Estudo publicado na Nature detalha minerais e carbono orgânico em rocha coletada pelo rover Perseverance na região “Bright Angel”, em Jezero. Nasa classifica o achado como potencial bioassinatura e ressalta: confirmação só virá com análises em laboratórios na Terra.
Em uma das descobertas mais fortes já apresentadas sobre vida passada em Marte, a Nasa divulgou que o rover Perseverance encontrou, em julho de 2024, uma rocha apelidada de Cheyava Falls com texturas e composição química difíceis de explicar sem considerar processos biológicos.
A análise, agora publicada na revista Nature, descreve associações entre carbono orgânico e minerais formados por reações de óxido-redução em sedimentos do vale Neretva, nas bordas da cratera Jezero. A agência classifica o material como potencial bioassinatura, um “sinal” compatível com atividade microbiana, mas que exige validação em laboratório na Terra.
O achado reforça a estratégia da missão Mars 2020 de procurar pistas de habitabilidade em regiões onde houve água corrente. A Bright Angel é um antigo leito de rio com cerca de 400 metros de largura, local em que o Perseverance coletou o núcleo “Sapphire Canyon” da Cheyava Falls. Até aqui, o rover já preencheu 27 tubos com amostras que aguardam uma missão de retorno. A confirmação definitiva sobre a origem biológica depende de equipamentos que não estão a bordo do rover.
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O que exatamente foi encontrado na rocha Cheyava Falls
A equipe científica descreve duas feições marcantes na Cheyava Falls: nódulos microscópicos apelidados de “sementes de papoula” e padrões arredondados conhecidos como “manchas de leopardo”. Essas estruturas ocorrem lado a lado com orgânicos detectados pelo instrumento SHERLOC e com minerais de ferro formados por processos redox em ambientes aquosos frios. Em termos simples, é a assinatura de um ambiente que, na Terra, costuma estar ligado à atividade microbiana em sedimentos.
O artigo na Nature descreve nódulos submilimétricos e frentes de reação milimétricas enriquecidas em fosfato ferroso e sulfeto de ferro, interpretados como vivianita e greigita, respectivamente. A combinação entre esses minerais e carbono orgânico sugere que a matéria orgânica participou das reações químicas pós-depositacionais que moldaram a rocha.
Segundo a Nasa, a equipe não considera esse resultado como “prova de vida”, mas o classifica como o indício mais convincente já obtido pela missão de sinais de vida antiga em Marte. Outros veículos e pesquisadores avaliaram o avanço como a pista mais forte até agora, embora ressaltem que hipóteses não biológicas ainda estejam na mesa.
Por que a associação vivianita, greigita e carbono orgânico chama atenção
Na Terra, vivianita costuma se formar em ambientes ricos em água e pobres em oxigênio, como turfeiras e sedimentos onde há matéria orgânica em decomposição. Já a greigita pode resultar de metabolismos microbianos que usam compostos de enxofre como parte de seu “respirar” químico. Ver essas duas assinaturas juntas, compondo manchas de leopardo com bordas e núcleos de composição diferente, ao lado de orgânicos, fortalece o cenário biogênico.
O estudo ressalta que as reações ocorreram em baixas temperaturas, compatíveis com sedimentos de lago. Isso importa porque alternativas puramente abióticas para formar greigita a partir de sulfato costumam exigir temperaturas muito altas ou acidez extrema, condições não observadas nas rochas de Bright Angel. Ainda assim, os autores mantêm a cautela: processos geoquímicos não biológicos também podem gerar combinações parecidas e precisam ser testados.
Outro ponto que surpreendeu os pesquisadores é o tempo geológico. As rochas de Bright Angel estão entre as sedimentares mais jovens examinadas pela missão. Se sinais tão promissores aparecem nelas, isso amplia a janela temporal de habitabilidade marciana e desloca parte da busca para unidades que antes eram consideradas menos prováveis.
É vida? As hipóteses biológica e abiótica em disputa
O cenário biológico propõe que microrganismos tenham consumido matéria orgânica e usado ferro oxidado e sulfato como aceitadores de elétrons, deixando como “resíduo” vivianita e greigita nos sedimentos. Essa cadeia metabólica é conhecida na Terra e explicaria a geometria das manchas e a presença de orgânicos.
O cenário abiótico envolve reações entre orgânicos e minerais sem ação de vida, possivelmente com orgânicos de origem não biológica. O problema é reproduzir, com condições frias e neutras, exatamente o conjunto de minerais observado. Por isso, a comunidade científica insiste em levar o núcleo “Sapphire Canyon” para laboratórios terrestres, onde técnicas de altíssima sensibilidade poderão medir isótopos, organização molecular e texturas com resolução impossível em Marte.
Enquanto isso, a própria Nasa reforça a abordagem de padrões de evidência para vida, como a escala CoLD, para comunicar o grau de confiança em descobertas astrobiológicas. Neste momento, o achado se encaixa como potencial bioassinatura, exigindo testes adicionais antes de qualquer afirmação conclusiva.
E agora? O impasse do retorno das amostras à Terra
A confirmação passa, necessariamente, pelo Mars Sample Return (MSR). Após críticas de custo e cronograma, a Nasa “pausou” a arquitetura original e abriu caminho, em 2024, para estudos industriais em busca de alternativas mais rápidas e baratas. Em 2025, análises independentes e reportagens especializadas apontaram orçamentos bilionários e chegada das amostras por volta de 2040, caso a solução não seja redesenhada. A agência afirma estar avaliando caminhos alternativos para encurtar prazos e reduzir custos.
Esse contexto orçamentário adiciona urgência à discussão: a Cheyava Falls se tornou prioridade entre as amostras porque reúne texturas, minerais e orgânicos que podem responder, com mais força, à pergunta “Marte já abrigou vida?”. O desafio é transportar o núcleo até a Terra mantendo controle de contaminação e segurança biológica.
Por que isso muda a busca por vida em Marte
A descoberta reposiciona a estratégia científica. Em vez de focar apenas nas rochas mais antigas, os resultados abrem a possibilidade de habitabilidade prolongada ou mais tardia no planeta, ampliando alvos na própria Jezero e em futuras missões. Também reforça o valor de ambientes lacustres frios com orgânicos preservados como locais prioritários.
É importante resaltar que não se trata de “prova final”, mas de um avanço histórico que mudou o patamar da evidência. A ciência caminha por etapas, e a próxima depende de apoio institucional e de uma solução viável para o retorno das amostras. Enquanto isso, o Perseverance segue vasculhando Jezero, adicionando contexto geológico e novos candidatos.
No seu ponto de vista, a Cheyava Falls já é a pista mais convincente de vida antiga em Marte ou os riscos de interpretação ainda são altos para cravar esse rótulo? Deixe seu comentário.