção. Para isso, a Rússia espalhou seus centros de pesquisa e montagem por diversas regiões.
Entre 2025 e 2027, o país vai investir 21 bilhões de rublos (US$ 260 milhões) em 11 centros regionais de drones. Alguns estão em zonas de livre comércio ou parques tecnológicos, como em São Petersburgo, Tomsk e Perm.
Cada região foca em uma parte da cadeia produtiva. Tomsk fabrica componentes elétricos e sistemas de bordo. Perm desenvolve motores. Moscou e São Petersburgo se concentram em pesquisa avançada. Já o Tartaristão abriga o maior polo de montagem do país.
Fábrica gigante no Tartaristão
No Tartaristão, região central da Rússia, está em construção o que pode se tornar a maior fábrica de drones do mundo. Localizada na zona econômica especial de Alabuga, a planta já opera com três turnos diários.
Ali é montado o Geran-2, versão russa do drone iraniano Shahed-136. Esse modelo, conhecido por seu formato de asa voadora e explosivo potente, se tornou peça-chave nos ataques aéreos russos à Ucrânia.
A empresa responsável, a Albatross, originalmente fabricava drones agrícolas. Seu modelo civil foi adaptado para funções militares, em mais um exemplo da lógica de duplo uso adotada pelo governo.
Empresas camufladas como civis
A prática de disfarçar drones militares como civis não é exclusiva da Albatross. Em 2023, uma investigação revelou que a empresa Integrated Robotics Technologies (IRT), que se apresenta como produtora de drones industriais e agrícolas, na verdade desenvolve veículos explosivos.
A IRT continua ativa e abriu uma nova filial em São Petersburgo. Um de seus modelos aparece inclusive em um baralho de cartas com drones, publicado por uma universidade russa. Mesmo assim, o site da empresa não menciona qualquer atividade militar.
Até o momento, a IRT segue sem autorização oficial, mas atua abertamente no setor.
Substituição de importações
Outro foco da estratégia russa é a substituição de importações. O termo designa o esforço para produzir internamente todos os componentes necessários à tecnologia de drones, desde fuselagens até motores, chips e rotores.
Essa política busca reduzir a dependência de fornecedores estrangeiros, especialmente da China. Apesar da parceria estratégica entre Moscou e Pequim, a vulnerabilidade permanece. Os controles de exportação e as sanções ocidentais também dificultam o acesso a componentes de ponta.
Além da Rússia, países como Irã e Coreia do Norte seguem estratégias semelhantes. Porém, seus casos mostram os limites do crescimento quando se está isolado do comércio global.
Parcerias com Irã e Coreia do Norte
O Irã teve papel fundamental na montagem da fábrica de Alabuga. Segundo o Washington Post, os iranianos forneceram os projetos e os materiais para o Geran-2.
A inteligência ucraniana também afirma que a Coreia do Norte fornece mão de obra barata para a fábrica. Além disso, existe a possibilidade de que a Rússia esteja ajudando o país a desenvolver seus próprios drones.
Como contrapartida, a Coreia do Norte poderia receber pagamentos ou parte da produção. Para facilitar o crescimento do setor, a Duma russa aprovou uma lei que elimina o imposto sobre drones e seus componentes importados, como motores.
Objetivo: exportar e liderar
A longo prazo, a Rússia espera não apenas dominar o uso de drones no campo de batalha, mas também liderar o mercado global. A eliminação de impostos e o incentivo à substituição de importações visam fortalecer os produtores nacionais.
Com isso, Moscou poderá oferecer seus drones ao “maior lance”, ampliando sua influência tecnológica e geopolítica. A combinação entre investimento, treinamento e adaptação civil-militar é o coração dessa nova estratégia.