O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que um juiz pode nomear um inventariante digital para acessar computadores, tablets ou outros aparelhos eletrônicos de pessoas falecidas. A medida inédita foi tomada pela 3ª Turma, em recurso especial ligado ao inventário de vítimas de um acidente de helicóptero em São Paulo, ocorrido em 2016.
A decisão foi motivada pelo pedido das inventariantes que buscavam acessar informações armazenadas em três tablets dos falecidos, a fim de identificar bens com valor econômico ou afetivo. A fabricante Apple recusou-se a fornecer as senhas de desbloqueio, o que levou o caso ao Judiciário.
Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, permitir que os herdeiros ou a própria empresa tivessem acesso direto poderia expor informações personalíssimas protegidas por sigilo. Por isso, defendeu a criação de um perito intermediário, que seria chamado de inventariante digital.
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Função inédita no processo de inventário
O inventariante digital não tem relação com a figura prevista no Código Civil. Ele não representa o espólio, mas atua como perito para acessar os aparelhos, extrair dados e filtrar apenas o que for relevante ao processo de inventário.
A ministra destacou que o perito deve “arrolar minuciosamente tudo o que existe no dispositivo”, separando bens digitais que possam integrar a herança sem violar o direito à intimidade dos falecidos.
Essa atuação busca garantir que informações sigilosas, como comunicações privadas ou dados médicos, não sejam transmitidas indevidamente. O juiz terá o poder de decidir o que pode ou não ser incorporado ao inventário com base no relatório apresentado pelo inventariante digital.
Divergência no julgamento
Apesar da maioria favorável, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva apresentou voto divergente. Para ele, não há necessidade de criar um intermediário, já que os herdeiros têm o dever de proteger os direitos de personalidade dos falecidos.
Cueva defendeu que o juiz poderia impor segredo de Justiça para proteger os dados, ou ainda aplicar mecanismos como responsabilidade civil em caso de mau uso das informações.
Ele alertou que a decisão pode criar uma “diferenciação injustificável” entre bens digitais e analógicos, citando que uma carta privada pode ser aberta pelos herdeiros, mas uma mensagem eletrônica estaria sujeita a regras distintas.
Impacto para a herança digital
A decisão da 3ª Turma marca um precedente inédito na jurisprudência brasileira sobre a chamada herança digital, tema cada vez mais presente na era tecnológica. O caso ficou registrado sob o número REsp 2.124.424.
O voto vencedor, de Nancy Andrighi, foi acompanhado pelos ministros Humberto Martins, Moura Ribeiro e Daniela Teixeira. A divergência de Villas Bôas Cueva ficou isolada.
O tribunal considerou que a solução atende ao equilíbrio entre o direito dos herdeiros em acessar bens do espólio e a proteção à privacidade dos falecidos.
Origem do caso
O processo teve início após a morte de uma família em um acidente de helicóptero em São Paulo, em 2016. Durante o inventário, os herdeiros solicitaram acesso aos tablets para identificar bens financeiros e objetos de valor afetivo.
A Apple negou o pedido, alegando impossibilidade técnica e legal de liberar senhas. As instâncias ordinárias também rejeitaram a solicitação, argumentando que a demanda representava questão de alta indagação, que deveria ser resolvida em ação própria, e não dentro do inventário.
Com o recurso ao STJ, a 3ª Turma reformou a decisão anterior e determinou que o procedimento pode sim ser tratado no âmbito do inventário, desde que com a intermediação do inventariante digital.
Repercussão
A decisão foi divulgada pelo portal jurídico Conjur, que destacou o caráter inédito da medida e a possibilidade de abrir caminho para regulamentações futuras sobre a sucessão de bens digitais no Brasil.
Especialistas avaliam que o precedente pode orientar casos semelhantes envolvendo redes sociais, e-mails, arquivos em nuvem e outros ativos digitais de pessoas falecidas.
O debate reforça a necessidade de atualização legislativa, já que o Código Civil de 2002 não contempla regras específicas para a transmissão de bens digitais em heranças.
Você concorda que o juiz nomeie um inventariante digital para proteger a privacidade dos falecidos ou os herdeiros deveriam ter acesso direto aos bens digitais?