Entre 1986 e 1994, o Brasil trocou cinco moedas e enfrentou hiperinflação histórica — período lembrado como a maior instabilidade monetária moderna.
“O Brasil conviveu com a maior inflação inercial do mundo”, afirmou Ibrahim Eris, ex-presidente do Banco Central, que comandava a instituição em 1986 durante o lançamento do Plano Cruzado. Entre 1986 e 1994, o país trocou de moeda cinco vezes, em uma sucessão de tentativas fracassadas de estabilização.
As mudanças — Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro, Cruzeiro Real e Real — se sucederam em meio a taxas anuais que frequentemente ultrapassavam 1.000%, corroendo salários e poupanças. Para os ex-dirigentes da política monetária, o período foi a “maior instabilidade monetária já registrada em uma economia de porte global”.
Cruzado (1986): congelamento e esperança curta
O Plano Cruzado, lançado pelo governo Sarney em 1986, substituiu o Cruzeiro pelo Cruzado (Cz$). O pacote incluiu congelamento de preços e salários, extinção da correção monetária e corte de três zeros da moeda.
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No primeiro momento, houve euforia: a inflação, que passava de 200% ao ano em 1985, despencou. Mas a ausência de ajuste fiscal minou os resultados. Em menos de um ano, os preços voltaram a disparar. Ibrahim Eris, então presidente do BC, diria depois que “a sociedade acreditou que se podia combater a inflação sem disciplina nas contas públicas, mas logo a realidade mostrou o contrário”.
Cruzado Novo (1989): novo corte de zeros
Com a inflação novamente fora de controle, o governo criou em 1989 o Cruzado Novo (NCz$), eliminando mais três zeros da moeda.
Francisco Gros, que assumiu o Banco Central em 1987 e voltou em 1991, reconheceria anos depois que essas trocas “apenas mascaravam o problema sem atacar sua origem”.
Cruzeiro (1990): confisco da poupança
Com a posse de Fernando Collor em 1990, o Brasil retornou ao Cruzeiro (Cr$). Foi também quando entrou em vigor o polêmico Plano Collor I, que confiscou depósitos bancários acima de determinado limite.
Ibrahim Eris, novamente no comando do BC, defendeu a medida como “um choque inevitável diante da hiperinflação”, mas admite que o impacto social foi devastador. O efeito também foi passageiro: após meses de queda, a inflação voltou a disparar em 1991.
Cruzeiro Real (1993): moeda de transição
Em 1993, no governo Itamar Franco, nasceu o Cruzeiro Real (CR$), pensado como etapa intermediária para um plano mais abrangente.
Gustavo Loyola, presidente do BC naquele período, afirmou que “a hiperinflação corroía a moeda a tal ponto que ela havia perdido sua função essencial de reserva de valor”. Em 1993, a inflação superou 2.400%, confirmando o caos.
Real (1994): a virada definitiva
Em julho de 1994, com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, o Brasil lançou o Plano Real. O projeto criou a URV (Unidade Real de Valor) como moeda de transição, alinhou preços e, finalmente, introduziu o Real (R$).
Gustavo Loyola permaneceu no BC até 1995 e foi um dos responsáveis por consolidar o novo regime monetário. Ele lembra que “o Real foi divisor de águas: não apenas uma moeda, mas uma reorganização completa das expectativas e da credibilidade do Estado”.
Pedro Malan, ministro da Fazenda a partir de 1995, reforçaria a dimensão social: “a inflação é o imposto mais perverso, porque atinge com mais força os pobres”.
O drama social da hiperinflação
Durante esse período, os brasileiros viviam sob uma lógica cruel: correr ao supermercado no dia do pagamento para estocar produtos antes que os preços subissem. Aluguéis, contratos e até salários precisavam ser reajustados mensalmente, às vezes semanalmente.
O IBGE calcula que, entre 1980 e 1994, o índice oficial de preços acumulou uma variação de mais de 13 trilhões por cento. Poucos países experimentaram tamanha corrosão monetária em um intervalo tão longo.
Comparações internacionais
O caso brasileiro costuma ser comparado a episódios de hiperinflação como a da Alemanha dos anos 1920 ou a do Zimbábue nos anos 2000. Mas, segundo estudiosos do FMI, o que diferencia o Brasil é a longevidade da crise e a sucessão de moedas em uma economia que já era uma das dez maiores do mundo.
Para os ex-presidentes do Banco Central, o período deixou lições claras:
- Sem equilíbrio fiscal, não há moeda estável.
- Trocas nominais de moeda não resolvem sem credibilidade institucional.
- A inflação destrói mais do que a economia: mina a confiança social.
O Real, que completa três décadas em circulação, é lembrado como símbolo da vitória contra a instabilidade. Mas as falas de Loyola, Eris e Malan reforçam que a conquista da estabilidade exige vigilância constante.
Entre 1986 e 1994, o Brasil trocou de moeda cinco vezes, viveu hiperinflação anual de milhares por cento e testemunhou planos econômicos que fracassavam em sequência.
Foi, como disse Gustavo Loyola, “um laboratório de erros e acertos que custou caro à população, mas deixou como legado a consciência de que estabilidade é um bem público”.
A lembrança desse período, feita por ex-presidentes do Banco Central, serve de alerta: preservar a confiança na moeda é preservar a própria base do desenvolvimento econômico.