STJ decide que pagamento de pensão pode ser mantido por tempo indeterminado após anos de contribuição voluntária, mesmo com exoneração judicial, e reforça princípios de confiança e boa-fé nas relações familiares.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a pensão alimentícia pode ser mantida por prazo indeterminado quando o ex-cônjuge, mesmo após ter sido formalmente exonerado, continua pagando o benefício por longo período de forma voluntária.
O entendimento foi unânime e reformou decisões anteriores que haviam dispensado o devedor da obrigação.
O julgamento ocorreu a partir de um recurso especial apresentado por uma mulher contra o ex-marido.
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O casal havia firmado, em 1993, um acordo homologado judicialmente que previa o pagamento de pensão e plano de saúde por um ano.
Dois anos depois, as partes ajustaram um novo pacto, desta vez por tempo indeterminado e sem homologação judicial.
Apesar da ausência de validação formal, o ex-marido manteve os pagamentos por mais de 20 anos.
Em 2018, ele entrou na Justiça pedindo exoneração, alegando redução de renda e necessidade de custear um tratamento médico.
A ex-esposa afirmou que dependia da pensão devido à idade avançada e às dificuldades para se reinserir no mercado de trabalho.
As instâncias inferiores haviam aceitado o pedido do ex-marido, encerrando o pagamento.
A 3ª Turma do STJ, no entanto, deu provimento ao recurso da mulher e restabeleceu a obrigação, reconhecendo que o comportamento prolongado do devedor criou uma expectativa legítima de continuidade da prestação.
Boa-fé e confiança nas relações familiares
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, afirmou que o princípio da confiança deve ser especialmente protegido nas relações familiares.
Segundo ela, “no âmbito das relações familiares, a noção de confiança deve ser especialmente protegida, de forma que as condutas contrárias à confiança serão, em regra, também contrárias à boa-fé objetiva”.
De acordo com o voto da relatora, o término repentino de um benefício pago de maneira constante pode violar essa confiança, especialmente quando o beneficiário demonstra condições pessoais que indicam dependência financeira.
A ministra também observou que a jurisprudência do tribunal tem admitido a manutenção de pensão por tempo indeterminado em casos de idade avançada, saúde fragilizada ou impossibilidade de retorno ao mercado de trabalho.
Especialistas em Direito de Família consultados por veículos jurídicos afirmam que o julgamento reforça a aplicação da boa-fé objetiva como critério para analisar o comportamento das partes, sem alterar a natureza revisável das pensões alimentícias.
Conceitos de “supressio” e “surrectio” embasam decisão
No voto vencedor, o colegiado utilizou os conceitos jurídicos de supressio e surrectio, do Direito Civil, para fundamentar a decisão.
A supressio ocorre quando o titular de um direito deixa de exercê-lo por tempo prolongado, levando a parte contrária a acreditar que ele não será mais reivindicado.
A surrectio, por outro lado, reconhece o surgimento de um direito novo a partir da conduta continuada de uma das partes.
Com base nesses princípios, os ministros entenderam que a conduta do ex-marido — ao manter o pagamento por mais de duas décadas — criou na ex-esposa uma expectativa legítima de continuidade, tornando-se juridicamente relevante.
O tribunal considerou que, ao deixar de interromper o pagamento por tanto tempo, o alimentante deu causa à consolidação dessa expectativa.
No acórdão, Andrighi afirmou que “a inércia prolongada do credor de alimentos em promover a execução da pensão em débito pode gerar, no devedor, a legítima expectativa de que a prestação não é mais necessária”.
De forma inversa, explicou, o alimentante que continua realizando os pagamentos voluntariamente conduz o alimentado à expectativa de continuidade, o que “pode tornar-se juridicamente relevante, especialmente diante da reiterada e sistemática manifestação de vontade”.
Histórico do processo
O processo corre em sigilo de Justiça, o que impede o acesso ao número do caso e ao inteiro teor do voto.
De acordo com informações do STJ, o acordo original, de 1993, previa o pagamento de pensão e plano de saúde por 12 meses.
Em 1995, houve novo entendimento entre as partes, sem registro judicial, mas que resultou em pagamentos regulares por mais de 20 anos.
Em 2018, o ex-marido ajuizou ação para encerrar a obrigação, alegando que sua renda havia diminuído e que precisava dos valores para tratamento médico.
A ex-mulher argumentou que dependia financeiramente da pensão, que se tornou essencial diante da idade e da ausência de renda própria.
As instâncias inferiores aceitaram o pedido do devedor, mas o STJ reformou a decisão com base no comportamento continuado e na boa-fé objetiva.
Repercussão e limites da decisão
Segundo o STJ, o entendimento não estabelece uma pensão vitalícia automática, mas reconhece que cada caso deve ser analisado conforme o contexto e a conduta das partes.
Juristas ouvidos por publicações especializadas em Direito explicam que a decisão reforça a relevância da boa-fé e da confiança legítima, mas não elimina a possibilidade de revisão ou extinção da pensão quando houver mudanças comprovadas na situação financeira de quem paga ou de quem recebe.
De acordo com advogados da área, a decisão serve como alerta para casos em que o alimentante mantém os pagamentos por longos períodos sem buscar revisão judicial.
Nesses casos, o histórico pode ser interpretado como uma manifestação de vontade continuada, limitando a possibilidade de interrupção futura sem prévia negociação ou decisão judicial.
A ministra Andrighi observou ainda que a continuidade dos pagamentos pode ter permitido à beneficiária manter sua subsistência, o que torna a interrupção súbita incompatível com o princípio da boa-fé.
Para o tribunal, a manutenção da pensão, nessas circunstâncias, não se baseia em caridade, mas em relação jurídica consolidada pelo comportamento das partes.
Julgamento unânime e sigilo do caso
Os cinco ministros da 3ª Turma acompanharam o voto da relatora.
Por tramitar sob sigilo, não há detalhes sobre o valor da pensão nem sobre as condições financeiras do ex-casal.
O STJ informou apenas que o entendimento foi unânime e que a tese firmada deve orientar decisões semelhantes em casos futuros.
A decisão reacende discussões sobre os limites da boa-fé e da autonomia nas relações familiares, especialmente quando o comportamento das partes, mantido por anos, altera na prática os efeitos de decisões judiciais anteriores.
Até que ponto o comportamento voluntário pode transformar uma obrigação temporária em compromisso permanente entre ex-parceiros?



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