A convergência entre a necessidade brasileira por gás para estabilizar sua matriz renovável e a urgência argentina em exportar as reservas de Vaca Muerta está redefinindo o mapa energético regional, com o Gás Natural Liquefeito (GNL) desempenhando um papel central.
Uma nova dinâmica reconfigura o mapa energético da América do Sul. De um lado, o Brasil busca uma fonte de energia flexível para garantir a estabilidade de sua matriz elétrica renovável, visando reduzir a dependência do GNL importado. Do outro, a Argentina precisa monetizar as vastas reservas de gás de Vaca Muerta. Essa convergência forja um novo eixo energético que promete fortalecer a segurança regional, mas enfrenta monumentais desafios de infraestrutura, financeiros e políticos.
O paradoxo renovável do Brasil e a oportunidade econômica da Argentina
O Brasil se destaca por uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, com 88,2% vindo de fontes renováveis. No entanto, esse sucesso cria uma vulnerabilidade: a intermitência da energia eólica e solar. Para garantir a estabilidade do sistema, o gás natural tornou-se um pilar. As usinas termelétricas a gás funcionam como uma apólice de seguro, acionadas para compensar as flutuações das renováveis. Isso cria um paradoxo: quanto mais o Brasil avança na transição verde, mais estratégica se torna sua necessidade de gás, muitas vezes importado como GNL a preços voláteis.
Em contraste, a matriz energética da Argentina é 87% fóssil. O país possui a segunda maior reserva de gás de xisto do mundo em Vaca Muerta. Com a produção em crescimento exponencial, a exportação de gás é vista como uma tábua de salvação econômica para uma nação em crise fiscal crônica. A complementaridade é clara: a Argentina tem o recurso, e o Brasil tem o mercado e a necessidade.
-
Energisa aponta gás natural como solução energética para data centers no Brasil
-
IBP celebra isenção dos EUA para petróleo e gás brasileiro e destaca importância no comércio bilateral
-
Mega gasoduto de Uberaba de 300 KM impulsionará industrialização no Triângulo Mineiro até 2030
-
Setor energético comemora: Brasil fura bloqueio tarifário e garante acesso total ao mercado americano
O Brasil como hub de GNL
Para mitigar os riscos da dependência do GNL importado e capitalizar sua posição, o Brasil está expandindo sua infraestrutura. A capacidade de regaseificação do país deve saltar mais de 50%, impulsionada por investimentos privados. Novos terminais, como os da New Fortress Energy e da Compass, somam-se a uma rede já robusta.
Essa expansão transforma o Brasil em um potencial hub regional de GNL. A infraestrutura confere flexibilidade para importar de diversos fornecedores globais, como Estados Unidos e Catar, aproveitando preços baixos. Mais importante, ela dá ao Brasil um imenso poder de barganha. Enquanto negocia um gasoduto com a Argentina, o país constrói uma alternativa baseada no mar, garantindo que não se torne dependente de uma única fonte.
Os detalhes do acordo bilateral e a vantagem competitiva nos preços
Em novembro de 2024, um Memorando de Entendimento foi firmado entre Brasil e Argentina. O acordo estabelece um caminho para o Brasil importar até 30 milhões de metros cúbicos diários de gás argentino até 2030, um volume comparável ao pico do fornecimento boliviano no passado.
O principal atrativo é o preço. Estima-se que o gás de Vaca Muerta chegue à fronteira brasileira custando entre US$ 7 e US$ 9,2 por MMBtu. Esse valor é significativamente inferior ao do GNL internacional em períodos de alta e ao do gás doméstico vendido pela Petrobras, que já atingiu patamares de US$ 14 a US$ 17 por MMBtu. A disponibilidade de um gás mais barato pressiona pela redução de custos de transporte dentro do Brasil, acelerando a reforma do setor.
Infraestrutura, financiamento e a controvérsia ambiental
A concretização do acordo depende da superação de enormes barreiras. A rota mais rápida para o gás chegar ao Brasil envolve a reversão de gasodutos na Argentina e o uso da capacidade ociosa do Gasbol, passando pela Bolívia. Embora viável, essa opção cria dependência de um terceiro país e tem capacidade limitada. Uma alternativa de longo prazo é um gasoduto direto ligando Uruguaiana a Porto Alegre, um projeto que exige investimentos bilionários.
O financiamento é outro obstáculo. A Argentina busca apoio do BNDES, mas a proposta é politicamente controversa no Brasil devido ao risco econômico argentino. Além disso, o projeto enfrenta forte oposição ambiental. O gás de Vaca Muerta é extraído por fraturamento hidráulico (fracking), um método proibido em alguns estados brasileiros por seus impactos, como o alto consumo de água e o risco de contaminação. Isso cria uma contradição para o Brasil, que se posiciona como líder da agenda climática.
Cenários de GNL e o teste para a Integração Sul-Americana
O futuro desta integração energética pode seguir três caminhos. Um cenário de “Integração Plena” veria a superação dos desafios, resultando em um mercado de gás sul-americano líquido e competitivo. Um cenário mais provável de “Avanço Parcial” teria a rota via Bolívia como principal elo, mas com um fornecimento menos confiável. Por fim, um “Colapso da Integração” forçaria o Brasil a depender exclusivamente do mercado global de GNL.
O eixo Brasil-Vaca Muerta é um teste decisivo. Ele representa uma mudança para uma integração regional baseada na lógica de mercado e na complementaridade econômica. O sucesso ou o fracasso do projeto não apenas definirá o futuro energético de Brasil e Argentina, mas também o potencial para uma cooperação pragmática em todo o continente.