Entenda o caso do jovem que recebe por engano um auxílio governamental destinado a 463 famílias, gasta a fortuna em cassinos online e encontra uma redenção inesperada no Japão.
Em abril de 2022, um erro administrativo na pacata cidade de Abu, Japão, fez com que um jovem de 24 anos, Sho Taguchi, recebesse por engano em sua conta bancária a quantia de ¥ 46,3 milhões (cerca de R$ 1,8 milhão). O valor era, na verdade, um fundo de auxílio à COVID-19 destinado a 463 famílias de baixa renda da região. Em vez de devolver o dinheiro, Taguchi iniciou uma maratona de apostas que durou duas semanas, perdendo cada centavo.
O caso, que rapidamente ganhou as manchetes nacionais, expôs a fragilidade dos sistemas burocráticos e desencadeou uma batalha judicial sem precedentes. A cronologia dos eventos, detalhada pela VICE News, mostra a rápida transição de um erro administrativo para uma investigação criminal que culminou na prisão de Taguchi. A saga, no entanto, estava longe de terminar, evoluindo para uma história complexa sobre justiça, opinião pública e reabilitação na era digital.
O erro milionário e a aposta de duas semanas
Tudo começou com uma falha processual que misturou tecnologia obsoleta e sistemas digitais mal configurados. A prefeitura de Abu preparou uma lista de pagamentos em um disquete para ser entregue ao banco, mas, ao mesmo tempo, enviou um formulário online. Devido a um erro de formatação neste segundo arquivo, o sistema bancário interpretou a conta de Sho Taguchi, o primeiro nome da lista, como a única destinatária de todo o montante. O dinheiro foi transferido em 8 de abril de 2022 e, quando o erro foi descoberto, já era tarde demais.
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Inicialmente, Taguchi concordou em cooperar, mas sua postura mudou rapidamente. Ao longo de 14 dias, ele realizou 34 saques sistemáticos, esvaziando a conta antes que as autoridades pudessem bloqueá-la. A totalidade dos fundos foi transferida para intermediários de pagamento no exterior e gasta em cassinos online. Confrontado pelas autoridades, ele declarou a frase que se tornaria célebre: “Já não pode ser desfeito. Não vou fugir. Pagarei pelo meu crime”. Pouco depois, desapareceu, tornando-se incontactável.
A estratégia jurídica que recuperou a fortuna
Enquanto a opinião pública se dividia, com alguns culpando a imprudência de Taguchi e outros criticando a incompetência do governo, como aponta a VICE News, a cidade de Abu lançou uma ofensiva legal. O primeiro passo foi garantir que as 463 famílias recebessem o auxílio, utilizando outros fundos municipais para honrar o compromisso. Em seguida, a prefeitura entrou com uma ação cível contra Taguchi, mas o verdadeiro golpe de mestre veio da equipe jurídica da cidade.
Conforme detalhado pelo portal SoraNews24, os advogados adotaram uma estratégia inovadora. Em vez de focar em Taguchi, que já não possuía bens, eles miraram nas três empresas de processamento de pagamentos que receberam o dinheiro. Argumentando que as transações eram “moralmente problemáticas” devido à origem ilícita dos fundos, a equipe legal conseguiu pressionar os intermediários a devolverem o dinheiro. A tática foi um sucesso: em 24 de maio, o prefeito anunciou que havia recuperado cerca de 90% do valor, aproximadamente ¥ 43 milhões.
O julgamento e a sentença suspensa
A recuperação do dinheiro foi um fator atenuante crucial no julgamento de Sho Taguchi, que foi preso em 18 de maio sob a acusação de fraude informática. A promotoria pediu uma pena de quatro anos e meio de prisão, argumentando que o crime foi “egocêntrico”. A defesa, por sua vez, alegou que Taguchi era inocente da acusação específica, pois ele apenas transferiu fundos que já estavam em sua conta, sem inserir informações falsas no sistema bancário.
De acordo com a emissora japonesa TNC News, o Tribunal Distrital de Yamaguchi considerou Taguchi culpado em 28 de fevereiro de 2023. O juiz determinou que Taguchi tinha o dever legal de informar o banco sobre o erro e, ao não fazê-lo, suas ações se tornaram fraudulentas. No entanto, considerando a recuperação quase total dos fundos, o seu remorso e a ausência de antecedentes criminais, a sentença final foi de três anos de prisão, com suspensão de cinco anos. Isso significa que ele evitará a cadeia se não cometer nenhum crime nesse período. A defesa recorreu imediatamente da decisão.
Redenção digital: de vilão a influenciador
O capítulo mais inesperado desta história começou após a libertação de Taguchi sob fiança. Conforme amplamente coberto pelo SoraNews24, a fiança foi paga por Hikaru, um dos YouTubers mais famosos e controversos do Japão. Hikaru não apenas pagou o valor, mas também ofereceu um emprego a Taguchi em uma de suas empresas e começou a documentar seu processo de reabilitação em seu canal no YouTube, transformando um pária nacional em uma figura em busca de redenção.
Com o apoio do YouTuber, a imagem de Taguchi começou a mudar. Ele abriu uma conta no Twitter para mostrar seu progresso, aprendendo a usar softwares de escritório e trabalhando para pagar os custos legais restantes devidos à cidade. Em poucos dias, acumulou dezenas de milhares de seguidores, com o público respondendo positivamente à sua jornada de expiação. O mesmo público que o condenou ferozmente mostrou-se receptivo a uma narrativa de segunda chance, demonstrando a fluidez da opinião pública na era das redes sociais.
O caso de Sho Taguchi é um conto moderno sobre como um erro burocrático pode se transformar em um fenômeno nacional. Ele expôs falhas em sistemas governamentais, inspirou uma solução jurídica criativa e, finalmente, abriu um debate sobre a natureza da justiça e do perdão. A saga de Abu serve como um lembrete das complexas interações entre responsabilidade individual, falha institucional e o poder imprevisível da cultura digital.
O que você acha deste desfecho? A Justiça foi feita ou a intervenção do YouTuber mudou o rumo da história de uma forma inesperada? Deixe sua opinião nos comentários, queremos saber o que você pensa.