Com 933 km e investimento de R$ 20 bilhões, a Ferrogrão quer transformar a logística de minérios e grãos no Brasil. Mas o projeto esbarra em disputas ambientais e decisões do STF que podem mudar tudo.
Um traçado de quase mil quilômetros cortando a Amazônia, bilhões em investimentos privados e uma promessa ambiciosa: redefinir a logística de exportação do Brasil para que ela deixe de ser refém dos portos do Sudeste. A Ferrogrão (EF-170), projeto de corredor ferroviário de 933 km entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), desponta como um dos empreendimentos mais estratégicos do país — e também um dos mais controversos. Orçada em R$ 20 bilhões, a ferrovia visa escoar minérios, grãos, fertilizantes e etanol por uma nova rota chamada Arco Norte, considerada mais curta, econômica e eficiente para atender à crescente demanda internacional por commodities brasileiras — especialmente com a valorização dos minérios estratégicos em tempos de guerra e transição energética.
Mas a ferrovia que interessa à Vale, à VLI, à Amaggi e a gigantes do agro também corta áreas indígenas e zonas ambientais sensíveis, reacendendo o embate entre desenvolvimento e preservação.
O que é a Ferrogrão e por que ela importa tanto
A EF-170, batizada de Ferrogrão, foi idealizada como uma solução logística para o escoamento do agronegócio e da mineração pelo norte do país. Ela conectará Sinop (MT), um dos polos de produção de grãos mais importantes do Brasil, ao porto de Miritituba, em Itaituba (PA).
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A escolha desse traçado não é casual: ele encurta o caminho dos produtos até o mercado externo via rios amazônicos e portos do Arco Norte, em vez de depender do porto de Santos ou Paranaguá, no Sul e Sudeste.
Essa mudança pode reduzir entre 30% e 40% os custos logísticos de produtores de grãos e minérios, segundo dados da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Atualmente, a logística pesada afeta a competitividade do Brasil no cenário global.
A Ferrogrão aparece como resposta a essa limitação — uma ferrovia moderna, com vocação para transporte de alto volume e menor impacto ambiental que o transporte rodoviário tradicional.
E há mais: a participação do Arco Norte nas exportações de grãos do Brasil saltou de 8% para mais de 20% em menos de uma década. A tendência é de crescimento, e a Ferrogrão pode ampliar ainda mais esse protagonismo.
Minérios em alta e o interesse da cadeia extrativa Arco Norte
Embora o foco midiático esteja no escoamento de grãos, a cadeia mineral é um dos grandes interessados na Ferrogrão. O traçado tem ramais planejados para Santarenzinho e Itapacurá — regiões próximas a projetos de exploração de bauxita, cobre e até ouro. Além disso, o eixo Mato Grosso-Pará poderá integrar futuras rotas de escoamento de ferro, manganês, fertilizantes fosfatados e outros minerais essenciais, conectando centros extrativistas ao mercado internacional de forma mais rápida e barata.
O momento geopolítico também contribui. Com a guerra no Leste Europeu, as cadeias globais de suprimento de minerais estratégicos estão sendo reestruturadas. O Brasil é visto como fornecedor confiável e com reservas relevantes, mas precisa de infraestrutura para competir com países que já oferecem acesso ferroviário aos portos.
Não à toa, empresas como VLI (logística da Vale), Amaggi, Cargill, ADM e Bunge participam ativamente dos estudos e das articulações para tirar a Ferrogrão do papel.
Um projeto de bilhões, travado no Supremo
Apesar do apoio de gigantes do agronegócio e da mineração, o projeto enfrenta forte resistência judicial, ambiental e social. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o andamento da Ferrogrão, alegando que a ferrovia atravessa o Parque Nacional do Jamanxim, unidade de conservação protegida por lei, sem as devidas previsões legais e sem consulta prévia às populações tradicionais.
Além disso, o traçado intercepta terras indígenas e áreas de floresta densa da Amazônia Legal, o que gerou reações de povos kayapó, ONGs socioambientais e até mobilizações internacionais. As críticas giram em torno do risco de desmatamento indireto, pressão sobre territórios protegidos e expansão de atividades ilegais como mineração clandestina e grilagem de terras.
O impasse judicial ainda não foi resolvido. Estão sendo conduzidos novos estudos ambientais, com a tentativa de reformular o projeto para mitigar impactos e destravar os licenciamentos. O governo estuda usar o regime de autorização previsto na MP 1065/21, o que facilitaria o início da construção via leilões ou concessões por blocos.
Quem vai bancar os trilhos? O modelo híbrido e o apetite privado
O modelo de financiamento da Ferrogrão é híbrido, com estruturação via PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), suporte técnico da EPL (Empresa de Planejamento e Logística) e aporte majoritariamente privado. A estimativa atual é de investimento entre R$ 20 bilhões e R$ 21,5 bilhões, diluídos ao longo de quase 10 anos de implantação, operação e manutenção.
A expectativa do governo é realizar licitações em blocos, com estímulo à competição e flexibilização regulatória. A VLI, braço logístico da Vale, já manifestou interesse em participar como investidora, operadora ou consorciada — o que reforça a leitura de que a ferrovia pode ser vital não apenas para a soja, mas também para o ferro.
Empresas estrangeiras também estão de olho. Com o cenário geopolítico instável, investidores dos Estados Unidos e da Europa buscam alternativas a cadeias dominadas por rotas chinesas. Nesse contexto, a Ferrogrão se apresenta como parte de uma cadeia atlântica alternativa, ligando o Brasil diretamente aos mercados globais por vias menos congestionadas e com potencial multimodal.
O dilema do progresso: entre o desenvolvimento e a floresta
A Ferrogrão talvez seja o exemplo mais emblemático de um dilema que acompanha o Brasil há décadas: como crescer sem destruir. De um lado, temos uma demanda real por infraestrutura de escoamento. O país perde bilhões por ano com ineficiência logística, e as regiões produtoras carecem de acesso competitivo ao mercado internacional. De outro, a Amazônia é um bioma sensível, fundamental para o equilíbrio climático e a preservação da biodiversidade mundial.
O que está em jogo não é apenas uma ferrovia, mas o modelo de desenvolvimento que o Brasil quer adotar nos próximos 30 anos. A decisão entre manter o projeto parado ou ajustá-lo com responsabilidade ambiental e consulta aos povos afetados definirá o futuro de empreendimentos similares, que hoje estão no papel, mas dependem do desfecho da EF-170.