O avanço do projeto de Código Civil proposto pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) acendeu um alerta em todo o país. Juristas e associações afirmam que as mudanças podem implodir a noção de família no Brasil, afetando diretamente pilares como casamento, união estável, adoção, herança e filiação.
Nesta semana, o Senado aprovou a criação de uma comissão temporária para analisar o Projeto de Lei nº 4/2025, de autoria de Pacheco. A proposta mexe profundamente em regras que estruturam a vida civil e familiar dos brasileiros.
Entre os pontos mais polêmicos estão a criação de um novo estado civil chamado “convivente”, a possibilidade de reconhecimento de filhos socioafetivos em cartório sem decisão judicial, a abertura para registro de filhos de trisal (poligamia), o conceito de família parental, o sigilo do pai biológico em casos de reprodução assistida e até a permissão de herança testamentária para amantes.
Segundo levantamento realizado pela Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), presidida pela jurista Regina Beatriz Tavares da Silva, o texto pode gerar insegurança jurídica, aumentar a judicialização de conflitos e fragilizar as bases tradicionais da família no Brasil. Conforme documento divulgado pela entidade, “o Direito de Família não pode se perder em um mar de afetos”.
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“Convivente” pode virar novo estado civil
Uma das mudanças mais radicais do novo Código Civil é a criação do estado civil de “convivente”. Hoje, no Brasil, os estados possíveis são: solteiro, casado, divorciado e viúvo. Quem vive em união estável não possui um estado civil específico, precisando comprovar a relação em juízo ou por escritura pública.
Se o projeto for aprovado, a união estável passaria a constar oficialmente nos documentos como estado civil. Para a ADFAS, trata-se de um erro grave, pois essa alteração poderia abrir espaço para atribuições indevidas de paternidade e pensão alimentícia, mesmo após o término da relação.
Na prática, alguém que tenha vivido em união estável poderia ser responsabilizado pelo filho gerado em outra relação do ex-companheiro, até conseguir provar em juízo que não era o pai biológico.
Casamento pode ser banalizado e união estável formalizada em cartório
Outro ponto de preocupação destacado pela ADFAS é a banalização do casamento. O projeto permite que o ato seja celebrado sem testemunhas, sem proclamas, sem solenidade e até mesmo de forma virtual, sem a presença de um juiz de paz. Para a entidade, isso enfraquece a segurança jurídica e transforma um dos pilares da vida civil em um simples procedimento burocrático.
Além disso, o texto tenta consolidar uma manobra feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Provimento 149 de 2023, que autorizou os cartórios a registrarem uniões estáveis sem a necessidade de decisão judicial. Essa medida, assinada pelo ministro Luis Felipe Salomão — que também colaborou no anteprojeto do Código Civil de Pacheco —, já havia sido criticada por especialistas. Agora, pode ganhar respaldo definitivo.
Segundo Regina Beatriz Tavares, presidente da ADFAS, “essa equiparação entre casamento e união estável gera insegurança jurídica e pode resultar em uma enxurrada de judicializações”.
Filiação socioafetiva e multiparentalidade sem juiz
O projeto também muda radicalmente as regras de filiação socioafetiva. Hoje, para que um filho seja reconhecido como tal, é necessária a análise de um juiz. O novo Código Civil, porém, permitiria que esse reconhecimento fosse feito diretamente em cartório, mediante acordo entre as partes, inclusive para maiores de idade.
Isso abriria espaço para casos de multiparentalidade, em que uma pessoa poderia ter mais de dois pais ou mães registrados na certidão de nascimento, sem decisão judicial. A entidade alerta ainda que o projeto não impede que um trisal registre um filho como sendo de todos os participantes, institucionalizando arranjos poligâmicos.
Da mesma forma, a proposta prevê a possibilidade de adoção de maiores de idade em cartório, sem intervenção judicial. Para a ADFAS, permitir adoções apenas por escritura pública seria “inadmissível”, pois compromete a análise criteriosa necessária em casos tão delicados.
“Família parental” pode gerar confusão e disputas por patrimônio
Outro conceito controverso introduzido pelo projeto é o de “família parental”, que reconhece como família parentes que vivem juntos — sejam ascendentes, descendentes, colaterais ou socioafetivos. Essa categoria permitiria a formalização em cartório e criaria deveres legais de sustento e apoio entre esses parentes.
Na visão da ADFAS, esse dispositivo pode gerar disputas por herança e cobranças de pensão entre parentes que hoje não possuem tais obrigações. Além disso, como o projeto facilita a criação de vínculos de parentesco por caminhos rápidos, como a filiação socioafetiva e a adoção direta em cartório, o risco seria transformar a “família parental” em um guarda-chuva para todo tipo de arranjo social, inclusive poliafetivo.
Por isso, a entidade defende que a lei traga barreiras claras, exigindo escritura pública e decisão judicial para validar essa categoria, evitando que o conceito de família se torne algo instável e subjetivo.
Reprodução assistida: direito de conhecer o pai biológico em risco
O novo Código Civil de Pacheco também altera profundamente o tratamento jurídico da reprodução assistida. O artigo 1.629-K da proposta prevê sigilo para o doador de gametas, permitindo que a identidade do pai biológico permaneça oculta, salvo em raras exceções autorizadas por um juiz.
Para a ADFAS, isso fere o direito fundamental de o filho conhecer sua origem genética. Segundo a entidade, a lei deveria garantir esse acesso de forma plena e incondicional, sem depender de decisões judiciais.
Próximos passos no Senado
A comissão temporária responsável pela análise do novo Código Civil de Rodrigo Pacheco terá prazo de oito meses para examinar o texto. Depois, a proposta ainda precisará passar pelas comissões permanentes do Senado, ser votada em plenário e, posteriormente, seguir para a Câmara dos Deputados.
Se aprovado, o novo Código Civil poderá redesenhar os alicerces jurídicos da família brasileira, provocando uma das maiores mudanças na legislação desde 2002. Contudo, especialistas alertam: se aprovado da forma como está, o texto pode mergulhar o país em um cenário de insegurança jurídica, judicializações em massa e conflitos sociais que abalam a própria definição do que é família.
E você, como enxerga as mudanças propostas no novo Código Civil? Acredita que ampliar o conceito de família para arranjos como multiparentalidade, união estável registrada em cartório e herança para amantes pode trazer mais justiça e inclusão, ou considera que isso abre brechas perigosas que colocam em risco a segurança jurídica e os pilares da vida familiar no Brasil?
Fonte: Gazeta do Povo