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Primeira rodovia pavimentada do Brasil: Com 144 km de extensão e 8 metros de largura, obra inaugurada em 1861 impressionou o imperador Dom Pedro II com sua velocidade e modernidade

Escrito por Fabio Lucas Carvalho
Publicado em 21/06/2025 às 16:38
Atualizado em 22/06/2025 às 09:53
Dom Pedro II, rodovia
Foto: Reprodução
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A primeira estrada pavimentada do Brasil ligou Petrópolis a Juiz de Fora e impulsionou o café, o comércio e a integração regional.

No século XIX, o Brasil era um país de caminhos difíceis. O transporte era feito a pé, a cavalo ou com mulas, em trilhas que mal resistiam à chuva. Mas tudo começou a mudar quando surgiu a primeira estrada pavimentada para veículos no Brasil: a Estrada União e Indústria.

Ligando Petrópolis (RJ) a Juiz de Fora (MG), ela marcou o início da era moderna no transporte rodoviário brasileiro.

Elaboração: Matheus Cavalcanti Bartholomeu

A necessidade de mudar

Com o avanço da produção de café em Minas Gerais e no interior do Rio de Janeiro, o Império precisava de rotas melhores para escoar a safra até o porto da capital.

As estradas existentes eram precárias, e as viagens demoravam dias. O transporte por mulas era caro e sujeito a perdas. Era preciso algo novo.

Na década de 1850, o Brasil vivia um momento de busca por modernização. O imperador Dom Pedro II apoiava iniciativas de infraestrutura e ciência.

Foi nesse contexto que surgiu a ideia de uma estrada pavimentada entre duas regiões importantes para a economia do Império: a serra fluminense e a Zona da Mata mineira.

Mariano Procópio e o projeto pioneiro

O responsável pela ideia foi o engenheiro e empresário Mariano Procópio Ferreira Lage, natural de Barbacena.

Ele enxergou a possibilidade de criar uma estrada moderna para ligar os produtores de café do interior mineiro ao Rio de Janeiro. Com o apoio do imperador, conseguiu uma concessão em 1852 para construir e explorar a rodovia por 50 anos.

Mariano fundou a Companhia União e Indústria em 1853. Era uma sociedade anônima, com ações compradas por grandes fazendeiros interessados na obra. A empresa teria o direito de cobrar pedágios para recuperar o investimento. O nome da estrada veio daí.

Dom Pedro II não apenas autorizou a obra. Ele a acompanhou de perto e foi pessoalmente ao lançamento da pedra fundamental em 1856, em Petrópolis. O apoio imperial garantiu prestígio ao projeto e atraiu investidores.

Um desafio técnico sem precedentes

A construção da estrada foi dividida em dois trechos. Um ficou sob responsabilidade do engenheiro brasileiro Antônio Maria Bulhões. O outro, do engenheiro alemão José Keller. O caminho total teria 144 quilômetros, cortando a serra e os vales de rios sinuosos.

A técnica usada foi o macadame, criada pelo escocês John McAdam. Consistia em colocar camadas de pedras britadas compactadas com rolos pesados, formando um leito regular e resistente. Era a tecnologia mais moderna da época para pavimentação.

A estrada tinha em média oito metros de largura, permitindo o tráfego nos dois sentidos. O leito era drenado para resistir à chuva e durava mais que os caminhos de barro. Isso revolucionou a forma de viajar e transportar cargas.

Carta topográfica de 1861, elaborada por Franz Keller, da estrada construída pela Companhia União e Indústria desde o Vale do Paraíba até o sul de Minas Gerais

Quem fez a estrada

Para erguer essa estrutura, foi necessária uma grande força de trabalho. Muitos operários eram imigrantes alemães, vindos da colônia de Petrópolis. Mas a maior parte era composta por escravizados arrendados de fazendeiros, num sistema chamado “arremate”.

Esses trabalhadores atuavam em trechos diferentes, supervisionados por engenheiros.

Escavaram encostas, cortaram pedras e levantaram muros de arrimo com até 18 metros de altura. O esforço era imenso, especialmente nos trechos da serra do Taquaril e da serra de Pedro do Rio.

A obra levou cinco anos para ser concluída. Trechos foram sendo entregues aos poucos. Em 1858, 30 quilômetros já estavam prontos entre Vila Teresa e Pedro do Rio. A conclusão total ocorreu em junho de 1861.

A grande inauguração

A estrada foi inaugurada com festa. Em 23 de junho de 1861, Dom Pedro II percorreu o trajeto de carruagem, saindo de Petrópolis e chegando a Juiz de Fora em cerca de 12 horas. Era um feito impressionante para a época.

O imperador ficou hospedado na casa de Mariano Procópio, que mandou construir um palacete especial para recebê-lo. O local, hoje museu, foi iluminado com milhares de lamparinas, e a cidade preparou homenagens e celebrações.

O fotógrafo alemão Revert Klumb registrou a viagem em imagens históricas. Ele também escreveu um guia turístico, chamado Doze Horas em Diligência, descrevendo a viagem e as paisagens da estrada.

Primeiros anos de funcionamento

Com a estrada pronta, começaram as viagens regulares de diligências, que transportavam passageiros entre Petrópolis e Juiz de Fora. O percurso, que antes levava dois ou três dias a cavalo, passou a ser feito em meio dia. Era mais rápido, mais seguro e menos cansativo.

A Companhia União e Indústria mantinha postos de troca de cavalos, armazéns e hospedarias ao longo da via. Os veículos também levavam cartas, mercadorias e pequenas encomendas. Cidades como Três Rios, Paraíba do Sul e Simão Pereira se desenvolveram nesse eixo.

O impacto foi enorme. O custo de transporte caiu, o café chegava mais rápido ao porto e Juiz de Fora passou a crescer como entreposto comercial. A cidade virou um polo dinâmico e atraiu imigrantes, investimentos e novas atividades.

Benefícios econômicos e sociais

A estrada integrou regiões antes isoladas. Aumentou o contato entre fluminenses e mineiros. Facilitou o comércio, a troca de ideias e o deslocamento de pessoas. Também ajudou na interiorização da população.

Fazendeiros viram seus lucros crescerem. Produtos perecíveis chegavam mais rápido aos mercados. A região da Zona da Mata se urbanizou, e Petrópolis se firmou como destino de veraneio e centro comercial.

Além disso, a estrada criou empregos, aumentou a circulação de dinheiro e impulsionou negócios locais. Ferreiros, cocheiros, donos de hospedarias e comerciantes se beneficiaram com o fluxo constante de viajantes e cargas.

A estrada como modelo de progresso

A União e Indústria foi a primeira estrada pavimentada com tecnologia moderna no Brasil. Também foi a primeira concessão rodoviária do país, operada por uma empresa privada que cobrava pedágio.

O sucesso do projeto serviu de exemplo para outras iniciativas. Mostrou que era possível integrar regiões com estradas seguras e eficientes. Inspirou novos empreendimentos e ajudou a construir a ideia de um país conectado.

Dom Pedro II, que acompanhou tudo de perto, acreditava no progresso pela ciência e pela infraestrutura. A estrada representava exatamente isso: técnica, investimento, desenvolvimento regional e nacional.

O começo da decadência

Apesar de sua importância, a estrada perdeu força com o tempo. A partir de 1867, os trilhos da Estrada de Ferro Dom Pedro II chegaram a Três Rios. A nova ferrovia oferecia mais velocidade e maior capacidade de carga.

O transporte ferroviário foi ganhando espaço. Em 1871, o trem já ligava o Rio de Janeiro a Juiz de Fora. Aos poucos, o uso da estrada caiu. Ela passou a atender só o tráfego local. A companhia teve queda na arrecadação e perdeu importância.

Mesmo assim, a estrada continuou sendo usada. Veículos de carga e os primeiros automóveis circularam por ali no início do século XX. Mas seu papel principal como eixo de transporte havia acabado.

Transformações no século XX

Com a chegada da República e das mudanças administrativas, a estrada passou para o controle dos governos estaduais. Foi mantida por muitos anos, mas sem o mesmo cuidado dos tempos do Império.

Na metade do século XX, o governo federal lançou a política de integração rodoviária. Novas rodovias começaram a ser abertas com pistas largas e retas. A BR-040, construída a partir dos anos 1950 e finalizada em 1980, substituiu quase todo o trajeto da antiga estrada.

Alguns trechos da União e Indústria foram incorporados à nova rodovia. Outros foram abandonados ou viraram ruas urbanas. Em cidades como Juiz de Fora e Petrópolis, partes do traçado ainda existem, mas com outro nome e outra função.

O que restou hoje

Apesar do abandono em muitos trechos, a estrada ainda deixa marcas. Algumas pontes de pedra, muros de arrimo e casas de apoio ainda existem. Em Juiz de Fora, o Museu Mariano Procópio guarda documentos, fotos e objetos da construção.

Em 2011, os 150 anos da estrada foram comemorados com exposições e eventos em Petrópolis e Juiz de Fora. O reconhecimento como patrimônio histórico ganhou força, e há movimentos para preservar o que restou do traçado original.

Alguns trechos, como a Ponte de Santana, em Areal (RJ), foram restaurados e transformados em ponto turístico. O nome “União e Indústria” ainda é usado em avenidas, bairros e placas em várias cidades da região.

O legado que ficou

A Estrada União e Indústria foi muito mais que uma via entre duas cidades. Ela foi um marco de modernização, um símbolo da ligação entre o Império e o interior, e uma experiência de sucesso na combinação de iniciativa privada e interesse público.

Mostrou que infraestrutura pode transformar regiões, integrar economias e mudar a vida das pessoas. Antecipou conceitos modernos como concessões, pedágios, e planejamento técnico de transporte.

Mesmo esquecida por um tempo, sua história sobrevive nos livros, nos marcos de pedra e na memória das cidades que ajudou a desenvolver. Um legado que ainda merece ser valorizado.

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Joao
Joao
28/06/2025 15:32

Pode-se perceber que um líder faz uma enorme diferença.
Sem a estrada nao haveria progresso. Bastou sair da concessao e ir para o Estado e ela acabou. Mas sem duvida, fez um bem enorme para a época. Hoje, estes 140 km ao invés de 5 anos, levaria 20 com o triplo do valor.

Paulo
Paulo
28/06/2025 04:44

Petrópolis é uma cidade onde os habitantes ainda vivem na época do império, já que proprietários de imóveis até hoje pagam um valor considerável para a família imperial sem reino quando vendem e registram seus imóveis, uma taxa que subsistiu ao tempo e à proclamação da república.

Juiz de Fora é uma cidade conhecida por ter sido instalada a primeira usina hidrelétrica da América do Sul, sendo palco de atentado a um candidato à presidência da república, isso na história recente. Além disso abriga uma quantidade imensa de botecos e de farmácias, algo até certo ponto lógico. Quem vai muito ao boteco, frequentará a farmácia.

Desse modo, ligando duas cidades horríveis atualmente, mas muito bucólicas na época do imperador, essa estrada foi construída em um tempo onde os políticos corruptos eram raros. Caso contrário, cada Km da estrada teria 900 metros feitos de forma superfaturada, uma camada fina de asfalto que não resistiria a passagem das carruagens e carroças, tal como acontece atualmente em algumas estradas desse país.

Coincidentemente, os dois principais acervos de museus do país estão respectivamente em Petrópolis e em Juiz de Fora, cidades onde o passado insiste em assombrar seus habitantes.

Edmilson Gomes
Edmilson Gomes
24/06/2025 21:17

Gostei da matéria e, pude ver o quanto foi difícil para a Empresa que construiu e administrou. Talvez, não tenham vislumbrado um pouco mais adiante o que poderia mudar com a modernização das Ferrovias.

Fabio Lucas Carvalho

Jornalista especializado em uma ampla variedade de temas, como carros, tecnologia, política, indústria naval, geopolítica, energia renovável e economia. Atuo desde 2015 com publicações de destaque em grandes portais de notícias. Minha formação em Gestão em Tecnologia da Informação pela Faculdade de Petrolina (Facape) agrega uma perspectiva técnica única às minhas análises e reportagens. Com mais de 10 mil artigos publicados em veículos de renome, busco sempre trazer informações detalhadas e percepções relevantes para o leitor. Para sugestões de pauta ou qualquer dúvida, entre em contato pelo e-mail flclucas@hotmail.com.

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