Obra hídrica no Ceará encurta percurso das águas do São Francisco, integra grandes reservatórios e aposta em automação para ampliar segurança do abastecimento, reduzir perdas e atender cidades e zonas rurais do semiárido cearense.
No sul do Ceará, uma obra de infraestrutura hídrica muda o tabuleiro do abastecimento no semiárido.
Trata-se do Ramal do Salgado, trecho estratégico do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), concebido para reforçar a segurança hídrica de 54 municípios e reduzir o risco de colapso em períodos de estiagem.
Com investimento público de mais de R$ 600 milhões e entrega prevista para junho de 2027, o empreendimento avança com frentes simultâneas, operadores de campo e maquinário pesado.
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Por que o ramal é decisivo para o Ceará
A principal função do Ramal do Salgado é encurtar o caminho da água do São Francisco até os grandes reservatórios do estado.
Hoje, a transferência ocorre via Cinturão das Águas do Ceará (CAC) a partir do reservatório de Jati.
Com o novo traçado, a viagem das vazões será cerca de 150 km mais curta, o que tende a reduzir perdas, facilitar a operação e dar previsibilidade ao sistema.
O reforço atende áreas urbanas e comunidades rurais historicamente sujeitas a racionamentos, ampliando a resiliência do abastecimento no Cariri e na Região do Jaguaribe, além de apoiar a RMF por meio da recarga do Castanhão, principal reservatório cearense.
Extensão, traçado e conexão com o sistema existente
O projeto combina extensão hidráulica de 34,3 km dentro de um corredor de obras que totaliza cerca de 36 km.
O ramal deriva do Eixo Norte do PISF na altura de Jati (CE) e se integra ao CAC, responsável por distribuir as vazões transpostas para diferentes bacias estaduais.
Essa ligação encurta o percurso até o Castanhão e fortalece a cadeia de reservatórios que sustenta o abastecimento humano, a produção agroindustrial e atividades econômicas no semiárido.
Como a engenharia vence o terreno difícil
Não se trata de um único canal.
O Ramal do Salgado é um mosaico de soluções: canais a céu aberto, túneis em rocha cristalina, sifões invertidos para travessias de cursos d’água intermitentes, aquedutos que transpõem vales e estruturas de controle como vertedouros, descargas de fundo e tomadas d’água.
Em trechos de maciço rochoso, as escavações exigem explosivos e monitoramento geotécnico constante.
Já os aquedutos demandam pilares altos, projetados para suportar peso, variações térmicas e ação do vento.
Além das obras civis, avança a montagem hidromecânica e eletroeletrônica.
Comportas metálicas, automação, instrumentação e telemetria permitirão supervisão de vazão, pressão e níveis em tempo real.
A arquitetura operacional conectará o ramal ao centro de controle do sistema de transposição no território cearense, assegurando comando integrado e respostas rápidas a variações de demanda ou de regime de chuvas.
Logística e gestão de um canteiro disperso
O traçado se espalha por áreas afastadas de centros urbanos.
Por isso, a execução depende de bases avançadas com estocagem de cimento, aço, brita e aditivos, além de oficinas e apoio aos trabalhadores.
O canteiro principal, nos arredores de Lavras da Mangabeira, funciona como polo de coordenação.
Para acelerar a entrega, o método adotado é o de construção segmentada: trechos independentes são executados em paralelo por consórcios distintos, com padronização de processos, controle de qualidade e fiscalização da Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará e do governo federal.
Auditorias recorrentes acompanham cronogramas, marcos de performance e conformidade contratual.
Andamento físico e prazos: o que dizem os entes públicos
Quanto ao avanço, os números divulgados divergem conforme a fonte.
Em junho de 2025, o governo cearense reportou 10,45% de execução e manteve a entrega para junho de 2027.
Já o governo federal informou que, em setembro de 2025, a obra ultrapassou 20% de avanço físico, com mais de 220 equipamentos mobilizados.
Apesar da diferença metodológica, há consenso de que o empreendimento está em fase inicial, porém com marcos concluídos, como túneis parcialmente escavados, pilares de aquedutos erguidos e trechos de canal concretados.
Capacidade de adução e operação prevista
A operação do Ramal do Salgado foi dimensionada para transportar até 20 m³/s em regime de projeto.
Esse volume é suficiente para aliviar a dependência de transferências emergenciais e tornar a gestão mais eficiente ao longo do ano.
Com a entrada em serviço, o ramal deve substituir percursos mais longos hoje adotados pelo CAC, equilibrando a recarga dos reservatórios e aumentando a regularidade das entregas de água na rede estadual.
Alcance social, econômico e ambiental
O impacto social esperado é amplo.
O ramal foi concebido para beneficiar até 5 milhões de habitantes em 54 cidades, número que em algumas comunicações oficiais aparece como 4,7 milhões.
Em ambos os cenários, o alcance é suficiente para reconfigurar o quadro de vulnerabilidade hídrica, especialmente nas localidades que ainda convivem com riscos de desabastecimento.
A segurança de entrega também interessa ao setor produtivo: agricultura irrigada, indústrias e serviços tendem a planejar investimentos com mais previsibilidade.
Em paralelo, a redução de trajetos e perdas pode mitigar pressões sobre mananciais locais e combater efeitos da desertificação em áreas sensíveis do semiárido.
Financiamento, governança e transparência
O Ramal do Salgado integra o Novo PAC, com orçamento consolidado em mais de R$ 600 milhões.
A execução envolve coordenação federativa entre o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e o Governo do Ceará, além de órgãos de controle.
Relatórios periódicos, revisões de cronograma e cláusulas de desempenho atreladas aos contratos compõem o arranjo de governança para reduzir riscos, dar transparência ao gasto público e manter o ritmo das frentes de serviço diante das variações climáticas e geotécnicas.
O que muda quando a água encurta caminho
Com o ramal em operação, o Castanhão passa a receber a água do São Francisco por um trajeto mais direto.
Isso reduz o tempo de resposta do sistema em períodos críticos e fortalece a resiliência do abastecimento em capitais, polos regionais e áreas rurais.
Em municípios do sul do estado, como Ipaumirim e Lavras da Mangabeira, a obra tende a melhorar a regularidade das entregas.
A expectativa técnica é que a combinação de infraestrutura física, automação e gestão integrada estabilize o regime hídrico e amplie a margem de segurança para consumo humano e atividades econômicas.
Se a engenharia está entregando conexões, túneis e aquedutos, qual deve ser a próxima prioridade para garantir que a água chegue com qualidade e preço justo a quem mais precisa no sertão cearense?