Inflação recua e confiança do mercado cresce, mas salários caem e desemprego avança, criando um cenário de recuperação econômica desigual e concentrada nas classes mais altas, segundo dados divulgados pelo portal InvestNews.
A Argentina registra desaceleração expressiva da inflação e melhora de confiança entre investidores, mas a recuperação segue desigual.
Enquanto o consumo de luxo e as viagens ao exterior avançam, o salário real encolhe, o desemprego aumenta e a maioria das famílias aperta o orçamento. Os dados e exemplos desta reportagem foram originalmente publicados pelo portal InvestNews.
Inflação em queda e virada de expectativa
O país encerrou 2023 com inflação de 211% no acumulado do ano. Em dezembro de 2023, o pico mensal atingiu 25,5%.
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Com a posse do economista Javier Milei e o lançamento de um pacote de ajustes em 2024, o índice mensal caiu para 2,7% em dezembro de 2024, patamar ainda elevado para padrões internacionais, mas muito abaixo do observado um ano antes.
A leitura predominante no mercado foi de que as medidas reduziram a inércia inflacionária e ajudaram a recompor a previsibilidade de preços, condição necessária para a retomada.
O que mudou na política econômica
O plano anunciou corte de gastos, enxugamento de subsídios, redução de barreiras comerciais e restrição à emissão de moeda pelo Banco Central para financiar o Tesouro.
Na campanha, o presidente popularizou o slogan “No plata”, síntese do compromisso de conter o déficit.
Ao sinalizar disciplina fiscal e monetária, o governo buscou interromper o ciclo em que a criação de dinheiro pressionava preços, corroía renda e exigia novos aumentos de gastos, retroalimentando a inflação.
Dólares de volta e peso mais forte
O arrefecimento inflacionário e a agenda de ajuste reabriram canais de financiamento externo e atraíram fluxo para ativos locais. Com mais dólares no mercado, o peso ganhou força.
Essa valorização reduziu o custo de importados e barateou viagens internacionais, impulsionando segmentos ligados ao consumo no exterior.
Segundo os números citados pelo InvestNews, 11 milhões de argentinos cruzaram a fronteira no primeiro semestre, alta de 55% frente ao mesmo período do ano anterior.
O movimento sugere recomposição de poder de compra para quem tem renda em moeda local suficiente para aproveitar a taxa de câmbio mais favorável.
Consumo de alto padrão acelera
A apreciação do peso e a melhora de confiança refletiram também no mercado automotivo.
As vendas de automóveis cresceram 78%, com a demanda por marcas de luxo como Porsche, Audi e BMW mais que dobrando.
Esses sinais, porém, concentram-se nas faixas de renda mais altas, que têm acesso a crédito, poupança em moeda forte e capacidade de consumo voltado a bens importados.
No curtíssimo prazo, a recuperação aparece primeiro nesses nichos porque dependem menos da massa salarial doméstica e mais da paridade cambial.
Salários pressionados e perda de poder de compra
Para a maioria dos trabalhadores, a desinflação ainda não se traduziu em ganho real. Mesmo com o recuo de preços, o salário real caiu 5,5% desde o início do governo, de acordo com os dados utilizados pelo InvestNews.
O efeito é mais duro entre informais, que representam 42% dos ocupados.
Sem contratos que asseguram reajustes automáticos, esse grupo recebe, em média, 41% menos do que os formais e fica mais exposto a oscilações de renda e emprego.
Mercado de trabalho em desaceleração
A combinação de importados mais baratos e obras públicas congeladas produziu um freio na indústria e no comércio locais.
Empresas reduziram turnos, adiaram investimentos e promoveram demissões, movimento amplificado pela redução de cargos federais.
A taxa de desemprego avançou de 5,7% no fim de 2023 para 7,9% no dado mais recente citado.
Em um cenário de transição, o hiato entre a queda da inflação e a recomposição de salários e vagas tende a aumentar a sensação de incerteza.
Por que a recuperação é desigual
A ancoragem de expectativas costuma ocorrer antes da melhora distributiva. Quando a moeda se fortalece, os primeiros beneficiados são consumidores com renda suficiente para acessar bens importados e serviços de viagem.
Já a recomposição de salários, a reativação de setores domésticos e a queda consistente do desemprego dependem de um ciclo seguinte: confiança empresarial, investimento, aumento de produtividade e expansão do mercado interno.
Até lá, a fotografia mostra ganhos concentrados no topo, com parte da população ainda perdendo poder de compra.
Comportamento das famílias e percepção da economia
A leitura das famílias reforça a assimetria. Segundo os percentuais compilados pelo InvestNews, 84% relatam redução de ida a restaurantes e de compra de roupas, sinais típicos de contenção do consumo discricionário.
Além disso, 67% têm visão negativa da economia e 60% planejam cortar gastos nos próximos meses.
Em consonância com o enfraquecimento do mercado de trabalho e a perda de renda real, o ajuste do orçamento doméstico se torna imediato, mesmo com a melhora dos indicadores de preços.
O papel do câmbio e das importações
O câmbio apreciado barateia insumos e bens finais importados, o que ajuda a domar preços e aliviar gargalos de oferta.
No entanto, esse mesmo mecanismo pode substituir produção local, especialmente quando o custo doméstico segue pressionado por salários defasados, juros elevados e infraestrutura em readequação após o congelamento de obras públicas.
Em fases de ajuste, é comum observar ganhos de curto prazo no balanço anti-inflacionário, enquanto a atividade interna requer mais tempo para voltar a crescer de forma sustentada.
O que observar daqui para frente
A evolução do salário real, a reabertura de vagas formais e o perfil da recuperação setorial serão peças-chave para avaliar a disseminação do crescimento.
Se a inflação permanecer em patamares mais baixos e o investimento privado reagir, a massa de rendimentos tende a se recompor.
Caso contrário, a recuperação pode continuar restrita a segmentos ligados ao câmbio e ao consumo de alta renda.
No momento, a síntese dos dados publicados pelo InvestNews é clara: a hiperinflação arrefeceu, mas a distribuição dos benefícios ainda não alcançou a maioria.
O Brasil deve tirar uma lição da estratégia argentina ou os custos sociais do ajuste, com salários comprimidos e desemprego mais alto, inviabilizam esse caminho por aqui?