EUA poupam suco de laranja e punem café com tarifa de 50%. Contradição bilionária expõe riscos para o agronegócio e ameaça exportadores brasileiros.
A decisão dos Estados Unidos de aplicar uma tarifa de 50% sobre diversos produtos brasileiros, mas poupar o suco de laranja e ao mesmo tempo penalizar o café, gerou perplexidade entre produtores, diplomatas e analistas de comércio internacional. Mais do que uma medida isolada, o contraste expõe uma contradição bilionária com potencial de redefinir prioridades no agronegócio brasileiro e reabrir feridas históricas na relação comercial entre os dois países.
Café punido, laranja protegida
Segundo dados divulgados por associações do setor, as exportações brasileiras de café solúvel para os EUA despencaram quase 60% em agosto de 2025, em comparação com o mesmo mês do ano anterior, justamente após a entrada em vigor do tarifaço.
Empresas relataram contratos cancelados, estoques parados e margens inviabilizadas pela dificuldade de absorver ou repassar o aumento de custo.
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Enquanto isso, o suco de laranja brasileiro, símbolo de uma disputa histórica com os produtores da Flórida, ficou de fora da lista de produtos tarifados.
A exclusão foi recebida com alívio pelo setor de citros, mas também com desconfiança, já que representa um gesto político contraditório: justamente um dos produtos mais sensíveis para os EUA não foi atingido, enquanto o café, que sempre teve mercado consolidado e sem grandes litígios, foi penalizado.
O peso do lobby interno nos EUA
Especialistas em comércio internacional destacam que a diferença de tratamento não é aleatória. A indústria de suco de laranja da Flórida vem enfrentando uma crise severa nos últimos anos, com queda de produção por pragas e eventos climáticos extremos.
Para evitar desabastecimento e alta nos preços internos, Washington tem mantido as portas abertas para o suco brasileiro, considerado essencial para equilibrar a oferta no mercado americano.
Já o café, embora seja um produto de forte consumo nos EUA, tem competidores alternativos — como Colômbia, Vietnã e países da América Central — que conseguem abastecer o mercado, mesmo com custos maiores. Isso torna o Brasil mais vulnerável à aplicação de tarifas, já que os americanos conseguem diversificar suas importações sem risco imediato de desabastecimento.
A contradição bilionária
O paradoxo entre proteger a laranja e punir o café gera um impacto bilionário no agronegócio brasileiro. O café é responsável por uma fatia significativa da pauta de exportações, movimentando bilhões de dólares por ano.
Se a queda de quase 60% registrada em agosto se mantiver, o Brasil pode perder centenas de milhões em poucos meses apenas nesse setor.
Ao mesmo tempo, o suco de laranja brasileiro continua gerando divisas sem restrições, garantindo faturamento a uma cadeia produtiva que emprega milhares de trabalhadores no interior de São Paulo.
O contraste cria distorções regionais e levanta o risco de concentração ainda maior da dependência do Brasil em determinados produtos, tornando a balança comercial vulnerável a mudanças repentinas de política em Washington.
Para os especialistas, a maior ameaça é a instabilidade
Para analistas ouvidos pela Reuters e pela Agência Brasil, a maior ameaça é a instabilidade. Se os EUA decidiram poupar o suco agora, nada impede que, em futuras rodadas de retaliação, ele também entre na lista. Já o café, uma vez penalizado, pode enfrentar uma reconquista difícil, com perda de mercado para concorrentes asiáticos.
Associações de exportadores alertam que a insegurança regulatória dificulta investimentos de longo prazo, trava novos contratos e deixa produtores à mercê de decisões políticas.
No médio prazo, o impacto pode ser sentido em empregos no campo e na indústria, além de reduzir o poder de negociação do Brasil em acordos comerciais multilaterais.
O papel da Lei da Reciprocidade
Diante dessa contradição, o governo brasileiro já acionou a Camex para analisar se a aplicação das tarifas viola compromissos internacionais e se cabe resposta dentro da Lei da Reciprocidade Econômica.
O dilema é claro: retaliar pode proteger setores como o café, mas abrir espaço para que os EUA endureçam ainda mais contra outros produtos, inclusive o próprio suco de laranja.
No fim, a mensagem é de que o agronegócio brasileiro não pode depender apenas da boa vontade de Washington.
O caso do suco de laranja poupado e do café penalizado mostra como decisões políticas internas dos EUA, ligadas a lobbies regionais e crises setoriais, podem determinar o destino de bilhões de dólares para os produtores brasileiros.
Sem diversificação de mercados e sem maior integração em acordos internacionais, o risco é que outras cadeias produtivas fiquem sujeitas à mesma instabilidade.