Japão negocia carne bovina com apenas 3 estados do Sul em 2025, que somam menos de 4% das exportações do Brasil, e deixa gigantes produtores de fora.
O ano de 2025 trouxe uma reviravolta inesperada no tabuleiro da carne bovina brasileira. Após tarifas pesadas dos Estados Unidos e incertezas comerciais no eixo BRICS, um novo parceiro entrou em cena: o Japão. Mas ao contrário do que se poderia imaginar, o acordo não contemplou todo o território brasileiro. Tóquio decidiu negociar apenas com três estados do Sul — Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina — que juntos respondem por menos de 4% das exportações nacionais de carne bovina. A escolha acendeu um alerta vermelho nos maiores polos produtores, como Mato Grosso, Goiás e Pará, que ficaram de fora do radar japonês.
O Brasil em busca de novos mercados para a carne bovina
A carne bovina é um dos pilares da balança comercial brasileira. Em 2024, o país exportou mais de 2,2 milhões de toneladas de carne, movimentando cifras superiores a US$ 10 bilhões, com destaque para os mercados da China, Hong Kong e Estados Unidos.
Só a China representou mais de 55% das vendas externas. Contudo, a guerra tarifária deflagrada pelos EUA em 2025, com taxas de até 50% sobre o produto brasileiro, forçou Brasília e o setor privado a acelerarem a diversificação de destinos.
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É nesse contexto que o Japão, conhecido por ser um dos mercados mais exigentes do mundo em termos sanitários e de qualidade, passou a ser visto como alternativa estratégica. A entrada no arquipélago asiático representaria não apenas acesso a um consumidor de alto poder aquisitivo, mas também prestígio internacional para a carne brasileira.
Por que apenas três estados foram incluídos?
A decisão japonesa de restringir as negociações a RS, PR e SC não foi aleatória. Esses estados estão oficialmente livres da febre aftosa sem vacinação, um status sanitário de prestígio reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA).
Para Tóquio, que mantém rígidos protocolos de importação, essa condição foi determinante. Já Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e Pará — os gigantes da produção — ainda mantêm programas de vacinação, o que os exclui temporariamente do processo.
Na prática, o Japão sinaliza confiança em abrir gradualmente o mercado, mas de forma controlada, testando primeiro a carne proveniente dos estados com status sanitário superior. O problema é que essa decisão isolou 96% da produção nacional, gerando forte reação política e econômica.
Revolta dos gigantes da pecuária brasileira
Nos bastidores de Brasília, a insatisfação é clara. O Mato Grosso, responsável sozinho por mais de 20% das exportações brasileiras, se vê preterido em uma negociação que pode redefinir o futuro da pecuária. Goiás, Mato Grosso do Sul e Pará, outros grandes produtores, também protestam.
Para eles, o risco é que a imagem internacional da carne brasileira fique fragmentada: de um lado, os estados “premium” para mercados exigentes como o Japão; do outro, os gigantes ainda limitados a destinos considerados menos criteriosos.
Associações como a ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne) já pedem ao governo federal que pressione Tóquio por uma ampliação rápida do acordo, sob pena de comprometer a competitividade do setor. Frigoríficos de grande porte, como JBS e Marfrig, também acompanham com preocupação, pois seus negócios dependem justamente dos rebanhos dos estados excluídos.
O simbolismo estratégico do Japão
Apesar da limitação inicial, a entrada do Japão no radar brasileiro é simbólica. O arquipélago é um dos maiores importadores de carne do mundo, com consumo anual superior a 500 mil toneladas, e paga preços mais altos por cortes premium.
Se o Brasil conseguir ampliar gradualmente o acesso, pode se consolidar como fornecedor-chave em um mercado de alto valor agregado, reduzindo a dependência da China.
Além disso, a aproximação com o Japão é vista como movimento geopolítico relevante. Ao mesmo tempo em que o Brasil se equilibra entre os BRICS e o Ocidente, a parceria com Tóquio sinaliza uma diversificação diplomática que vai além da disputa entre EUA e China. É como se o Brasil dissesse: não somos reféns de apenas dois polos de poder.
Gargalos e riscos para o Brasil
O grande desafio é acelerar a adaptação sanitária dos estados que ficaram de fora. Programas de retirada da vacinação contra a febre aftosa já estão em curso, mas exigem investimentos pesados, fiscalização rígida e tempo para ganhar reconhecimento internacional. Até lá, produtores de Mato Grosso, Goiás e Pará podem perder oportunidades bilionárias.
Outro risco é a fragmentação política. Se o governo não conseguir mediar os interesses, pode haver pressão de parlamentares ligados ao agronegócio para bloquear ou dificultar acordos que beneficiem apenas parte do país. Isso já aconteceu em outras ocasiões, quando a União Europeia também restringiu compras a regiões específicas do Brasil.
O futuro: de restrição a oportunidade bilionária
Especialistas avaliam que a estratégia japonesa pode ser apenas um passo inicial. Caso a carne do Sul brasileiro seja aprovada pelos rígidos consumidores de Tóquio, abre-se a possibilidade de ampliação gradual do mercado para outros estados, desde que alcancem o mesmo status sanitário. Nesse cenário, o Brasil poderia conquistar uma fatia significativa do mercado japonês, estimado em mais de US$ 3 bilhões anuais.
Além disso, a experiência com o Japão pode servir como vitrine para abrir portas em outros países asiáticos de alta exigência, como Coreia do Sul e Singapura. Ou seja, embora limitado no curto prazo, o acordo pode se tornar um trampolim estratégico de longo prazo.
O movimento do Japão é um divisor de águas. Ao escolher apenas três estados do Sul, Tóquio lançou luz sobre o desafio sanitário brasileiro e expôs a fragmentação do setor. Mas também ofereceu uma janela rara: a chance de o Brasil entrar em um dos mercados mais prestigiados do planeta.
Entre a frustração dos gigantes e a esperança dos excluídos, uma coisa é certa: o futuro da carne bovina brasileira não será decidido apenas em Pequim ou Washington. Em 2025, Tóquio mostrou que também pode ditar as regras de um jogo bilionário — e agora cabe ao Brasil decidir se vai jogar dividido ou unido.