Conheça o bairro planejado em Palhoça que nasceu para ser um modelo de urbanismo, onde os carros são secundários, mas que enfrenta desafios de exclusão social e mobilidade.
No final da década de 1990, uma fazenda familiar em Palhoça, Santa Catarina, deu lugar a uma visão audaciosa: construir uma cidade do zero. Nascia a Cidade Criativa Pedra Branca, um lugar pensado para que a arquitetura ditasse a convivência e os moradores fossem incentivados a não usar o carro. O projeto se tornou uma referência, mas seu ideal de “cidade perfeita” colide com as complexas realidades da economia, do comportamento humano e do contexto regional.
De fazenda familiar a laboratório urbano
A jornada da Cidade Pedra Branca começou em uma fazenda de 250 hectares pertencente à família Gomes, localizada no município de Palhoça, que faz parte da região da Grande Florianópolis. O terreno, na época uma área completamente virgem, foi considerado o ponto de partida ideal para um projeto diferenciado de uso misto. O nome do empreendimento foi inspirado em um ícone geográfico local: o Morro da Pedra Branca.
A decisão estratégica que garantiu o sucesso inicial foi uma parceria com a Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). A implantação de um campus no coração da propriedade se tornou a “âncora transformadora”, garantindo um fluxo constante de estudantes, professores e funcionários. Este movimento deu ao projeto seu primeiro nome: Cidade Universitária Pedra Branca.
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A visão, no entanto, evoluiu. Em 2005, inspirados pelo livro “Place Making” e pelo Congresso para o Novo Urbanismo, os idealizadores mudaram o foco. O objetivo passou a ser a criação de uma comunidade compacta, de uso misto e centrada no pedestre. Em 2010, o projeto foi relançado como “Cidade Sustentável Pedra Branca”, com forte ênfase em certificações ambientais, o que lhe rendeu prêmios internacionais.
Mais tarde, para garantir a vitalidade econômica e evitar se tornar uma “cidade-dormitório”, o foco mudou para a atração de empresas de tecnologia, e o nome foi alterado para “Cidade Criativa Pedra Branca”. Em 2023, consolidando o aprendizado, o grupo se rebatizou como “Hurbana”, com a ambição de exportar o modelo para outras cidades de Santa Catarina.
Os princípios do novo urbanismo usado em Santa Catarina na prática
A transformação da Pedra Branca foi guiada por filosofias que desafiam o modelo urbano centrado no carro. O Novo Urbanismo, que prega o retorno a uma escala mais humana, e o Placemaking, focado em criar um profundo senso de comunidade, são os pilares do projeto. O objetivo era construir uma “cidade para pessoas”.
Para isso, foi reunido um time de consultores de renome mundial, como o escritório DPZ Latin America, o arquiteto brasileiro Jaime Lerner e a consultoria dinamarquesa Gehl Architects. O masterplan foi cocriado de forma colaborativa através de um workshop intensivo chamado “Charrete”, que uniu escritórios de arquitetura de Santa Catarina e especialistas locais.
Esses princípios se materializaram em elementos concretos. A rua principal, o Passeio Pedra Branca, foi concebida como a primeira “rua compartilhada” do Brasil, onde o design acalma o tráfego com pistas estreitas e nivelamento entre calçada e rua, sinalizando que o pedestre tem a preferência.
O conceito de uso misto foi aplicado na maioria dos edifícios, que combinam residências nos andares superiores com lojas e serviços no térreo, criando “fachadas ativas” que garantem ruas vibrantes e seguras. Além disso, o projeto foi guiado por um “Decálogo” de dez princípios, incluindo diretrizes como “morar, trabalhar, estudar e se divertir no mesmo local” e “prioridade ao pedestre”.
A experiência de morar na cidade criativa em Santa Catarina
A narrativa do bairro descreve uma rotina idílica: levar os filhos à escola a pé, trabalhar nos escritórios locais e aproveitar eventos culturais na praça. O forte senso de comunidade é resultado de um grande investimento em infraestrutura, como parques, quadras esportivas e um lago central, além de uma agenda cultural ativa com mais de 1.000 eventos realizados em uma década no Passeio Pedra Branca.
A concentração de instituições de ensino, desde a Unisul até colégios de alto padrão, cria um ambiente dinâmico. No entanto, essa qualidade de vida tem um custo elevado. Os preços de imóveis são um claro indicador do seu sucesso como produto de luxo e a principal barreira para a diversidade social. O aluguel de um apartamento de 2 quartos, por exemplo, pode custar de R$ 1.990 a mais de R$ 5.000 por mês. Para a compra, um apartamento de 2 quartos custa mais de R$ 700 mil, enquanto uma casa pode superar o valor de R$ 2,8 milhões. Esses valores filtram a população que pode morar no bairro, moldando seu caráter social.
As críticas e desafios do modelo
Apesar do sucesso estético, a Pedra Branca em Santa Catarina, enfrenta críticas que questionam seu modelo. A questão da exclusão social é a mais contundente. Embora o projeto pregue a “diversidade de moradores”, o alto custo da moradia resultou em um perfil socioeconômico homogêneo de classe média-alta e alta. O bairro se tornou, na prática, um enclave que promove a “auto-segregação” em relação ao restante do município de Palhoça.
A promessa de uma vida com menos carros também foi quebrada. Estudos acadêmicos concluíram que o bairro “não contribui para a solução de problemas de mobilidade urbana”. A dependência do automóvel continua alta, causada pela má integração com o transporte público regional e pelo fato de que muitos que trabalham no bairro não podem pagar para morar lá, sendo forçados a longos deslocamentos diários.