Comércio de rua vive queda histórica: vendas despencam 27%, grandes redes fecham centenas de lojas e o e-commerce de R$ 5 bilhões domina o consumo brasileiro
Durante décadas, as ruas comerciais foram o coração econômico das cidades. Eram locais movimentados, cheios de vitrines e clientes que circulavam entre lojas e cafés. Hoje, o cenário mudou drasticamente.
O silêncio substituiu o burburinho. Onde antes havia filas, agora há placas de “aluga-se”. O comércio de rua vive uma retração profunda, enquanto o comércio eletrônico alcança recordes históricos e redefine o comportamento de compra no Brasil e no mundo.
A virada começou com a pandemia
Desde a pandemia, o movimento nas lojas físicas despencou e nunca mais voltou ao nível anterior. O comércio eletrônico, ao contrário, atingiu faturamento recorde, alcançando R$ 5 bilhões em 2024. A decisão do consumidor também mudou: sete em cada dez brasileiros acreditam que os preços são melhores online. Em segundos, uma compra é feita pelo celular, sem que o cliente precise atravessar a rua.
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Essa mudança representa mais do que uma tendência. O comércio de rua, que já foi o centro da economia urbana, perde espaço de forma contínua para as plataformas digitais. A diferença entre comprar em uma loja física e em um marketplace online deixou de ser discreta — tornou-se gritante.
Preço: a vantagem estrutural do online
Um levantamento feito em 2023 sobre smartphones mostrou que a maioria dos aparelhos custava menos no comércio digital do que nas lojas físicas. E essa diferença deixou de ser exceção para se tornar a regra. Segundo pesquisa da CNDL, 43% dos consumidores apontam os preços mais baixos como principal motivo para comprar pela internet.
O motivo está na estrutura de custos. O comerciante físico paga aluguel, energia, segurança, estoque, vitrine e funcionários, além de enfrentar uma carga tributária pesada. Já o vendedor digital pode operar de casa, com estoque reduzido e integração logística. Plataformas como Mercado Livre, Magalu, Amazon, Americanas e Shopee concentram milhares de vendedores competindo entre si — o que comprime os preços para baixo, em um nível impossível de replicar na rua.
Frete grátis e velocidade mudaram o jogo
O preço não é a única razão para a migração digital. Mais da metade dos brasileiros (56%) afirmam que o frete grátis é o principal fator para escolher uma loja online. Serviços como Amazon Prime e Mercado Pontos transformaram a entrega em estratégia de fidelização, eliminando a antiga vantagem do comércio de rua — pegar o produto na hora.
Além disso, o tempo de espera caiu drasticamente. Se antes comprar pela internet significava esperar dias, hoje a entrega em 24 horas ou até no mesmo dia já é realidade em grandes cidades. Para quase 30% dos consumidores, essa agilidade pesa tanto quanto o preço. O deslocamento, o estacionamento e as filas, comuns nas lojas físicas, passaram a ser vistos como perda de tempo.
O poder das avaliações e da comparação de preços
Outro fator decisivo foi a transparência. Na loja física, o cliente depende da palavra do vendedor. No ambiente digital, ele tem acesso a milhares de avaliações e comentários de outros compradores. Sete em cada dez brasileiros afirmam que as reviews influenciam suas decisões. Essa “sabedoria coletiva” substitui a conversa no balcão.
A facilidade de comparar preços também molda o novo comportamento. Quase metade dos consumidores (49%) destacam esse fator como essencial.
Hoje, antes de entrar em uma loja física, muitos já pesquisam no celular o preço médio do produto.
Isso coloca o comerciante de rua em desvantagem constante — seu preço deixa de ser o da etiqueta e passa a ser o do buscador online.
Promoções digitais, cupons personalizados, cashbacks e liquidações relâmpago completam o ciclo. O consumidor, acostumado a descontos dinâmicos, resiste cada vez mais a pagar o preço fixo da loja física.
Uma mudança que é também geracional
O comércio de rua não perde apenas clientes, mas gerações inteiras. Uma pesquisa recente mostra que 64% da geração Z já preferem comprar online, enquanto mais de 66% das pessoas acima de 57 anos ainda escolhem lojas físicas. No Rio Grande do Sul, 88% dos consumidores com mais de 40 anos afirmam preferir a compra presencial.
Os mais velhos valorizam a confiança e o contato direto: querem ver, tocar e negociar antes de fechar negócio. Muitos citam o imediatismo de levar o produto na hora como diferencial.
Já os jovens priorizam a conveniência. Para eles, a loja física é apenas ponto de retirada — não um destino de compra.
Três em cada quatro consumidores da geração Z utilizam mais de um canal digital antes de concluir uma compra. Eles pesquisam, comparam, assistem vídeos e leem avaliações antes de decidir. O ato de passear pelas lojas, que antes era lazer, foi substituído por redes sociais e entretenimento digital.
Ruas que envelhecem com seus clientes
Esse contraste geracional se reflete no espaço urbano. Ruas que antes eram polos comerciais viram seus clientes envelhecerem junto com os lojistas.
O resultado são pontos fechados, aluguéis encalhados e mudanças de perfil. Em bairros tradicionais, lojas familiares ainda sobrevivem sustentadas pelo público mais velho. Em áreas com maior presença de jovens, surgem bares, academias e clínicas — serviços que exigem presença física.
Mesmo os consumidores mais velhos que experimentaram o e-commerce reconhecem suas vantagens. Muitos mantêm o hábito de comprar na rua mais por costume do que por necessidade. O comércio físico sobrevive, mas não por competitividade — e sim por estar atrelado a um comportamento em declínio.
A crise em números
Os dados confirmam o colapso. O movimento em lojas físicas no Brasil caiu 3,9% em 2024 em relação ao ano anterior. Comparado a 2019, a queda é de 27%. Milhões de consumidores que migraram para o digital durante a pandemia nunca mais voltaram.
O reflexo é visível: vitrines fechadas e placas de aluga-se se multiplicam nas áreas centrais. Grandes redes também sentem o impacto. A Americanas fechou 120 lojas em 2023; a Marisa, mais de 90; e a Via (controladora das Casas Bahia) reduziu até 100 pontos físicos e demitiu cerca de 6 mil funcionários.
Manter uma loja física tornou-se pesado. Aluguéis em alta, encargos trabalhistas, tributos complexos e custos operacionais crescentes não se ajustam na mesma velocidade das vendas.
Até redes modernas, como o Magazine Luiza — com mais de mil lojas e forte integração digital — registraram resultados negativos em 2023.
O “apocalipse” das lojas não é só brasileiro
O fenômeno é global. Nos Estados Unidos, ficou conhecido como Retail Apocalypse. Apenas em 2024, mais de 7.300 lojas foram fechadas, e as projeções indicam até 15 mil encerramentos até 2025. Grandes redes como Macy’s, Walgreens e Party City reduziram drasticamente sua presença territorial.
A diferença é que, lá, o debate é nacional. No Brasil, a transição ainda se camufla em números gerais do varejo, que misturam o digital e o físico e mascaram o encolhimento das lojas de rua.
Quando a rua vira território de serviços
A transformação das cidades já é visível. Pontos comerciais sem lojistas estão sendo ocupados por outros segmentos: clínicas médicas, consultórios odontológicos, academias, bares e salões de beleza. São negócios baseados em contato humano, que não podem ser substituídos pela internet.
A rua comercial, antes território do varejo, torna-se território de serviços. O comércio físico não enfrenta apenas queda nas vendas, mas uma perda de relevância estrutural. Cada loja fechada reforça a percepção de que o modelo perdeu sentido.
Uma mudança inevitável
O que está em curso é uma mudança de paradigma. O comércio presencial massificado cede lugar ao modelo digital dominante. As lojas físicas passam a ser exceção. A diferença entre os dois mundos já não é apenas econômica, mas também cultural e geracional.
Os jovens não têm paciência para a experiência da loja. Os mais velhos, que ainda a valorizam, estão em declínio demográfico. O tempo, portanto, corre contra o comércio de rua.
A queda das lojas físicas não é mais previsão — é realidade. E ela antecipa um futuro ainda mais disruptivo: um mundo em que a tecnologia redefine não só a forma de comprar, mas também de trabalhar, produzir e viver.