Análise científica revelou segredos inéditos e uma disputa legal milionária marcou o destino do mais rico acervo da era Viking já encontrado na Grã-Bretanha.
Em 2014, a descoberta do Tesouro Viking de Galloway por Derek McLennan em um campo na Escócia marcou a história da arqueologia. Considerada a mais rica e complexa coleção de objetos da era Viking encontrada na Grã-Bretanha, ela continha mais de cem artefatos, desde lingotes de prata e braceletes raros a um vaso carolíngio de prata dourada, além de materiais orgânicos como seda e linho, que raramente sobrevivem ao tempo. Adquirido pelos Museus Nacionais da Escócia por £1.98 milhão, o achado parecia ter um final triunfante e bem definido.
Contudo, a jornada deste tesouro estava apenas começando. Longe de ser um ponto final, a aquisição foi o ponto de partida para um meticuloso processo de pesquisa científica, uma amarga batalha judicial pela recompensa e uma completa reinterpretação do seu significado histórico.
A história após 2014 revelou que os segredos mais profundos do acervo não estavam apenas enterrados sob a terra, mas também habilmente escondidos dentro dos próprios objetos e nas complexas relações humanas que os cercavam.
-
O silêncio custa caro: arquiteta recebe R$ 10 mil, bloqueia contatos e desaparece das redes, devolvendo o valor apenas sob ameaça policial
-
A vaquejada foi proibida pelo STF por crueldade animal, mas o Congresso reagiu com uma emenda constitucional para legalizá-la como cultura, num embate histórico
-
Depois do dinheiro aparecer na conta, mulher gasta Pix, dá desculpas evasivas e é condenada a pagar quase o triplo do valor em multa e restituição
-
Um tesouro abandonado em SP: de símbolo da modernidade a ruína urbana, o edifício brutalista com 22 andares, base de 1.000 m² e formato escultural que marcou a Avenida Paulista hoje está vazio e esquecido há anos
O desvendar científico do tesouro: segredos sob o microscópio
Após ser adquirido, o tesouro tornou-se o foco de um dos mais importantes e minuciosos projetos de pesquisa arqueológica da Escócia.
Liderado pelos Museus Nacionais da Escócia em parceria com a Universidade de Glasgow, o projeto “Unwrapping the Galloway Hoard” (Desembrulhando o Tesouro de Galloway) utilizou tecnologia de ponta para analisar cada peça com um cuidado sem precedentes.
Antes mesmo de se atreverem a abrir o delicado e selado vaso carolíngio, os cientistas realizaram extensas tomografias computadorizadas e raios-X 3D.
Essa abordagem não invasiva permitiu criar um mapa digital preciso de seu interior, revelando um interior densamente compactado com artefatos preciosos, cada um embrulhado individualmente em tecido.
Essa análise detalhada trouxe à tona informações que mudaram fundamentalmente a percepção sobre o acervo e seus donos.
As inscrições rúnicas encontradas em braceletes de prata, por exemplo, não eram nomes nórdicos, como seria de se esperar, mas sim nomes anglo-saxões, como “Ecgbeorht”.
Essa revelação surpreendente sugere uma profunda integração cultural na região, onde identidades se misturavam. Além disso, a análise científica da seda confirmou sua origem na Ásia Central, no atual Uzbequistão, reforçando o alcance impressionante das rotas comerciais e de saque dos Vikings.
A escavação física do conteúdo do vaso, guiada pelos mapas digitais, revelou ainda mais itens ocultos, como contas de vidro, um broche de prata articulado e outros pequenos tesouros, cada um cuidadosamente embalado e preservado por mais de mil anos.
A disputa legal pela recompensa milionária
Paralelamente a essas descobertas científicas, uma batalha bem mais terrena e conflituosa se desenrolava. Derek McLennan, o descobridor, tinha um acordo prévio com a Igreja da Escócia, proprietária do terreno onde o tesouro foi encontrado, para dividir o valor de qualquer recompensa.
Em 2017, seguindo a lei escocesa que premia o descobridor, a Coroa pagou a recompensa integral de £1.98 milhão diretamente a McLennan.
A partir desse ponto, caberia a ele honrar o contrato que havia firmado com a Igreja.
No entanto, as duas partes não conseguiram chegar a um consenso sobre a divisão justa do dinheiro, dando início a um longo e desgastante conflito.
McLennan argumentou que a oferta da Igreja não refletia sua contribuição para a busca, enquanto a instituição o acusava de quebra de contrato, exigindo uma parte significativa do valor.
O impasse levou o caso aos tribunais, em um processo que se arrastou por anos e atraiu a atenção da mídia. Em 2021, pouco antes do julgamento, foi anunciado um acordo extrajudicial, cujos termos permanecem confidenciais.
McLennan expressou publicamente sua frustração com o litígio, afirmando que a longa disputa legal tirou parte da alegria e do encanto da descoberta histórica que realizou.
O legado público e a reinterpretação da história
Com o fim da disputa e o avanço da pesquisa, o Tesouro de Galloway finalmente iniciou sua jornada pública, cumprindo seu papel como patrimônio nacional.
Os Museus Nacionais da Escócia criaram uma exposição itinerante de enorme sucesso, “Galloway Hoard: Viking-age Treasure”, que viajou por diversas cidades escocesas, incluindo Kirkcudbright, a comunidade mais próxima do local da descoberta, permitindo que a população local se conectasse diretamente com sua própria herança.
Além da exibição física, foi criado um vasto acervo digital com modelos 3D dos artefatos, tornando o tesouro acessível para estudo e admiração por pesquisadores e pelo público de todo o mundo.
Mais importante que sua exibição, o tesouro mudou drasticamente a compreensão dos historiadores sobre a Era Viking na Escócia, desafiando a imagem simplista dos nórdicos como meros saqueadores.
Ele não conta uma simples história de pilhagem, mas sim uma narrativa complexa de interação entre quatro povos distintos: Vikings, Escoceses, Anglo-Saxões e Pictos, que negociavam, lutavam e viviam lado a lado.
O acervo, que se acredita representar a riqueza acumulada por até quatro gerações de uma única e poderosa família, mistura heranças preciosas, saques de guerra e bens de comércio internacional, pintando um quadro muito mais detalhado de uma sociedade multicultural, de negociação, conflito e coexistência em um período turbulento da história britânica.
A jornada do Tesouro de Galloway mostra que a história por trás de um artefato pode ser tão valiosa quanto o próprio objeto. Na sua opinião, a quem pertence um tesouro como este: ao descobridor, ao dono da terra ou à nação? Compartilhe sua perspectiva nos comentários.