Tribunal Superior do Trabalho condena fundação de Porto Alegre a indenizar técnico científico por erro em declaração fiscal que o levou à malha fina, em caso que reforça a responsabilidade das empresas na comunicação com o Fisco.
A Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS), de Porto Alegre, foi condenada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a indenizar um técnico científico que caiu na malha fina após erro de informações repassadas pela empregadora ao Fisco.
A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) reconheceu o dano moral e fixou a reparação em R$ 5.500, ao entender que a conduta negligente da instituição ao preencher dados na Declaração do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (DIRF) provocou constrangimentos indevidos ao trabalhador.
Como o caso começou
A controvérsia teve origem em uma notificação recebida pelo empregado em dezembro de 2009.
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Ao comparecer à Secretaria da Receita Federal para apresentar defesa, o técnico constatou que a FGTAS havia informado valores salariais muito superiores aos efetivamente pagos.
A divergência levou o contribuinte à malha fina e, segundo seu relato, desencadeou uma série de exigências fiscais e a retenção de valores na fonte.
O relato do trabalhador e as consequências
De acordo com a ação, o empregado buscou a correção dos dados e informou que a fundação demorou a ajustar as informações enviadas ao sistema da Receita.
Ainda conforme a narrativa, os valores retidos a maior não teriam sido restituídos no tempo adequado, o que ampliou o desgaste.
O conjunto dessas circunstâncias foi apresentado à Justiça do Trabalho como prova de abalo moral decorrente de ato do empregador.
Primeira decisão favorável e reviravolta no tribunal regional
O pedido foi inicialmente acolhido pela 19ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, que reconheceu a responsabilidade da FGTAS e deferiu a indenização por dano moral.
Em grau de recurso, contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) reformou a sentença.
Para o colegiado regional, o episódio configuraria apenas um “mero dissabor”, insuficiente para justificar a compensação pretendida.
Passagem pela turma do TST e ida à SDI-1
A discussão seguiu para o TST.
A Sexta Turma manteve o entendimento do tribunal regional ao rejeitar o recurso do trabalhador, preservando o resultado desfavorável naquele momento.
O autor, então, interpôs embargos para a SDI-1, órgão responsável por uniformizar a jurisprudência interna do TST, que passou a reexaminar o caso sob outra perspectiva.
O que decidiu a SDI-1 do TST
Ao apreciar os embargos, a SDI-1 reconheceu a existência de dano moral.
O colegiado destacou que os erros na DIRF comprovaram negligência do empregador no cumprimento de obrigação legal de informar corretamente à Receita os rendimentos do empregado.
A comunicação incorreta ao Fisco, segundo a decisão, ultrapassa o campo de meros aborrecimentos do cotidiano, pois implica exposição do contribuinte a fiscalização, retenções indevidas e exigências formais que não decorriam de sua conduta.
Dever legal de informar e responsabilidade do empregador
A legislação tributária impõe ao empregador o dever de prestar informações fidedignas sobre valores pagos e tributos retidos.
Quando equívocos na prestação de contas produzem efeitos concretos sobre a esfera do empregado, como notificações, glosas ou impedimentos na restituição, instala-se um risco de lesão que não pode ser transferido à vítima.
Nessa linha, o TST assentou que a falha no cumprimento de dever legal, com resultado prático desfavorável ao trabalhador, configura ato ilícito passível de reparação moral.
Por que não se tratou de “mero dissabor”
O entendimento que prevaleceu na SDI-1 diferenciou contratempos passageiros de consequências objetivas.
A malha fina impõe deveres adicionais de comprovação, comparecimentos, apresentação de documentos e, em certos casos, impacto financeiro temporário.
Tais efeitos, quando originados por dado incorreto prestado pelo empregador, extrapolam a tolerância social esperada e maculam a esfera íntima e a tranquilidade do contribuinte.
Por isso, a tese do “mero dissabor” não se sustentou diante do conjunto fático apresentado.
Indenização fixada e parâmetros adotados
A reparação por dano moral foi fixada em R$ 5.500.
O valor, definido em instância superior, observou os critérios usualmente considerados pela Justiça do Trabalho: gravidade do fato, capacidade econômica do responsável e caráter pedagógico da medida, sem propiciar enriquecimento indevido.
O montante busca compensar o abalo e, simultaneamente, desestimular novas falhas na transmissão de informações fiscais.
Linha do tempo do processo
O processo percorreu quatro etapas essenciais.
A 19ª Vara do Trabalho reconheceu o pleito.
O TRT-4 reverteu sob o argumento do “mero dissabor”.
A Sexta Turma do TST manteve a decisão regional.
Por fim, a SDI-1 deu provimento aos embargos do trabalhador, restabelecendo a condenação da FGTAS e determinando o pagamento da indenização.
Assim, o resultado final consagrou a responsabilidade da empregadora pelos reflexos causados ao empregado perante a Receita.
Efeitos práticos da decisão
A decisão reafirma que erros na DIRF e em outras obrigações acessórias não são neutros quando atingem diretamente o contribuinte.
O caso evidencia que atrasos na correção e inconsistências persistentes podem gerar responsabilidade civil na esfera trabalhista, especialmente quando repercutem em fiscalizações, retenções e exigências indevidas ao empregado.
Também sinaliza que a via judicial permanece como mecanismo de tutela em eventos de malha fina provocada por informações patronais equivocadas.
O que observar em situações semelhantes
Quando há divergência entre os rendimentos declarados pelo empregador e os valores efetivamente recebidos, o trabalhador costuma ser o primeiro a lidar com a consequência perante a Receita.
Nessas hipóteses, registros de comunicações formais, comprovantes de solicitações de correção e documentos de rendimentos ganham importância probatória.
Embora cada caso dependa das provas produzidas, o precedente reforça que a origem do erro e seus efeitos concretos sobre o empregado são analisados com peso pela Justiça do Trabalho.
Contexto institucional
A FGTAS é uma fundação vinculada ao governo estadual, com atuação em políticas públicas de trabalho e assistência social no Rio Grande do Sul.
No processo, figurou como empregadora e responsável pelas informações enviadas ao Fisco sobre seu quadro de pessoal.
A condenação não se baseou em juízo de valor sobre a instituição, mas na verificação objetiva de que dados incorretos imputaram ao trabalhador ônus indevido em sua relação tributária.
O desfecho e as lições do caso
Com o reconhecimento do dano moral pela SDI-1 e o arbitramento de R$ 5.500, o TST consolidou que a prestação fiel e tempestiva de informações fiscais é parte do dever jurídico do empregador.
O caso demonstra que a inobservância desse dever, quando comprovada e acompanhada de consequências reais para o empregado, autoriza a reparação no âmbito trabalhista.
A partir dessa experiência, surge uma questão natural para leitores e organizações: como fortalecer rotinas de conferência e correção de dados para evitar que erros burocráticos alcancem a esfera pessoal de quem trabalha?