Negativas de cobertura em planos de saúde aumentam rapidamente, mas consumidores podem recorrer à ANS, advogados e Justiça para garantir tratamento essencial
A cena se repete em hospitais e consultórios: um exame solicitado, uma cirurgia marcada ou um tratamento essencial. Porém, quando o paciente busca a cobertura junto ao plano de saúde, recebe a resposta que não gostaria de ouvir: negativa. O problema, cada vez mais frequente, gera insegurança, frustração e, muitas vezes, risco direto à vida.
Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as reclamações contra negativas de cobertura aumentaram 374% na última década.
Em 2014, foram registradas 61,5 mil queixas, número que saltou para 292 mil em 2023. Apenas nos quatro primeiros meses de 2024, os registros chegaram a 104 mil, alta de 35% em comparação com o mesmo período do ano anterior.
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Esse crescimento revela não apenas a insatisfação dos usuários, mas também a necessidade de maior clareza sobre os direitos que possuem diante das operadoras.
Plano de saúde: motivos mais comuns para negar cobertura
Os relatos dos consumidores seguem padrões. Muitos procedimentos são recusados sob alegação de estarem fora do rol da ANS. Outros envolvem a justificativa de que o tratamento não é coberto pelo plano.
Casos frequentes incluem ainda o uso chamado “off-label”, quando o medicamento é receitado para finalidade diferente da indicada em bula, ou a alegação de que o tratamento é experimental.
Há também negativas baseadas em carência contratual, em cirurgias classificadas como não urgentes e na recusa de fornecer medicamentos de alto custo ou home care.
Apesar dos argumentos, boa parte das negativas cai quando analisada judicialmente ou confrontada com pareceres da própria ANS.
O que fazer diante da recusa
O primeiro passo é solicitar a negativa por escrito. A formalização, feita em papel ou meio eletrônico, é essencial como prova em eventuais questionamentos.
Em seguida, o paciente pode registrar reclamação diretamente na ANS. O órgão oferece atendimento pelo telefone 0800 701 9656 e também em sua plataforma online. Em muitos casos, apenas essa notificação já faz o plano voltar atrás.
Quando a situação envolve urgência, como cirurgias ou terapias de alto risco, a recomendação é procurar um advogado ou a Defensoria Pública.
Nessas circunstâncias, é comum que a Justiça conceda liminares obrigando a cobertura imediata, sob pena de multa e sanções à operadora.
O impacto da nova legislação
O tema ganhou novos contornos com a entrada em vigor da Lei nº 14.454/2022. A norma alterou a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998) e mudou a forma como se interpreta o rol da ANS.
Antes da mudança, prevalecia o entendimento de que o rol era taxativo. Em outras palavras, apenas os procedimentos expressamente listados eram de cobertura obrigatória.
Essa visão restringia o acesso a terapias inovadoras, especialmente para doenças raras.
Com a nova lei, o rol passou a ser exemplificativo. Ou seja, a lista serve como referência mínima, mas não impede a cobertura de tratamentos fora dela, desde que atendam critérios estabelecidos.
Quais critérios definem a obrigatoriedade
De acordo com a lei, os planos são obrigados a cobrir procedimentos não listados quando um dos seguintes requisitos for atendido:
- O tratamento apresentar eficácia comprovada por evidências científicas;
- Houver recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec);
- Existir recomendação de órgão internacional de avaliação de tecnologias em saúde reconhecido, desde que também aprovado no Brasil.
Segundo o advogado Marcel Sanches, especialista em direito privado e saúde, a lei trouxe mais segurança para os pacientes.
Ele destaca que “na prática, é raro que medicamentos de alto custo não sejam obrigatoriamente cobertos, já que dificilmente médicos prescrevem substâncias experimentais ou sem comprovação científica”.
Judicialização em crescimento acelerado
Apesar do avanço legal, os conflitos continuam. Em 2024, o Brasil registrou cerca de 300 mil novas ações judiciais contra planos de saúde, conforme levantamento da Associação Paulista de Medicina com base em dados do Tribunal de Justiça de São Paulo e projeções nacionais.
O número mais que dobrou em apenas três anos e já é o maior desde que o Conselho Nacional de Justiça iniciou o monitoramento, em 2020.
Isso mostra que, mesmo com a legislação atual, as operadoras continuam resistindo a custear determinados tratamentos.
Como a Justiça tem decidido
Os tribunais têm adotado postura firme contra as negativas abusivas. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, decidiu que um plano de saúde deveria arcar com tratamento usando o medicamento Rituximabe, mesmo indicado em caráter off-label, desde que o remédio tivesse registro na Anvisa.
A decisão reforça a aplicação da Lei nº 14.454/2022 e deixa claro que a recusa é considerada abusiva quando existe respaldo médico e científico.
Esse entendimento tem se consolidado e fortalece o posicionamento de pacientes que buscam garantir seu direito ao tratamento.
Estudos também apontam elevado índice de sucesso nessas ações. Uma pesquisa publicada pelo Scimago Institutions Rankings revelou que, em ações assistenciais como fornecimento de medicamentos, os consumidores obtêm vitória em 89% dos casos.
Um direito que precisa ser defendido
Negar atendimento se tornou prática comum de muitas operadoras, mas a lei garante mecanismos de defesa. Cabe ao paciente não aceitar a recusa como resposta final.
Buscar a negativa por escrito, acionar a ANS e recorrer à Justiça, quando necessário, são caminhos que têm se mostrado eficazes.
O crescimento das reclamações e das ações judiciais prova que os consumidores estão cada vez mais dispostos a lutar por seus direitos.
Mais do que números, esses casos revelam histórias de vidas que dependem do acesso a um exame, a um medicamento ou a uma cirurgia.
E mostram, de forma clara, que negar cobertura é mais do que uma questão contratual: é uma disputa pela preservação da saúde e, muitas vezes, da própria vida.
Com informações de Terra.