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Modelo econômico que prioriza o agronegócio drena recursos públicos, reduz produção de alimentos e contribui para a fome no Brasil, aponta estudo

Escrito por Felipe Alves da Silva
Publicado em 19/08/2025 às 16:31
Lavoura de soja com colheitadeira em ação, destacando a mecanização e a produção em larga escala no agronegócio brasileiro
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Com isenções fiscais, perdão de dívidas e créditos facilitados, setor agropecuário cresce à custa da desigualdade social, devastação ambiental e insegurança alimentar

Um estudo divulgado segunda-feira (18) pela Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) e pela Fundação Friedrich Ebert Brasil (FES) aponta que o modelo econômico brasileiro, ao favorecer o agronegócio com recursos públicos, amplia a fome, agrava as desigualdades e compromete a segurança alimentar da população.

Segundo os autores Yamila Goldfarb e Marco Antonio Mitidiero Junior, o agronegócio é um dos setores mais beneficiados com incentivos fiscais, créditos subsidiados e perdão de dívidas, sem contrapartidas efetivas para o país. O estudo reforça que esses privilégios resultam em poucos empregos, baixa arrecadação e acentuada concentração de renda.

Além disso, os pesquisadores afirmam que o setor representa apenas 7,9% do PIB, emprega 3% da força de trabalho formal e responde por menos de 1,5% da arrecadação tributária, apesar de absorver 13,5% dos benefícios fiscaisconcedidos pelo Estado.

O argumento de que o agronegócio sustenta a economia nacional é, segundo os autores, um discurso enganoso, usado para justificar o repasse de recursos a grandes produtores e empresas exportadoras, em detrimento da agricultura familiar.

Exportação de commodities x fome no país

O estudo aponta que o Brasil tem se especializado na exportação de commodities primárias, como soja e milho, em vez de priorizar a produção de alimentos básicos como arroz e feijão. Com isso, há uma queda na oferta interna de comida e um consequente aumento nos preços, afetando especialmente as camadas mais pobres da população.

Esse processo aprofunda a especialização primário-exportadora, reduz a disponibilidade de alimentos no mercado interno e torna o país dependente de importações para suprir itens básicos. Segundo Mitidiero, “a taxa de lucro da soja é maior que a do feijão, então o produtor migra de uma cultura alimentar para uma cultura exportadora”.

Com menos comida e mais produtos destinados ao exterior, aumenta a insegurança alimentar no país. O resultado, alertam os autores, é um aumento da fome, especialmente entre as populações mais vulneráveis.

Ocupações, violência e conflito no campo

Outro efeito negativo destacado no relatório é o avanço da violência no campo. De acordo com Mitidiero, os grandes produtores, ao expandirem suas áreas para atender à demanda externa, entram em conflito com comunidades indígenas, quilombolas, camponeses e agricultores familiares.

Além disso, o Plano Safra 2023/2024, citado no estudo, destinou R$ 364 bilhões ao agronegócio e apenas R$ 71 bilhões à agricultura familiar, o que, segundo os autores, reforça o desequilíbrio estrutural na distribuição de recursos e acirra disputas por terras produtivas.

Esse fenômeno, conforme o estudo, representa uma inversão dos papéis do Estado, que, ao invés de garantir segurança alimentar e justiça social, age como um “Robin Hood às avessas”, favorecendo os mais ricos em detrimento dos pequenos produtores.

Críticas ao modelo e proposta de reforma agrária

Para Goldfarb, o modelo atual precisa ser urgentemente substituído por uma política que subsidie a produção de alimentos, e não a de commodities. Ela defende que os incentivos do governo sejam destinados à agricultura familiar, com crédito, assistência técnica e seguros adaptados à realidade dos pequenos produtores.

A reforma agrária é apontada como a principal solução estrutural para reverter o atual cenário. Segundo os pesquisadores, garantir direitos territoriais a povos tradicionais e camponeses é fundamental para estabelecer um modelo soberano de desenvolvimento, centrado nas necessidades do país.

Contudo, o estudo destaca que a perspectiva atual é desfavorável. Goldfarb alerta que vivemos um período de “agrofundamentalismo”, no qual críticas ao agronegócio são recebidas com hostilidade, e políticas públicas seguem aprofundando o extrativismo agrícola e minerário.

Crítica simbólica e dados econômicos

Como ilustração final, o relatório usa a fábula do escorpião e da tartaruga para descrever a relação entre o Brasil e o agronegócio: “O escorpião pede que a tartaruga nele confie e o ajude a atravessar o rio, mas é da sua natureza dar a ferroada, inclusive em quem o está ajudando.”

A análise também questiona os dados da balança comercial, apontando que o superávit do agronegócio não compensa o déficit das contas externas, que somaram US$ 56 bilhões negativos em 2024, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).

A publicaçãoa foi divulgada pelo portal O Joio e o Trigo, com base no estudo “O agro não é tech, o agro não é pop e muito menos tudo”, de 2021, expandido pelos mesmos autores neste novo levantamento.

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Felipe Alves da Silva

Profissional com formação militar pelo Exército Brasileiro e experiência em gestão administrativa e logística no setor industrial. Escreve sobre defesa, segurança, geopolítica, indústria automotiva, ciência e tecnologia. Sugestões de pauta: fa06279@gmail.com

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