Dois novos satélites da NASA — a missão TRACERS — serão lançados no fim de julho para estudar vento solar, reconexão magnética e proteger a Terra de tempestades solares que ameaçam redes, GPS e satélites.
No fim de julho, a NASA colocará em órbita dois satélites idênticos com uma missão ousada: acompanhar, praticamente em “tempo real”, como o vento solar interage com o campo magnético da Terra e desencadeia fenômenos que podem evoluir para tempestades solares capazes de afetar redes elétricas, comunicações, GPS, satélites e até astronautas.
O projeto se chama TRACERS — Tandem Reconnection and Cusp Electrodynamics Reconnaissance Satellites — e abre uma nova fase para o monitoramento do chamado clima espacial. O lançamento está atualmente previsto para 22 de julho de 2025, a bordo de um foguete Falcon 9, saindo da Vandenberg Space Force Base, na Califórnia, em uma missão rideshare que levará também outros pequenos satélites da agência.
Por que precisamos estudar o vento solar agora
Vivemos cercados por tecnologia dependente de satélite, sincronização por tempo preciso e redes de transmissão elétrica interligadas. Tudo isso é vulnerável a surtos de partículas e campos eletromagnéticos que chegam do Sol em períodos de alta atividade — as chamadas tempestades solares.
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Eventos intensos podem induzir correntes em linhas de transmissão, degradar sinais de navegação, forçar satélites a desligamentos preventivos e comprometer comunicações militares e civis.
Melhorar a previsão desses eventos (com mais antecedência e precisão) virou prioridade para a NASA e agências parceiras justamente porque nossa infraestrutura moderna é muito mais sensível do que a de décadas atrás.
O “calcanhar de Aquiles” da magnetosfera: as regiões de cúspide
A Terra é envolvida por uma bolha magnética — a magnetosfera — que desvia grande parte do vento solar. Só que essa bolha tem “funis” próximos aos polos magnéticos, chamados cúspides polares.
Nesses pontos, as linhas do campo magnético se abrem e permitem que partículas solares penetrem mais profundamente na alta atmosfera, tornando a região um laboratório natural para observar como energia do Sol entra no sistema Terra.
Colocar os novos satélites TRACERS em órbita sincronizada que cruze repetidamente a cúspide do hemisfério norte aumenta muito as chances de registrar eventos que antes eram raros flagras.
A física-chave: reconexão magnética (quando linhas se rompem e explodem)
O alvo científico principal do TRACERS é a reconexão magnética, processo em que linhas de campo magnético orientadas em sentidos opostos se aproximam, rompem e se reconectam em novas configurações, liberando enormes quantidades de energia.
Essa energia pode acelerar partículas carregadas, alimentar auroras espetaculares e, em cenários extremos, dirigir fluxos que afetam satélites e sistemas tecnológicos. O problema: reconexão é dinâmica, rápida e localizada; uma única espaçonave capta só um “instantâneo” e perde a evolução temporal.
Por isso o desenho “em tandem” do TRACERS — dois satélites seguindo a mesma trilha com atraso de minutos — é tão estratégico: ele permitirá comparar como a região mudou no curto intervalo entre as passagens.
Dois satélites, dois minutos: como o TRACERS observa a evolução de um evento
Na prática, a configuração “líder-seguidor” do TRACERS funciona assim: a primeira espaçonave atravessa a cúspide e registra campos elétricos, magnéticos e fluxos de partículas. Cerca de dois minutos depois, a segunda passa pelo mesmo volume aproximado de espaço, medindo novamente.
Diferenças entre os dois conjuntos de dados ajudam os cientistas a distinguir se as mudanças vistas são variações temporais (algo evoluiu) ou variações espaciais (as sondas amostraram regiões diferentes). Essa abordagem de “tomografia dinâmica” do clima espacial é uma evolução importante em relação às missões de satélite único do passado.
O que exatamente os instrumentos vão medir
Cada uma das duas espaçonaves carrega sensores de campos elétricos e magnéticos, detectores de partículas energéticas e instrumentos de plasma concebidos para operar em regiões de densidades variáveis e rápidas transições.
A estratégia é registrar desde perturbações sutis no fluxo do vento solar guiado pela magnetosfera até assinaturas claras de reconexão — como jatos de plasma acelerado, mudanças abruptas na orientação do campo e distribuições energéticas específicas de íons e elétrons.
Esses dados serão correlacionados com observações remotas do Sol, medições em solo de correntes ionosféricas e modelos de previsão numérica para criar um quadro integrado do evento.
Do laboratório para a tomada de decisão: previsões melhores para tempestades solares
Por que tudo isso importa fora da academia? Porque prever quando e quanta energia solar consegue atravessar a barreira magnética da Terra é o primeiro passo para avisar operadores de redes elétricas, companhias aéreas, agências espaciais e empresas de satélite.
Dados de alta cadência sobre reconexão e entrada de partículas nas cúspides ajudam a calibrar modelos que convertem condições do vento solar (medidas por sondas mais distantes, como DSCOVR) em impactos regionais na ionosfera e magnetosfera.
Com previsões melhores, é possível reprogramar órbitas, reduzir cargas em transformadores de alta tensão ou colocar satélites em modo seguro antes do pico da tempestade, reduzindo danos.
Proteção da Terra: impacto em redes, satélites, GPS e astronautas
Eventos solares extremos têm histórico de prejuízos: correntes geomagneticamente induzidas podem sobrecarregar transformadores; distúrbios ionosféricos degradam sinais de GPS; partículas energéticas podem danificar componentes eletrônicos em órbita; missões tripuladas fora da proteção atmosférica ficam vulneráveis a doses elevadas de radiação.
A NASA enfatiza que compreender a cadeia “Sol → vento solar → reconexão → magnetosfera → ionosfera” é essencial para proteger tanto infraestruturas no solo quanto ativos espaciais e tripulações. A missão TRACERS foi concebida exatamente para preencher lacunas nessa cadeia.
Trabalhando em formação com a frota heliofísica da NASA
TRACERS não estará sozinho. Ele se junta a uma constelação de missões heliofísicas que olham o clima espacial de ângulos complementares — entre elas a Magnetospheric Multiscale (MMS), que estuda microfísica de reconexão em escalas menores, e a missão PUNCH, focada em como o vento solar emerge e se estrutura ao deixar a coroa solar.
Ao combinar dados dessas plataformas, os cientistas poderão rastrear a jornada da energia solar desde o Sol até a região próxima à Terra, juntando peças que historicamente vinham de experimentos desconectados.
Da TRICE-2 ao TRACERS: evoluindo o método
Parte da motivação para o desenho da missão veio de experimentos anteriores, como o TRICE-2, uma campanha com foguetes de sondagem lançados sobre o Mar da Noruega em 2018 para amostrar reconexão na cúspide polar.
Embora bem-sucedido, TRICE-2 forneceu apenas janelas instantâneas de dados. TRACERS expande essa ideia, oferecendo amostragem repetida e sistemática, orbitando a Terra por um período de missão primária de doze meses (com potencial extensão) e produzindo um conjunto estatístico robusto de eventos, condição essencial para melhorar modelos de previsão.
Onde e como TRACERS vai voar
Os satélites serão colocados em órbita quase polar, do tipo Sol-sincrônica, o que garante que passem regularmente pela cúspide diurna do hemisfério norte — o funil por onde as partículas solares têm caminho mais direto até a atmosfera.
A altitude planejada está na faixa de centenas de quilômetros (classe satélite de baixa órbita), suficiente para medições de alta resolução sem perder cobertura repetitiva. A geometria de órbita foi otimizada para capturar milhares de passagens ao longo da missão, aumentando a probabilidade de cruzar múltiplos regimes de atividade solar — de períodos calmos a eventos de tempestades.
Liderança científica e parceria universitária
A missão TRACERS é liderada pelo pesquisador David Miles, da Universidade de Iowa, instituição com longa tradição em física espacial desde os tempos de James Van Allen.
A gestão de programa fica com o Heliophysics Explorers Program Office do Goddard Space Flight Center, com suporte de parceiros como o Southwest Research Institute.
Esse ecossistema acadêmico-industrial é típico da linha Explorers: missões de custo mais contido, foco científico bem definido e grande potencial de retorno em dados críticos para modelos de clima espacial.
Quanto tempo até vermos resultados?
Após o lançamento e fase inicial de comissionamento orbital, os instrumentos serão calibrados e as primeiras passagens pela cúspide começarão a produzir dados quase de imediato.
Como a missão repetirá amostragens em diferentes condições do vento solar, os primeiros insights estatísticos podem surgir dentro de meses, enquanto análises mais profundas — relacionando padrões de reconexão a impactos detectados em solo ou em outras missões — devem evoluir ao longo dos 12 meses da fase primária e possíveis extensões de missão.
O que está em jogo: proteger a Terra num ciclo solar ativo
Estamos avançando pelo pico do Ciclo Solar 25, período em que explosões, ejeções de massa coronal e fluxos intensificados de vento solar tornam-se mais frequentes.
Lançar o TRACERS exatamente nesse intervalo aumenta as chances de capturar eventos e acelerar o aprendizado científico — aprendizado que, transformado em modelos operacionais, pode se traduzir em alertas mais precisos para concessionárias de energia, provedores de navegação, serviços de comunicações e agências espaciais.
Em resumo: dois pequenos satélites podem ter impacto desproporcional na proteção da Terra contra tempestades solares.