Estudo internacional revela como palavras brasileiras consideradas intraduzíveis intrigam linguistas e evidenciam nuances únicas da cultura nacional, desafiando limites da tradução e ampliando o debate sobre diversidade linguística.
O universo das palavras intraduzíveis tem despertado crescente interesse entre pesquisadores de linguística e psicologia ao redor do mundo.
Um estudo realizado por Tim Lomas, da Universidade de Harvard, apresentado em 2016 no Journal of Positive Psychology, trouxe à tona diversas expressões singulares que desafiam a tradução direta e ajudam a revelar aspectos fundamentais das culturas em que surgiram.
Entre as línguas analisadas, o português brasileiro se destacou com exemplos notáveis, contribuindo para a discussão global sobre a riqueza e os limites da linguagem.
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No centro do levantamento conduzido por Lomas está o conceito de “palavras intraduzíveis”, termos que, mesmo com explicações detalhadas, não encontram equivalentes exatos em outros idiomas.
Entre eles, destaca-se “saudade”, considerada por muitos estudiosos como uma das palavras mais emblemáticas da língua portuguesa.
O termo, frequentemente definido como a presença simultânea de nostalgia, desejo e melancolia diante da ausência de alguém ou de algo, vai além de uma simples tradução.
“Saudade” ganhou visibilidade internacional como exemplo de como certos sentimentos são vivenciados e compreendidos de maneiras distintas de acordo com cada cultura.
O estudo também destacou outras expressões brasileiras que intrigam linguistas, como “desbundar”.
Esta palavra, pouco familiar fora do Brasil, refere-se ao ato de se libertar de inibições para desfrutar intensamente de uma situação, seja uma festa, uma experiência nova ou um momento de descontração.
Outra expressão que chama atenção é “desenrascanço”, usada em Portugal e compreendida por brasileiros, que designa a capacidade de resolver problemas de forma criativa e improvisada diante de obstáculos inesperados.
Essas expressões, ao lado de tantas outras catalogadas, revelam traços singulares da identidade nacional.
Palavras intraduzíveis ampliam a compreensão cultural
Mas por que determinadas palavras, como “saudade”, intrigam estudiosos do mundo inteiro?
Segundo a pesquisa de Harvard, a existência desses termos intraduzíveis amplia a compreensão sobre as particularidades culturais e emocionais de um povo.
Elas forçam quem aprende outra língua a mergulhar em camadas de significado que não seriam percebidas apenas por traduções literais.
Para Tim Lomas, “essas palavras são pequenas janelas para o funcionamento interno das culturas”.
Assim, o estudo sobre palavras intraduzíveis se mostra fundamental para aproximar pessoas e sociedades, além de promover respeito às diferentes formas de sentir e se expressar.
O português, no entanto, não é o único idioma que oferece esse desafio aos tradutores e pesquisadores.
O estudo de Lomas reuniu termos de dezenas de línguas.
Do finlandês, por exemplo, vem “sisu”, palavra que define uma força interna e resiliência frente às adversidades, característica cultural valorizada naquele país.
No árabe, “tarab” refere-se ao êxtase ou arrebatamento emocional proporcionado por experiências musicais, enquanto no tagalog, das Filipinas, “gigil” descreve a vontade irresistível de apertar algo ou alguém por excesso de carinho.
Todos esses termos, como as expressões brasileiras, revelam como cada sociedade cria suas próprias formas de lidar com emoções e situações cotidianas.
Expressões que refletem identidade e diversidade linguística
As palavras intraduzíveis desempenham papel central na preservação e diversificação linguística.
No contexto do português, “desbundar” pode ser entendida como reflexo de um espírito festivo e irreverente presente no cotidiano brasileiro, enquanto “desenrascanço” revela a criatividade como estratégia diante das dificuldades.
O termo “saudade”, por sua vez, carrega um aspecto melancólico típico da herança cultural lusófona.
Em Mirandês, idioma minoritário reconhecido oficialmente em Portugal, existem equivalentes como “suidade”, “zbundar” e “zamrascanço”, indicando que essas nuances também são preservadas em comunidades linguísticas menores.
A Associação de Língua e Cultura Mirandesa tem ressaltado a importância de se valorizar e proteger expressões e línguas minoritárias.
Para a entidade, registrar e manter palavras que não têm tradução literal contribui para o fortalecimento da diversidade cultural mundial.
Segundo especialistas, “quando se perde uma palavra, perde-se também uma maneira de ver o mundo”.
A discussão sobre palavras intraduzíveis, assim, ultrapassa a mera curiosidade e ganha relevância na luta por preservação do patrimônio imaterial da humanidade.
Função social e relevância das palavras intraduzíveis
Além de enriquecer vocabulários, palavras que desafiam tradução direta podem atuar como instrumentos de conexão emocional e social entre povos diferentes.
Elas estimulam a empatia e a compreensão de experiências diversas, aproximando culturas mesmo diante das diferenças.
O reconhecimento acadêmico desses termos, como aponta o estudo de Harvard, reforça o valor de línguas consideradas periféricas e incentiva a manutenção de saberes tradicionais transmitidos oralmente ao longo das gerações.
Pesquisadores ressaltam que o debate em torno de expressões como “saudade”, “desbundar” e “desenrascanço” também tem aplicação prática em áreas como educação, psicologia e tradução, ao incentivar a reflexão sobre limites e possibilidades de comunicação intercultural.
O registro desses termos em estudos e dicionários especializados contribui para um intercâmbio mais rico entre diferentes sociedades.