Justiça do Trabalho condena joalheria por submeter vendedora a restrições degradantes, com metas abusivas e proibição de se sentar ou beber água durante o expediente. Decisão reforça normas de ergonomia e dignidade no ambiente laboral.
Uma joalheria de São Paulo foi condenada a pagar R$ 17 mil por danos morais a uma vendedora submetida a metas consideradas abusivas e a restrições indevidas durante o expediente.
A decisão é da juíza do Trabalho Viviany Aparecida Carreira Moreira Rodrigues, da 63ª Vara do Trabalho da capital, que reconheceu a prática de assédio moral em razão de cobranças reiteradas, proibição de se sentar e impedimento de acesso à água.
Condições degradantes e assédio moral reconhecido
No processo, a magistrada concluiu que a trabalhadora atuava em ambiente hostil e sem condições mínimas de dignidade.
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O conjunto de provas indicou que, além de metas pressionadas sob ameaça de dispensa, havia impedimentos expressos ao descanso elementar.
Em audiência, testemunhas relataram que a orientação transmitida pela chefia era objetiva: a vendedora não podia se sentar nem beber água durante a jornada porque “era proibido”.
Esses relatos foram considerados coerentes e convergentes.
Segundo o juízo, o tratamento dispensado extrapolou o poder diretivo da empresa e violou normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.
A cobrança de desempenho, frisou a juíza, não pode suprimir direitos básicos nem impor constrangimentos que afetem a integridade física e psíquica do empregado.
Metas abusivas e ameaças de demissão
Depoimentos colhidos no processo apontaram que a gerência realizava cobranças constantes, condicionando a manutenção do contrato ao cumprimento de resultados.
A ameaça de desligamento, repetida como método de gestão, foi interpretada pelo juízo como fator de agravamento da conduta, por criar ambiente de medo e humilhação.
Ficou demonstrado que a política de metas, em vez de instrumento legítimo de desempenho, transformou-se em mecanismo de intimidação e constrangimento.
A decisão ressaltou que metas podem ser implementadas, mas devem observar limites legais e critérios razoáveis.
O que se verificou no caso concreto, conforme a sentença, foi a adoção de objetivos incompatíveis com a realidade do posto de trabalho, somada a práticas que restringiam necessidades fisiológicas elementares.
Banco de horas e horas extras quitadas apenas na rescisão
Além do assédio moral, a ação discutiu o cumprimento de obrigações trabalhistas relativas à compensação de jornada.
As empregadas acumulavam saldo de banco de horas, porém a joalheria dificultava a compensação e postergava o acerto financeiro.
Um documento anexado aos autos registrou montante expressivo de horas extraordinárias, que só foram quitadas na rescisão.
Para a magistrada, a prática evidenciou discrepância entre o controle de jornada e a efetiva compensação, em descompasso com a legislação e com a boa-fé nas relações de trabalho.
A constatação reforçou o quadro de desrespeito a normas básicas e contribuiu para a caracterização do dano moral.
Histórico de casos semelhantes e jurisprudência
Ao examinar precedentes, a juíza identificou que a empresa figurou em outras ações de conteúdo parecido.
Em pelo menos um caso, o tema central envolvia a ausência de assentos adequados para repouso durante as pausas.
Esse histórico foi mencionado como elemento de contexto: medidas simples de ergonomia e descanso, recomendadas por normas técnicas, não vinham sendo observadas com regularidade.
A referência a decisões anteriores não substituiu a análise do caso concreto, mas serviu para indicar padrão de conduta empresarial que, se reiterado, revela desprezo a orientações mínimas de saúde laboral.
O juízo frisou que, sobretudo em atividades com longos períodos em pé, o fornecimento de assentos e a alternância de posturas não são favores, e sim exigências normativas.
Normas do Trabalho e ergonomia obrigatória
Na fundamentação, a sentença citou portarias do Ministério do Trabalho que determinam o planejamento ou a adaptação dos postos para possibilitar a alternância entre as posições em pé e sentada.
Também foi lembrada a obrigação de disponibilizar assentos nas pausas, quando o serviço permitir, em linha com parâmetros de ergonomia destinados a prevenir adoecimentos e fadiga.
Embora a decisão não tenha reproduzido a íntegra dos dispositivos, o teor das regras aponta que o empregador deve organizar o ambiente de forma a evitar esforços excessivos, impor limites à permanência contínua em pé e garantir condições básicas de hidratação.
Quando a empresa impede o acesso à água ou proíbe sentar sem justificativa técnica plausível, viola direitos de personalidade e cria risco à saúde, concluiu o juízo.
Provas, depoimentos e convicção judicial
O relato das testemunhas foi determinante para formar a convicção judicial.
As declarações convergiram quanto à existência de proibições claras e à dinâmica de cobranças, com ameaças de demissão vinculadas ao cumprimento de objetivos.
A juíza valorizou a consistência interna dos depoimentos e a coerência com documentos juntados, como o demonstrativo de horas extras.
Em linguagem técnica, a sentença apontou o “nexo entre conduta e dano”: a política de metas e as restrições impostas geraram ambiente lesivo, apto a ferir a dignidade da trabalhadora.
Esse nexo justificou a condenação por danos morais, independentemente de prova de prejuízo material imediato, por se tratar de ofensa a direitos fundamentais.
Valor da indenização e efeito pedagógico
Com base nos elementos do processo, o juízo arbitrou R$ 17 mil a título de reparação por dano moral.
O montante considerou a gravidade dos fatos, a capacidade econômica da empresa e a função pedagógica da medida.
A quantia busca compensar o sofrimento causado e desestimular a repetição de práticas que afrontem a legislação trabalhista.
A decisão registrou que o valor não pretende enriquecer a autora nem inviabilizar a operação da ré, mas sinalizar que condutas de assédio e de violação a normas de saúde ocupacional não serão toleradas.
Em situações com pressões por desempenho, a empresa deve compatibilizar metas com o respeito à dignidade humana e às regras de ergonomia e segurança.
Impacto no varejo e boas práticas
Casos como este expõem um desafio recorrente no varejo: conciliar metas de vendas com condições de trabalho adequadas.
O reconhecimento judicial de que a proibição de sentar e beber água configura assédio moral realça a necessidade de políticas internas claras, treinamentos de liderança e auditorias de conformidade.
Práticas simples, como permitir pausas regulares e oferecer assentos em pontos estratégicos, reduzem riscos legais e melhoram a saúde dos empregados.
Ao mesmo tempo, a gestão de metas deve repousar em critérios objetivos, razoáveis e transparentes.
Ameaças de demissão como mecanismo de cobrança corroem o clima organizacional e aumentam a exposição a litígios.
O recado da sentença é direto: metas não podem legitimar violações a direitos básicos.
Consequências e lições para o setor
A partir de decisões como esta, empresas tendem a revisar procedimentos para se adequar às normas do Ministério do Trabalho e às boas práticas de ergonomia.
A alternância de postura, a garantia de hidratação e o controle correto do banco de horas figuram entre os pontos de atenção imediata.
Em paralelo, a documentação de jornadas, intervalos e orientações internas passa a ter peso ainda maior na prevenção de litígios, pois subsidia auditorias e eventuais fiscalizações.
Em última análise, o caso reafirma um princípio já consolidado: a busca por resultados não autoriza suprimir direitos de personalidade nem relativizar regras de saúde e segurança.
Diante desse cenário, como as empresas do varejo pretendem equilibrar metas agressivas com um ambiente verdadeiramente saudável e conforme a lei?