Ministros sugerem “litigante único” para novos impostos da reforma tributária; especialistas ouvidos pelo Consultor Jurídico alertam para risco de insegurança jurídica.
A proposta de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para regular a judicialização dos novos impostos da reforma tributária acendeu um forte alerta entre tributaristas. A ideia, apresentada pelos ministros Regina Helena Costa e Paulo Sergio Domingues, visa criar uma “política de litigante único” para centralizar as ações sobre o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) em um único ente federativo (União, estado ou município). O objetivo é nobre: evitar a multiplicação de processos que, segundo o próprio STJ, pode até triplicar a carga processual no país.
No entanto, o remédio pode ser pior que a doença. Especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico avaliam que, embora a intenção de evitar a judicialização múltipla seja correta, os critérios propostos são questionáveis. O principal temor é que a medida imploda a segurança jurídica, abrindo brechas para que o mesmo imposto receba decisões totalmente discrepantes a depender do tribunal julgador, seja ele estadual ou federal.
O que propõe a ‘política de litigante único’ do STJ?
A proposta dos ministros do STJ, detalhada em artigo publicado pelo Consultor Jurídico, surge de um grupo de trabalho que analisou os impactos judiciais da reforma tributária. A Emenda Constitucional 132/2023, que instituiu a reforma, não criou regras claras para a resolução de litígios dos contribuintes contra o Fisco sobre os novos tributos (IBS e CBS). A emenda apenas definiu a competência do STJ para julgar conflitos entre os entes federativos e o Comitê Gestor do IBS, deixando uma lacuna sobre as ações individuais das empresas.
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Para preencher essa lacuna, o STJ sugere que apenas um ente represente o Fisco em cada ação. A definição de quem (União, estado ou município) seria responsável pelo processo seguiria dois critérios principais. O primeiro é o porte do contribuinte: a União litigaria com empresas do lucro real (geralmente grandes empresas); o estado de domicílio cuidaria do lucro presumido (médias empresas); e o município de domicílio ficaria com optantes do Simples Nacional e pessoas físicas. O segundo critério seria o valor do crédito tributário, onde ações de “elevado valor” ficariam com a União e as de “pequeno valor” com os municípios.
O risco iminente: decisões diferentes para o mesmo imposto
É exatamente nessa divisão de competência que reside o maior gargalo da proposta, segundo os especialistas consultados pelo Consultor Jurídico. O principal problema é a falta de uniformização. Na prática, uma grande empresa (lucro real) poderia ter uma disputa sobre o IBS julgada pela Justiça Federal (representada pela União), enquanto uma média empresa (lucro presumido) teria uma disputa idêntica sobre o mesmo IBS julgada pela Justiça Estadual.
“A proposta abre a possibilidade de respostas judiciais diferentes para o mesmo tributo vindas, simultaneamente, das Justiças estaduais e Federal”, avalia Marcos Meira, sócio-fundador do escritório M. Meira Advogados, em entrevista ao portal. Diego Diniz Ribeiro, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), compartilha da mesma visão e alerta: “Nós podemos ter um mesmíssimo fato tributário que resulte em uma decisão da Justiça Federal num sentido e uma decisão da Justiça estadual em sentido oposto.”
Dúvidas sobre o contencioso administrativo e a ‘bola dividida’
O temor de insegurança jurídica não se limita ao Judiciário. Tributaristas apontam que a proposta do STJ não resolve, e pode até complicar, o contencioso administrattivo. Júlio M. de Oliveira, sócio do Machado Associados, destacou ao Consultor Jurídico que “também na esfera administrativa há uma grande desconfiança de que se mantenham instâncias diversas, com multiplicidade de entendimentos” sobre a reforma tributária.
Outro ponto crítico é a viabilidade política da proposta. Igor Mauler Santiago, sócio-fundador do Mauler Advogados, classifica a situação como uma “bola dividida” entre os entes federativos. Em declaração ao ConJur, ele questiona se a União aceitaria ter seus créditos (parte do IBS) defendidos por um estado, ou se estados e municípios aceitariam um “papel secundário” na cobrança, dependendo do porte do contribuinte.
Qual a alternativa para unificar os litígios da reforma tributária?
Diante do impasse, os advogados consultados pelo Consultor Jurídico parecem convergir em uma solução principal para garantir a uniformidade das decisões: centralizar todos os litígios na Justiça Federal. A lógica é que, embora o IBS seja compartilhado, a base legal e o fato gerador serão os mesmos do CBS, que é federal.
“Na minha visão, toda causa envolve de alguma forma a União, porque o IBS e o CBS operam com a mesma lei, as mesmas regras, o mesmo fato gerador. Ou seja, toda causa acaba tendo repercussão federal, então a Justiça Federal deveria julgar“, defende Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro Nacional para a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret), ao portal. Júlio de Oliveira reforça a necessidade de unificação, prevendo que a “via múltipla que está sendo traçada será geradora de conflitos e de insegurança jurídica” para a reforma tributária.
A proposta do STJ busca resolver um problema real, o risco de explosão de processos da reforma tributária, mas a solução apresentada pode criar um problema ainda maior de falta de isonomia e previsibilidade. A centralização em diferentes esferas de Justiça, baseada no porte da empresa, é vista pelo setor jurídico como o principal motor para o caos de interpretação.
Você concorda com essa mudança? Acha que isso impacta o mercado e a sua empresa? Deixe sua opinião nos comentários, queremos ouvir quem vive isso na prática.