Estudo mostra por que os veículos elétricos ainda não decolaram no Brasil. Falta de infraestrutura, custo das baterias e barreiras regulatórias atrasam a transição.
Apesar de ser o oitavo maior produtor de automóveis do mundo e o quarto maior mercado consumidor, o Brasil ainda não conseguiu transformar esse peso industrial em liderança na eletromobilidade. Em 2024, menos de 7% dos veículos licenciados no país eram elétricos, percentual bem abaixo de nações que já consolidam políticas robustas para o setor.
Esse atraso preocupa especialistas porque pode empurrar o Brasil para fora da corrida global por tecnologias sustentáveis. Enquanto países como China, Alemanha e Estados Unidos aceleram investimentos, o mercado brasileiro ainda convive com dúvidas, barreiras estruturais e falta de planejamento integrado.
Estudo aponta oito obstáculos para veículos elétricos no Brasil
Um levantamento da Thymos Energia analisou o cenário nacional e comparou experiências internacionais. O estudo mapeou oito grandes barreiras que freiam a expansão da mobilidade elétrica no país:
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- Infraestrutura de carregamento insuficiente e mal distribuída;
- Longo tempo de recarga e baixa autonomia;
- Pouca disponibilidade de modelos no mercado brasileiro;
- Ausência de cadeia de produção local de baterias;
- Baixa durabilidade das baterias atuais;
- Alto custo dos veículos e do armazenamento de energia;
- Déficit de mão de obra especializada em manutenção;
- Carência de pesquisa e desenvolvimento no território nacional.
De acordo com Luiz Vianna, COO da Thymos Energia, superar essas barreiras não depende apenas da indústria automotiva. “Planejamento, integração e investimentos coordenados de múltiplos atores, como poder público, empresas de energia e consumidores, são fundamentais”, reforça.
O risco do “Vale da Desilusão”
Segundo o Ciclo Hype do Instituto Gartner, que mapeia o desenvolvimento de tecnologias emergentes, os veículos elétricos no Brasil estão prestes a entrar no chamado “Vale da Desilusão”. Essa fase marca o momento em que o entusiasmo inicial cede espaço às dificuldades reais, como custos elevados e limitações técnicas.
O ciclo tecnológico passa por cinco estágios:
- Gatilho da Inovação, quando a novidade desperta interesse;
- Pico de Expectativas Infladas, em que há otimismo e cobertura intensa;
- Vale da Desilusão, quando surgem as limitações;
- Ladeira da Iluminação, marcada pela evolução gradual e ajustes;
- Planalto de Produtividade, etapa em que a tecnologia é amplamente adotada.
Para especialistas, o Brasil precisa agir rapidamente para não ficar estagnado nessa terceira fase e perder competitividade no setor.
Desafios regulatórios e econômicos
Além das questões técnicas, o estudo da Thymos chama atenção para as deficiências regulatórias. “As metodologias tradicionais de remuneração das distribuidoras já não atendem às novas demandas impostas pela eletromobilidade”, destaca Vianna.
O modelo tarifário brasileiro ainda não contempla realidades como recarga em horários específicos ou integração de veículos à rede elétrica. Sem ajustes regulatórios, a expansão dos veículos elétricos continuará limitada, mesmo que o consumidor queira adotar a tecnologia.
No campo econômico, o custo elevado é outro entrave. Baterias caras e veículos com preços pouco acessíveis dificultam a popularização. A ausência de incentivos consistentes ao consumidor também limita o ritmo de expansão.
Mudança de comportamento e “ansiedade de recarga”
O estudo mostra que o desafio não é apenas estrutural. Há também barreiras comportamentais. Muitos motoristas ainda sentem a chamada “ansiedade de recarga” — a preocupação constante de não encontrar pontos de abastecimento próximos ou disponíveis durante viagens.
A preferência cultural por motores a combustão, somada ao receio de mudanças de hábitos, reforça a resistência à eletromobilidade. Esse fator psicológico tem peso significativo e exige campanhas de conscientização, além de políticas públicas que ofereçam segurança e previsibilidade ao consumidor.
Transporte coletivo como alternativa estratégica
Enquanto a mobilidade individual avança lentamente, o transporte público já começa a experimentar soluções elétricas. Hoje, o Brasil conta com aproximadamente 1.000 ônibus elétricos em operação em 18 municípios, o que representa menos de 1% da frota nacional.
São Paulo lidera esse movimento com 841 unidades em circulação, mas ainda é pouco diante do potencial do país. No cenário global, a comparação é marcante: em 2023, quase 50 mil ônibus elétricos foram vendidos no mundo, elevando o estoque para 635 mil veículos, dos quais 60% estão na China.
O paradoxo ambiental e o desafio das baterias
Outro ponto levantado pelo estudo é o paradoxo ambiental da mobilidade elétrica. Embora os veículos sejam menos poluentes durante o uso, o descarte das baterias de íon de lítio gera um desafio crescente.
O Brasil ainda não possui uma cadeia de reciclagem robusta, capaz de reaproveitar materiais e reduzir impactos ambientais. Para Victor Ribeiro, consultor estratégico da Thymos, “a eletromobilidade não é apenas uma tendência de mercado. É parte central de uma transição energética que exige planejamento integrado, regulação moderna e visão ambiental”.
Caminhos para o futuro da eletromobilidade no Brasil
Para não perder o “timing” da eletromobilidade, o estudo propõe um roadmap integrado com medidas de curto, médio e longo prazo. Entre as principais soluções estão:
- Modernização da infraestrutura elétrica com redes digitalizadas;
- Descentralização da geração de energia, incluindo fontes renováveis;
- Expansão do carregamento inteligente e do sistema V2G (vehicle-to-grid), que permite troca de energia entre veículos e rede;
- Revisão regulatória para criar tarifas específicas de recarga;
- Políticas públicas com incentivos claros ao consumidor final;
- Fortalecimento da cadeia de pesquisa, inovação e reciclagem de baterias.
Globalmente, a tendência já é consolidada. Em 2024, foram vendidos 17 milhões de veículos elétricos no mundo, reforçando a urgência de o Brasil acelerar. O país tem capacidade industrial, mercado consumidor robusto e matriz elétrica relativamente limpa. O que falta, segundo especialistas, é coordenação estratégica para transformar potencial em realidade.