A Finlândia avança na construção do Onkalo, repositório profundo para combustível nuclear usado, com testes em curso desde 2024 e operação prevista após a licença final do regulador.
A Finlândia está prestes a inaugurar o primeiro repositório geológico profundo do mundo para combustível nuclear usado. O projeto, chamado Onkalo (“pequena caverna”, em finlandês), pretende isolar o material radioativo a mais de 400 metros de profundidade por dezenas de milhares de anos.
Desde agosto de 2024, a operadora Posiva conduz uma fase de “teste de operação” com elementos simulados, um ensaio que valida todo o processo industrial antes de receber resíduos reais. Segundo a própria Posiva e a imprensa especializada, a operação comercial depende da licença de operação que está em avaliação pelo órgão regulador STUK.
Em janeiro de 2025, o STUK informou que estava nos estágios finais da análise técnica da licença, após prorrogações decididas no fim de 2024. A Posiva, por sua vez, concluiu em março de 2025 rodadas de ensaios de encapsulamento e retropreenchimento dos túneis, marcos que aproximam a instalação do início da operação regular, alvo citado como meados desta década.
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A proposta finlandesa ganhou atenção global por oferecer uma resposta definitiva a um impasse de mais de meio século: o que fazer com o lixo nuclear a longo prazo. Segundo reportagens da CNBC e da imprensa internacional, a expectativa é que o Onkalo se torne referência para países que estudam soluções semelhantes.
VÍDEO: Como funciona o Onkalo e por que “100 mil anos”
O Onkalo emprega o conceito KBS-3, desenvolvido na Suécia e adotado pela Finlândia: o combustível usado é selado em cápsulas de cobre (com estrutura interna de ferro), depositado em poços individuais e envolvido por argila bentonítica que incha ao contato com água, criando uma barreira múltipla entre o material radioativo e o ambiente. Tudo isso é instalado em rocha cristalina estável, entre 400 e 500 metros de profundidade.
100 mil anos não é um prazo de garantia comercial, mas uma escala temporal para a qual o sistema de barreiras é projetado, considerando a meia-vida de radionuclídeos presentes no combustível usado. A profundidade ajuda a proteger contra eventos de superfície; já a argila e o cobre limitam corrosão e migração de radionuclídeos.
Em 2024, a Posiva concluiu a fabricação do sistema de instalação de buffer (BIS), que posiciona a bentonita com precisão ao redor das cápsulas, um passo essencial para atingir a estanqueidade do repositório.
O que falta para abrir, licença e ensaios finais
Em dezembro de 2024, o regulador STUK adiou seu parecer sobre a licença de operação para 2025, após solicitar materiais adicionais. Em janeiro de 2025, o órgão afirmou estar na reta final da revisão, requisito obrigatório antes da decisão do governo finlandês. Em paralelo, a Posiva executou em março de 2025 um “trial run” do encapsulamento e um teste de retropreenchimento (backfilling) dos túneis com argila, simulando o procedimento real sem combustível radioativo.
Se o parecer for favorável, a abertura comercial fica próxima, com cronograma frequentemente citado para 2026, sujeito à aprovação final.
A fase de teste de operação começou em 30 de agosto de 2024 e envolve treinar equipes, calibrar equipamentos e demonstrar integridade de todo o fluxo: do recebimento ao encapsulamento, do transporte subterrâneo ao deposto final. É a primeira vez no mundo que uma instalação deste tipo testa todo o ciclo industrial, o que explica a atenção de reguladores e especialistas internacionais.
Segurança e riscos ambientais: onde estão as controvérsias
O desenho do Onkalo aposta em múltiplas barreiras: cápsula metálica, bentonita e rocha. Associações do setor destacam que essa combinação reduz drasticamente a chance de liberação de radionuclídeos ao ambiente. Porém, parte da comunidade científica acompanha com cautela temas como corrosão do cobre por sulfetos na água subterrânea e eventos geológicos de longo prazo, debates que permanecem abertos justamente porque a escala temporal é inusitada.
Reportagens recentes sintetizam esse equilíbrio: alto ganho potencial em segurança com incertezas que exigem monitoramento e transparência contínuos.
Para mitigar riscos, a operação prevê selamento progressivo dos túneis, monitoramento e um plano de fechamento definitivo somente quando todas as galerias forem preenchidas, mantendo o repositório inacessível a humanos por muitos milênios. É essa “proibição” prolongada que cria a imagem de uma “caverna perpétua”.
EUA ainda dependem de “tonéis secos” nas usinas
Enquanto a Finlândia testa a primeira solução permanente para combustível usado, os Estados Unidos seguem com a prática de armazenamento em “dry casks” (tonéis secos) nas próprias usinas, após resfriamento em piscinas.
O regulador americano (NRC) considera seguras as duas rotas de armazenamento temporário, mas reconhece que não há destino final nacional para o combustível usado desde o engavetamento do projeto Yucca Mountain. Em paralelo, o país opera o WIPP, um repositório geológico profundo para rejeitos transurânicos de defesa, que não recebe combustível de usinas.
Esse contraste explica por que o Onkalo é visto como referência global, com projetos semelhantes em desenvolvimento na Suécia, Canadá, França e Suíça, mas em estágios distintos de licenciamento e construção.
Por que isso importa para a transição energética
Com a volta do debate sobre energia nuclear em meio às metas climáticas, a gestão do lixo nuclear é o ponto-chave para aceitação pública e licenciamento de novas usinas. Se a Finlândia comprovar, na prática, que é possível isolar com segurança o combustível usado por escalas geológicas, abre-se um precedente regulatório que pode destravar investimentos em outros países. Por outro lado, falhas ou atrasos podem reforçar ceticismos e encarecer futuros projetos.
No curto prazo, o mundo observará três decisões: o parecer final do STUK, a primeira operação com resíduos reais e os resultados dos primeiros anos de monitoramento do repositório. Cada etapa alimentará a discussão sobre custo, segurança e aceitação social dessa solução de longo prazo.