Com vazões em queda recorde e geleiras desaparecendo, o Ganges enfrenta uma crise hídrica sem precedentes que ameaça agricultura, cidades e ecossistemas.
O Rio Ganges, considerado uma das maiores fontes de vida do planeta, enfrenta um processo de esgotamento alarmante. Nascido nas geleiras do Himalaia e desaguando na Baía de Bengala, o curso d’água que por séculos alimentou civilizações e impulsionou economias está sofrendo com o declínio de suas vazões a níveis sem precedentes.
A mudança ameaça diretamente a segurança alimentar, o abastecimento urbano e a sobrevivência de ecossistemas em todo o Sul da Ásia.
Segundo análise publicada no The Conversation, o Ganges sustenta mais de 650 milhões de pessoas em uma região densamente povoada e com forte dependência agrícola.
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O rio garante a irrigação de campos, o fornecimento de água para indústrias e o consumo das cidades. No entanto, cientistas alertam que o fluxo está diminuindo de forma acelerada, impulsionado por fatores climáticos e humanos.
Geleiras do Himalaia e o derretimento acelerado
Os especialistas destacam que o recuo das geleiras do Himalaia, em especial a Gangotri — principal fonte do Ganges —, é um dos principais motores da crise.
Essa geleira perdeu quase um quilômetro de comprimento nas últimas duas décadas, reduzindo drasticamente o volume de água liberado de forma constante. O resultado é paradoxal: durante o degelo, há inundações repentinas; fora desse período, o rio enfrenta secas prolongadas.
Com isso, vários trechos do Ganges já não permitem mais a navegação regular, e a irrigação de plantações se torna irregular.
As comunidades agrícolas que dependem do rio veem seus ciclos de produção comprometidos, com impactos diretos na renda e na segurança alimentar da região.
Monções imprevisíveis e períodos de seca severa
O estudo aponta que as monções — antes previsíveis e regulares — tornaram-se altamente variáveis. Essa instabilidade traz períodos de seca fora do padrão histórico.
Cidades e vilas situadas nas margens do rio enfrentam longos intervalos sem chuva e uma oferta de água cada vez mais limitada.
A mudança do regime de chuvas reforça o estresse hídrico e agrava a desigualdade entre as regiões que ainda recebem precipitações abundantes e aquelas que secam por completo.
Intervenções humanas e o peso das barragens
Outro ponto crítico destacado no relatório é o papel da intervenção humana. A expansão agrícola, a intensificação industrial e a construção de mais de mil barragens e reservatórios alteraram profundamente o fluxo natural do Ganges.
Essas estruturas reduzem a quantidade de água que chega às áreas mais baixas, impedindo a recuperação do rio durante as estações de recarga.
De acordo com o artigo, essas obras, somadas à retirada maciça de água para irrigação e abastecimento urbano, provocam desequilíbrios ecológicos e reduzem a capacidade do sistema fluvial de se autorregular.
Esgotamento das águas subterrâneas
O uso excessivo das águas subterrâneas agrava ainda mais o quadro. A Bacia do Ganges-Brahmaputra tem uma das maiores taxas de esgotamento de aquíferos do planeta, com quedas anuais entre 15 e 20 milímetros. A perfuração profunda e o bombeamento intenso, motivados pela necessidade agrícola e urbana, comprometem a recarga natural dos lençóis freáticos.
O estudo também alerta para a contaminação dos aquíferos por metais pesados como arsênio e flúor. Essa poluição traz riscos à saúde humana e reduz a qualidade da água utilizada nas plantações, com prejuízos à produtividade agrícola e à segurança alimentar.
Impactos além das fronteiras
A crise do Ganges não se limita à Índia. Segundo o The Conversation, a falta de acordos internacionais eficazes agrava a situação em países vizinhos como Bangladesh e Nepal. A Barragem de Farakka, localizada na Índia, reduz drasticamente o volume de água que chega a Bangladesh durante a estação seca, provocando aumento da salinização do solo no delta e afetando ecossistemas como os Sundarbans — a maior floresta de manguezais do mundo.
Pequenas comunidades rurais nas zonas fronteiriças sofrem com a escassez. Muitos afluentes menores já secaram completamente durante parte do ano, e poços tradicionais passaram a fornecer volumes mínimos de água. Para os pesquisadores, esses sinais indicam o colapso progressivo de todo o sistema fluvial caso medidas urgentes não sejam implementadas.
Necessidade de ação coordenada e imediata
Os especialistas afirmam que a magnitude da crise exige uma resposta coordenada em múltiplos níveis.
Entre as medidas recomendadas estão a redução da extração de águas subterrâneas, a definição de vazões ecológicas mínimas para garantir a sobrevivência da fauna aquática e a melhoria dos modelos climáticos, de modo que possam integrar variáveis humanas e meteorológicas.
Além disso, o estudo destaca que somente uma cooperação transfronteiriça efetiva entre Índia, Bangladesh e Nepal poderá enfrentar o desafio de forma duradoura.
Isso envolve o compartilhamento de dados, a gestão integrada de barragens e o planejamento climático conjunto, com participação de governos, comunidades locais, cientistas e organismos internacionais.
Um símbolo espiritual em risco
Mais do que uma fonte de água, o Ganges tem valor espiritual e cultural profundo para milhões de pessoas. Suas margens abrigam rituais, tradições e formas de vida milenares.
Entretanto, as mudanças em seu regime hídrico colocam em risco não apenas a biodiversidade e a sustentabilidade regional, mas também o patrimônio simbólico que o rio representa.
A análise conclui que o esgotamento do Ganges é uma emergência global. A continuidade dessa tendência ameaça a estabilidade social e econômica do Sul da Ásia e pode tornar irreversíveis os danos ambientais.
Segundo o relatório, apenas uma ação conjunta, estratégica e sustentada — com vontade política e cooperação internacional — poderá evitar o colapso de um dos sistemas fluviais mais emblemáticos e essenciais do planeta.