Em missão humanitária internacional, embarcação chinesa Ark Silk Road pede autorização para atracar no Rio de Janeiro em 2026, mas o gesto causa desconforto entre autoridades brasileiras e levanta debates sobre presença naval e diplomacia no Atlântico Sul.
A Embaixada da China no Brasil pediu ao Itamaraty autorização para que o navio hospitalar Ark Silk Road, da Marinha do Exército Popular de Libertação, atraque no Porto do Rio de Janeiro entre 6 e 13 de janeiro de 2026.
O pedido foi feito por meio de nota verbal datada de 15 de setembro de 2025 e provocou desconforto interno em setores do Ministério das Relações Exteriores e da Marinha, segundo fontes ouvidas pela reportagem.
O documento diplomático não detalha o motivo da parada e apenas informa que não estão previstas atividades de pesquisa ou uso de equipamentos de radiotransmissão.
- 
                        
                            
Brasil projeta trem de 350 km/h que promete conectar Rio e São Paulo em 1h45 e mudar o transporte na América do Sul
 - 
                        
                            
Mais caro que um carro de luxo: trocar os 12 pneus do NEW HOLLAND T9 pode custar mais de R$ 420 mil em manutenção
 - 
                        
                            
Construída em pleno sertão em 1950, a casa de taipa de dois pavimentos segue desafiando a lógica da engenharia
 - 
                        
                            
Espetáculo de luzes e realeza marca inauguração do Grande Museu Egípcio, com presença de Abdel Al Sisi, reis e o lendário tesouro de Tutancamon
 
Missão humanitária e omissão sobre a parada no Brasil
O Ark Silk Road participa da Harmony Mission 2025, missão humanitária internacional lançada pela China em setembro, com duração estimada de 220 dias e escalas em 12 países.
É a primeira vez que uma operação desse tipo é conduzida por Pequim fora da Ásia-Pacífico.
Apesar de o itinerário ser público, a nota encaminhada ao governo brasileiro não cita o programa humanitário.
Essa ausência, segundo interlocutores do Itamaraty, causou dúvidas sobre o propósito da visita.
Questionados, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Defesa informaram que não comentariam o caso.
A Marinha declarou que sua análise se restringe aos aspectos técnicos e logísticos, como segurança da navegação, profundidade do canal, capacidade do porto e suprimentos necessários.

Rota e países previstos na Harmony Mission 2025
Informações oficiais do governo chinês indicam que o navio já passou por Nauru, Fiji e Tonga, com próximas escalas em México, Jamaica, Barbados, Brasil, Peru, Chile e Papua-Nova Guiné.
O próximo destino confirmado é a Nicarágua, onde a embarcação ficará ancorada no Porto de Corinto durante o mês de novembro de 2025.
Entre os países visitados, Brasil e México são os únicos que não integram formalmente a Iniciativa Cinturão e Rota, principal estratégia internacional de investimento da China.
O governo brasileiro mantém postura de cooperação comercial, mas sem adesão formal ao projeto.
Estrutura hospitalar e equipe médica
O Ark Silk Road possui 14 departamentos clínicos, 7 unidades auxiliares de diagnóstico e capacidade para realizar mais de 60 tipos de cirurgias, abrangendo áreas como ortopedia, ginecologia e oftalmologia.
O navio também conta com helicóptero próprio para transporte de pacientes e evacuação médica.
A tripulação é composta por 389 militares e profissionais de saúde, em sua maioria pertencentes à Marinha do Teatro Sul, com apoio da Força Conjunta de Apoio Logístico, da Marinha do Teatro Norte e da Universidade Médica Naval da China.
Segundo dados oficiais divulgados por Pequim, a missão já realizou milhares de atendimentos e cirurgias no Pacífico Sul, além de promover ações de capacitação em hospitais e escolas locais.
O governo chinês descreve a embarcação como um “navio da esperança e enviado da paz”.
Pedido chinês gera cautela entre militares
Fontes militares relataram que o pedido de ancoragem foi recebido com cautela porque o documento diplomático não menciona explicitamente que a visita faz parte da Harmony Mission.
“Há um certo mal-estar porque o pedido não explicita que se trata da Harmony Mission. Isso gerou dúvidas sobre o objetivo real da visita”, afirmou uma fonte sob anonimato.
A Marinha reforçou que, até o momento, não há impedimentos técnicos identificados e que a decisão final caberá ao Itamaraty, responsável por avaliar aspectos políticos e diplomáticos do pedido.
Especialistas avaliam dilema diplomático
Para o cientista político Maurício Santoro, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil, o caso coloca o país em uma situação diplomática delicada.
Segundo ele, o Brasil possui capacidade própria para operações humanitárias por meio do Navio-Aeródromo Multipropósito Atlântico, e visitas desse tipo são mais comuns em nações com estruturas hospitalares menos desenvolvidas ou atingidas por emergências.
Santoro explica que recusar a visita poderia ser interpretado como um gesto de desconfiança, enquanto aceitá-la exigiria equilíbrio político.
“O Brasil não quer simplesmente dizer não. A China é um parceiro econômico relevante e sensível em termos estratégicos”, afirmou o especialista.
Contexto geopolítico e presença naval da China

Analistas em defesa e relações internacionais avaliam que a Harmony Mission 2025 tem também um componente estratégico.
A presença do Ark Silk Road no Atlântico Sul e no Caribe reforça a ampliação do alcance marítimo chinês em regiões historicamente sob influência norte-americana.
Segundo esses especialistas, o envio de um navio-hospital sinaliza capacidade logística e intenção de projetar poder brando (soft power).
Paralelamente, os Estados Unidos mantêm operações navais no Caribe dentro de programas de combate ao narcotráfico.
As ações incluem exercícios com Trinidad e Tobago e monitoramento de embarcações na área próxima à Venezuela.
Washington também acompanha o avanço chinês na América Latina, especialmente após o início das operações do megaporto de Chancay, no Peru, investimento estimado em US$ 3,4 bilhões, liderado pela estatal Cosco Shipping Company.
Brasil tenta equilibrar relação com potências
A possível escala do Ark Silk Road no Rio deve coincidir com a visita do navio de pesquisa oceanográfica norte-americano NOAA Ronald H. Brown, autorizado a operar no Porto de Suape (PE) entre 14 e 21 de janeiro de 2026, segundo despacho publicado no Diário Oficial da União.
A presença quase simultânea de embarcações da China e dos Estados Unidos em portos brasileiros é interpretada por diplomatas como um teste de equilíbrio nas relações externas do Brasil.
Fontes ligadas ao Itamaraty afirmam que a decisão será conduzida com discrição e avaliação estratégica, levando em conta tanto a cooperação técnica quanto a repercussão política internacional.
Segundo diplomatas ouvidos, o objetivo é manter neutralidade e evitar que o país seja percebido como alinhado a um dos lados em um contexto de disputa por influência no Atlântico Sul.
Aspectos técnicos e próximos passos
Na esfera operacional, cabe à Marinha examinar fatores como profundidade do porto, segurança de manobras, suprimento de energia e abastecimento de água.
Depois dessa etapa, o parecer técnico será encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores, responsável pela decisão política.
De acordo com analistas, o Brasil historicamente recebe navios estrangeiros em missões científicas, humanitárias ou de instrução.
No entanto, o contexto atual, marcado pela competição entre potências, torna o episódio mais sensível.
Com o Ark Silk Road na rota do Atlântico e o Ronald H. Brown previsto para o litoral nordestino, a gestão simultânea dessas visitas será um novo teste da diplomacia brasileira: como manter a neutralidade sem comprometer os laços com seus principais parceiros estratégicos?

                        
                                                    
                        
                        
                        
                        

        
        
        
        
        
        
        
        
        
- 
                        
                     
                                                                - 
                        
                     
                                                                                                                                                    
2 pessoas reagiram a isso.