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O Brasil possui 30 mil quilômetros de ferrovias, mas quase nenhum trem de passageiros. O que deu tão errado ao longo do caminho?

Escrito por Noel Budeguer
Publicado em 04/05/2025 às 10:09
ferrovias - Brasil
O Brasil possui 30 mil quilômetros de ferrovias, mas quase nenhum trem de passageiros. O que deu tão errado ao longo do caminho?
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Conheça os fatores históricos e estruturais que explicam por que o transporte ferroviário no Brasil não acompanha sua extensão territorial.

No dia 30 de abril de 1854, o Brasil dava um passo gigante rumo à modernização. Irineu Evangelista de Souza, o gaúcho que se tornaria o Barão de Mauá, inaugurava a primeira ferrovia do país. Poucos minutos depois da viagem inaugural — a bordo da locomotiva Baroneza, batizada em homenagem à sua esposa —, Mauá recebia do próprio Dom Pedro II o título nobiliárquico que o consagraria como o primeiro grande empresário industrial do Brasil.

A ferrovia ligava o Porto de Mauá até a raiz da Serra da Estrela, percorrendo 14,5 km em cerca de 23 minutos. Era apenas o começo de um projeto que pretendia alcançar a cidade imperial de Petrópolis, e mais tarde avançar até São Paulo e Minas Gerais. Embora esse plano não tenha sido integralmente concretizado, a iniciativa marcou a entrada do Brasil na era da industrialização.

Foi construída em 1852 pela Willian Fair Bairns & Sons, em Manchester, Inglaterra. No ano seguinte, o Barão de Mauá comprou-a, colocando-a em tráfego no dia 30 de abril de 1853, na E.F. Petrópolis.

A glória passageira: como os trilhos perderam espaço no Brasil

Apesar de seu início promissor, as ferrovias brasileiras não acompanharam a evolução tecnológica e o planejamento logístico que marcaram outros países. No início do século XX, os trens eram o principal meio de transporte de cargas e passageiros no país, mas eventos econômicos e políticos mudariam essa realidade.

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A crise de 1929, que afetou as exportações brasileiras de café, abalou a rentabilidade das linhas ferroviárias. Já na década de 1950, o governo Juscelino Kubitschek deu prioridade à indústria automobilística, investindo pesadamente na construção de rodovias e consolidando a cultura do automóvel. As ferrovias, abandonadas, tornaram-se obsoletas.

O paradoxo dos trilhos: muito caminho, pouca conexão

Hoje, o Brasil possui cerca de 30 mil quilômetros de trilhos, segundo dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Porém, mais de 11 mil quilômetros estão desativados, e a maior parte da malha ferroviária restante encontra-se concentrada no Sudeste e Sul. O Centro-Oeste e o Norte do país praticamente não possuem cobertura ferroviária significativa.

Mas o maior obstáculo à eficiência do transporte ferroviário no Brasil é a fragmentação da bitola — a distância entre os trilhos. Ao longo da história, cada empresa construiu suas linhas com medidas diferentes, priorizando interesses locais, principalmente o escoamento de café para os portos. Como resultado, o país chegou ao final do Império com oito tipos diferentes de bitola, o que impede a integração da malha ferroviária nacional até hoje.

Enquanto países como Reino Unido e Estados Unidos padronizaram suas ferrovias no século XIX, o Brasil só começou a discutir a padronização em 1970, já em plena decadência do setor. Hoje, o país opera com três tipos principais de bitola: a estreita (1 metro), a larga (1,60 metros) e a padrão (1,435 metros), sendo esta última usada em apenas 194 km de trilhos no território nacional.

O custo da desconexão: logísticas caras e pouco eficientes

A falta de integração entre os trilhos brasileiros impacta diretamente os custos logísticos. Em percursos entre 400 e 1.500 km — ideais para o transporte ferroviário —, o Brasil é forçado a depender de caminhões, encarecendo o frete e aumentando as emissões de carbono. Segundo especialistas, apenas a unificação da bitola permitiria o aproveitamento pleno da malha existente.

No entanto, esse processo é extremamente caro. Adaptar trilhos de bitola larga para estreita custa cerca de R$ 2 milhões por quilômetro, enquanto o inverso — alargar os trilhos e adaptar a infraestrutura — pode custar até R$ 3,5 milhões por quilômetro. Esse investimento, embora elevado, poderia transformar completamente a logística nacional, como já acontece em países com dimensões continentais, como China, Rússia e até mesmo Austrália.

Um sopro de esperança: o trem-bala entre São Paulo e Rio

Em 2023, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) autorizou o projeto do Trem de Alta Velocidade (TAV) entre São Paulo e Rio de Janeiro. Com previsão de início das obras para 2027 e inauguração em 2032, o projeto terá 417 km de extensão e usará a bitola padrão, conectando também as cidades de Volta Redonda e São José dos Campos.

O trem será movido a energia elétrica e poderá atingir velocidades de até 320 km/h. Além de representar um avanço tecnológico, a iniciativa marca um compromisso com a sustentabilidade: segundo a União Internacional de Ferrovias, a pegada de carbono dos trens-bala é até 15 vezes menor do que a do transporte aéreo.

O futuro sobre trilhos: um caminho que ainda pode ser retomado

A história das ferrovias no Brasil é marcada por grandes feitos, como os de Mauá, mas também por decisões políticas equivocadas e falta de visão de longo prazo. Com o crescimento da agenda ambiental, a busca por soluções de transporte eficientes e sustentáveis reacende o debate sobre a importância das ferrovias.

Unificar bitolas, investir na modernização dos trilhos existentes e expandir a malha ferroviária são passos necessários. O Brasil, país de dimensões continentais e enormes desafios logísticos, não pode mais adiar essa discussão.

A frase atribuída a um antigo provérbio chinês resume bem o momento atual: “O melhor momento para plantar uma árvore foi há 20 anos. O segundo melhor momento é agora.” Que o país, finalmente, não perca o trem da história — outra vez.

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Noel Budeguer

Sou jornalista argentino, baseado no Rio de Janeiro, especializado em temas militares, tecnologia, energia e geopolítica. Busco traduzir assuntos complexos em conteúdos acessíveis, com rigor jornalístico e foco no impacto social e econômico.

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