Sentença inédita reconhece omissão de órgãos públicos que ignoraram denúncias de maus-tratos contra menina de 2 anos assassinada em Campo Grande
A Justiça de Mato Grosso do Sul proferiu uma das mais severas condenações já registradas no país contra entes públicos em casos de proteção à criança. O Estado e o Município de Campo Grande foram condenados a pagar R$ 430 mil em indenizações e pensão mensal até 2095 ao pai biológico e ao pai afetivo de Sophia Ocampo, menina morta aos dois anos após sucessivas denúncias ignoradas de maus-tratos.
A decisão é do juiz Marcelo Andrade Campos Silva, da 4ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos da Capital, e reconheceu falhas e omissões sucessivas dos agentes públicos. O caso expõe a gravidade da negligência institucional e estabelece um precedente importante para responsabilização do poder público em situações de violência infantil.
A sentença, divulgada no início de outubro de 2025, determina o pagamento de indenização por danos morais e pensão vitalícia aos pais da vítima, que buscaram ajuda em diversas instituições públicas sem obter resposta adequada.
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Estado e Município ignoraram denúncias de maus-tratos contra Sophia
Sophia de Jesus Ocampo morreu em 26 de janeiro de 2023, aos dois anos de idade, vítima de um crime brutal que chocou o país. A criança foi levada já sem vida à UPA Coronel Antonino, em Campo Grande, pela mãe. Laudos médicos revelaram que a menina havia falecido cerca de sete horas antes da chegada ao hospital, apresentando traumatismo na coluna, múltiplas lesões pelo corpo e sinais de abuso sexual.
O Ministério Público de Mato Grosso do Sul obteve a condenação de Stephanie de Jesus da Silva, mãe da criança, e Christian Campoçano Leitheim, padrasto. Christian foi condenado a 32 anos de prisão por homicídio qualificado e estupro de vulnerável, enquanto Stephanie recebeu pena de 20 anos de reclusão por omissão e maus-tratos.
O que tornou o caso ainda mais grave foi a constatação de que denúncias vinham sendo feitas desde 2021, mas nenhuma providência efetiva foi tomada pelos órgãos de proteção. O pai biológico da menina procurou delegacias, conselhos tutelares e unidades de saúde em busca de ajuda, sem sucesso.
Mensagens trocadas entre a mãe e o padrasto revelaram o padrão de violência ao qual Sophia era submetida. Em uma das conversas apresentadas no processo, a mãe afirmou que a filha estava “toda arregaçada”, e o padrasto respondeu que havia “beliscado de leve”.
Indenização e pensão mensal até 2095 para os pais
A Justiça considerou parcialmente procedentes as alegações e condenou o Estado de Mato Grosso do Sul e o Município de Campo Grande ao pagamento de R$ 350.000,00 para Jean Carlos Ocampo da Rosa, pai biológico, e R$ 80.000,00 para Igor de Andrade Silva Trindade, pai afetivo, além de pensão vitalícia por danos materiais.
A sentença estabelece que a pensão mensal será equivalente a dois terços do salário mínimo, sendo 70% destinados a Jean e 30% a Igor. O benefício começará a ser pago em 2 de junho de 2034, data em que Sophia completaria 14 anos, e seguirá até 2 de junho de 2045, quando o valor será reduzido para um terço do salário mínimo.
O pagamento da pensão se estenderá até 2 de junho de 2095, quando a menina completaria 75 anos, conforme a expectativa de vida estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A decisão determina ainda que Estado e Município incluam os dois pais em folha de pagamento a partir de 2034, dividindo o valor igualmente.
O magistrado justificou que o pagamento deve ser mensal, não em parcela única, para manter seu caráter alimentar e compensatório. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça citado na sentença, famílias de baixa renda têm direito à pensão vitalícia mesmo quando a vítima é menor de idade, considerando que o filho, ao se tornar adulto, contribuiria financeiramente com os pais.
Falhas do poder público: “jogo de empurra” custou a vida de Sophia
O processo judicial trouxe à tona um cenário alarmante de negligência institucional. Segundo consta na sentença, o pai biológico da menina foi vítima de um verdadeiro “jogo de empurra” entre órgãos públicos. O Estado imputava responsabilidade ao Município, e o Município ao Estado, enquanto a criança continuava sendo violentada.
A decisão judicial apontou que as provas demonstram “seguidas e sucessivas falhas dos agentes públicos municipais e estaduais, durante e após os atendimentos das ocorrências envolvendo Sophia”. O juiz foi enfático ao afirmar que, se os órgãos competentes tivessem agido de forma adequada, a morte da menina poderia ter sido evitada.
Boletins de ocorrência foram registrados, atendimentos foram realizados em unidades de saúde, e o conselho tutelar foi acionado, mas nenhuma medida protetiva efetiva foi implementada. A omissão dos agentes públicos revelou falhas estruturais no sistema de proteção à criança e ao adolescente no município.
De acordo com nota divulgada pela defesa dos pais, “esta decisão representa uma vitória moral e humana: confirma que a dor da família era legítima, que as omissões foram reais e que a verdade resistiu a todas as tentativas de silenciamento”.
Precedente judicial importante para casos de proteção infantil
A sentença proferida no caso Sophia estabelece um marco importante na jurisprudência brasileira sobre responsabilização do poder público em situações de violência contra crianças e adolescentes. A condenação reforça que o Estado tem o dever constitucional de proteger crianças em situação de risco, e a omissão pode resultar em penalidades severas.
O reconhecimento de dois pais — o biológico e o afetivo — também representa um avanço na interpretação jurídica sobre estruturas familiares e direito à reparação. Ambos foram considerados legítimos para receber indenização e pensão, refletindo a realidade de famílias contemporâneas.
A decisão deve servir de alerta para que órgãos de proteção, como conselhos tutelares, delegacias especializadas e secretarias de assistência social, aprimorem seus protocolos de atendimento e acompanhamento de denúncias de maus-tratos infantis. A tragédia de Sophia expõe a urgência de investimentos em capacitação, estrutura e integração entre os diversos órgãos responsáveis pela proteção de crianças e adolescentes.
Casos como este demonstram que a legislação brasileira, embora avançada na proteção de direitos de crianças e adolescentes, precisa ser acompanhada de ações concretas e efetivas por parte do poder público para evitar que outras vidas sejam perdidas por omissão institucional.
Este caso levanta questões fundamentais sobre a eficiência do sistema de proteção à criança no Brasil. Você acredita que decisões judiciais como essa são suficientes para prevenir novas tragédias, ou é necessário uma reformulação mais profunda nos órgãos de proteção? Deixe sua opinião nos comentários e compartilhe sua visão sobre como o Estado pode melhorar o atendimento a denúncias de violência infantil.