Presidente Lula tem dias para decidir: sancionar ou vetar a lei que pode transformar o futuro da Amazônia e da imagem do Brasil no mundo
Às vésperas da COP30, o Brasil enfrenta um dilema ambiental que pode comprometer sua imagem internacional. Um novo projeto de lei sobre licenciamento ambiental, aprovado pelo Congresso Nacional, aguarda a decisão final do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deve sancioná-lo ou vetá-lo até o dia 8 de agosto. Segundo especialistas, se aprovado da forma como está, o texto representará um grave retrocesso nas políticas de proteção ambiental e pode abrir caminho para o desmatamento de milhões de hectares de floresta.
A relatora especial da ONU para Direitos Humanos e Meio Ambiente, Astrid Puentes Riaño, fez duras críticas ao projeto. Em entrevista à BBC News, ela classificou a proposta como um “retrocesso de décadas” e alertou para os riscos de danos irreversíveis à Amazônia e a outras áreas de grande importância ambiental. “Sem uma análise adequada, mudanças ou a continuidade de projetos podem representar desmatamento na Amazônia”, afirmou.
18 milhões de hectares sob ameaça
Com base em dados do Instituto Socioambiental (ISA), Astrid estima que a nova legislação pode retirar a proteção de cerca de 18 milhões de hectares, uma área equivalente a todo o território do Uruguai. A preocupação é que, ao flexibilizar regras de licenciamento, o projeto facilite a expansão de atividades como mineração e agricultura — inclusive em áreas hoje protegidas por lei.
-
O segredo das ‘estradas submersas’ do Ceará não é a maré
-
Lucro de 17.000.000%: investidores que seguraram bitcoins desde 2011 realizam maior ganho da história
-
Quanta água potável realmente temos? O dado que revela como a maior riqueza da Terra é, na verdade, escassa
-
Trump ordenou hoje o envio de dois submarinos nucleares após ex-presidente da Rússia falar em ‘apocalipse’
Entre os pontos mais controversos, está a possibilidade de licenciamento automático. Pela nova regra, órgãos ambientais teriam até 12 meses (prorrogáveis por mais 12) para se manifestar sobre um projeto. Se o prazo expirar sem resposta, a licença pode ser concedida de forma automática. Para especialistas, isso pode permitir que empreendimentos de alto impacto avancem sem o devido rigor técnico ou científico.
Menos consultas e menos controle
Outro aspecto que acende o alerta vermelho é a redução na exigência de consultas a comunidades indígenas e quilombolas. Pela proposta, apenas grupos diretamente afetados deverão ser consultados. Segundo a ONU, isso representa uma ameaça à participação das comunidades locais em decisões que podem afetar gravemente seus modos de vida e seus territórios ancestrais.
Astrid Puentes destaca ainda que o projeto favorece a autodeclaração de impacto ambiental por empreendimentos agropecuários de pequeno porte, por meio de simples formulários online. Isso pode enfraquecer a fiscalização, principalmente em regiões onde o desmatamento ilegal já é uma realidade constante.
“Projetos de mineração ou infraestrutura não podem ser autorizados sem uma análise completa dos impactos ambientais. A proposta atual abre brechas perigosas nesse sentido”, afirma a relatora da ONU.
Desmatamento em alta e seca extrema
O alerta chega em um momento crítico. Nos últimos meses, dados de monitoramento por satélite confirmaram altos índices de desmatamento na Amazônia, com extensas áreas consumidas por queimadas agravadas pela seca histórica de 2024. A combinação entre destruição florestal e escassez hídrica já afeta diretamente a saúde da população local e o equilíbrio climático global.
Entidades da sociedade civil, como o Observatório do Clima, apontam que o texto do novo projeto de licenciamento atende principalmente a interesses de setores do agronegócio e da mineração, que há anos pressionam por uma desburocratização dos processos ambientais.
Enquanto isso, defensores do projeto alegam que a lei vai “modernizar” o sistema atual, considerado lento e ineficiente. Segundo essa visão, o novo modelo permitiria maior agilidade para empreendimentos considerados estratégicos, como estradas, usinas e instalações de energia.
Governo dividido e pressão internacional
Dentro do governo, o tema divide opiniões. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já se posicionou publicamente contra diversos pontos do projeto e declarou que, caso a lei seja sancionada sem alterações, poderá ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em um evento em Brasília, Marina afirmou que o governo avalia um possível veto parcial e a criação de uma alternativa legislativa mais equilibrada. “Não basta vetar. É preciso vetar e ter algo para colocar no lugar”, disse a ministra. A ideia seria preservar pontos técnicos válidos da proposta e, ao mesmo tempo, impedir o avanço de normas que coloquem em risco a floresta e os direitos humanos.
A decisão final de Lula ocorre em um contexto delicado. O Brasil será sede da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, em novembro, em Belém (PA). A sanção de uma lei que fragilize os mecanismos de proteção ambiental pode gerar críticas internacionais e enfraquecer a liderança climática que o país vem tentando consolidar nos últimos anos.
Se o presidente vetar o projeto, o Congresso ainda poderá derrubar o veto e manter o texto original. A disputa, portanto, está longe de acabar.