Brasil bate recorde de formados em Medicina, mas excesso de cursos pressiona salários de novos médicos enquanto cidades do interior seguem sem atendimento adequado.
Ser médico sempre foi sinônimo de prestígio e estabilidade no Brasil. Mas essa realidade tem mudado nos últimos anos. A explosão no número de cursos de Medicina, somada ao crescimento acelerado de formados, criou um fenômeno curioso: há cada vez mais médicos disponíveis nas grandes cidades, mas os salários pagos aos recém-formados caíram, ao mesmo tempo em que milhares de municípios do interior seguem sem profissionais suficientes.
A expansão dos cursos de Medicina
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o Brasil ultrapassou 390 cursos de Medicina em funcionamento, o maior número do mundo em termos absolutos. Só entre 2013 e 2022, foram autorizados mais de 100 novos cursos e abertas cerca de 15 mil vagas anuais adicionais.
Esse aumento foi impulsionado por programas federais como o Mais Médicos e pela abertura de vagas em universidades privadas. O objetivo era ampliar o acesso da população a atendimento de saúde, mas o efeito colateral foi a saturação do mercado em determinadas regiões urbanas.
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Salários em queda para novos médicos
Com mais profissionais disputando oportunidades, clínicas e hospitais das capitais passaram a oferecer valores cada vez menores para plantões e atendimentos básicos.
- Em algumas cidades, plantões de 12 horas em pronto-atendimentos privados pagam menos de R$ 800 a recém-formados, valor considerado baixo diante da carga de responsabilidade.
- Clínicas populares oferecem consultas médicas por preços reduzidos, muitas vezes repassando apenas R$ 30 a R$ 50 por atendimento ao profissional.
- O excesso de oferta em capitais cria um ambiente de precarização, onde jovens médicos aceitam condições inferiores para acumular experiência.
Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), embora a média nacional de remuneração médica ainda seja alta em comparação a outras profissões, os novos entrantes sentem a diferença: quanto maior a concentração de cursos em uma região, menores tendem a ser os salários iniciais.
O interior continua desassistido
Enquanto isso, a situação é completamente diferente fora das capitais. Estudo do próprio CFM revela que apenas 21% dos médicos atuam em municípios com menos de 30 mil habitantes, onde vive quase um terço da população brasileira.
O motivo é claro: falta de infraestrutura hospitalar, condições de trabalho precárias e, muitas vezes, atraso no pagamento de salários.
Mesmo oferecendo remunerações mais atrativas em alguns programas municipais, muitos médicos preferem atuar em regiões metropolitanas, onde têm acesso a especializações, melhores escolas e oportunidades para a família.
O resultado é um desequilíbrio estrutural: excesso de médicos em certas cidades e carência crítica em outras.
O peso das novas gerações
O perfil do médico também mudou. Entre os mais jovens, cresce o interesse por especializações em áreas de maior prestígio ou retorno financeiro, como dermatologia e cirurgia plástica. Já áreas fundamentais como clínica geral, medicina da família e pediatria sofrem escassez relativa, apesar de representarem a porta de entrada do sistema de saúde.
Além disso, os custos para se formar são altíssimos. Cursos privados de Medicina podem ultrapassar R$ 10 mil mensais, o que leva muitos recém-formados a aceitar qualquer trabalho disponível para pagar dívidas estudantis.
Uma bomba-relógio para o sistema de saúde
Especialistas alertam que essa contradição pode gerar consequências graves:
- Saturação em centros urbanos, com queda de remuneração e qualidade do atendimento.
- Vazios assistenciais no interior, onde doenças simples se tornam graves pela falta de acompanhamento médico.
- Desigualdade na saúde, reforçando o contraste entre quem vive em capitais e quem depende de pequenas unidades de saúde em cidades afastadas.
A solução passa por medidas estruturais:
Rever a política de abertura de cursos, priorizando regiões com déficit comprovado.
Incentivar a carreira médica no interior, com bolsas, programas de residência e estrutura hospitalar adequada.
Valorizar a atenção básica, tornando a medicina da família uma carreira atraente e bem remunerada.
Fiscalizar contratos de trabalho, para evitar remunerações abusivamente baixas em clínicas populares e plantões urbanos.
O Brasil vive um paradoxo gritante: forma médicos como nunca, mas não consegue distribuí-los de forma equilibrada.
O resultado é um sistema em que sobram profissionais em algumas regiões, os salários caem, e ao mesmo tempo milhares de brasileiros no interior continuam sem atendimento adequado.
Enquanto não houver políticas que conciliem formação, valorização e fixação regional, a profissão que sempre simbolizou estabilidade e prestígio pode se tornar sinônimo de precarização para os mais jovens — e de abandono para milhões de pacientes que vivem longe das capitais.