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Erguido no meio do mar e feito para resistir ao impossível, o Forte de São Marcelo atravessa quase 400 anos enfrentando sal, vento e correnteza e segue firme como a fortaleza que parece flutuar em Salvador

Escrito por Débora Araújo
Publicado em 05/11/2025 às 10:37
Erguido no meio do mar e feito para resistir ao impossível, o Forte de São Marcelo atravessa quase 400 anos enfrentando sal, vento e correnteza e segue firme como a fortaleza que parece flutuar em Salvador
Erguido no meio do mar e feito para resistir ao impossível, o Forte de São Marcelo atravessa quase 400 anos enfrentando sal, vento e correnteza e segue firme como a fortaleza que parece flutuar em Salvador
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Construído no século XVII, o Forte de São Marcelo, em Salvador, desafia o tempo há quase 400 anos, erguido sobre o mar e famoso por parecer flutuar nas águas da baía.

À primeira vista, ele parece uma miragem: uma estrutura de pedra desenhando um círculo perfeito sobre as águas calmas da Baía de Todos-os-Santos, como se estivesse suspensa entre o mar e o céu. Quem chega ao Porto da Barra, em Salvador, costuma parar por instinto. A cena mistura história e natureza, passado e presente, imponência e silêncio. Ali está o Forte de São Marcelo — uma fortaleza construída originalmente no século XVII para vigiar a costa e proteger o território português, mas que, desde então, parece ter adotado uma missão ainda mais surpreendente: desafiar o oceano, o tempo e a lógica moderna.

Em um país onde construções relativamente recentes sofrem com infiltração, corrosão e degradação precoce, essa estrutura circular ergue-se há quase quatro séculos enfrentando tempestades, marés e ventos tropicais. Feito sem concreto armado, sem aço e muito antes de qualquer tecnologia industrial, o forte permanece notavelmente íntegro, quase imóvel diante das forças que modelam a costa baiana diariamente. Sua presença revela a força da engenharia tradicional e, ao mesmo tempo, aponta para uma desconcertante verdade: às vezes, a arquitetura ancestral entende melhor o ambiente que a modernidade.

Um círculo de pedra projetado para enfrentar o mar

O que torna o Forte de São Marcelo ainda mais notável é sua localização. Ele não está em terra firme, nem protegido em enseadas ou sobre rochas naturais. Foi construído no mar — literalmente. Com fundações implantadas sobre recifes e reforçadas com pedra e argamassa de cal, a estrutura nasceu para resistir ao impacto constante das marés e da salinidade extrema. Em vez de fugir do oceano, enfrentou-o, entendendo sua dinâmica, aproveitando o comportamento das águas e distribuindo carga de maneira equilibrada.

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A geometria circular não é um capricho estético. Ela é parte essencial da sua resistência. Diferentemente das paredes retas, linhas curvas dissipam energia. Ondas e ventos não encontram quinas para atacar, mas superfícies contínuas que empurram a força para longe. Na prática, o formato redondo funciona como um escudo hidráulico: as correntes batem, mas não dominam. As rajadas sopram, mas não inclinam. A engenharia naval e militar do período conhecia essa lógica, e a aplicou com precisão surpreendente.

O resultado é uma fortaleza que parece repousar tranquilamente nas águas baianas — quando, na verdade, trava uma batalha constante e silenciosa com os elementos, uma batalha que já dura quase quatrocentos anos.

Materiais naturais, durabilidade extrema e o segredo da cal

A construção do forte utilizou pedra e cal — materiais que, à primeira vista, podem parecer simples, quase rudimentares diante do concreto e do aço de hoje. Mas a escolha não foi apenas técnica: foi ambiental. A cal, diferente do cimento moderno, cria estruturas que respiram. Ela absorve e libera umidade, trabalha com o clima, adapta-se à variação térmica, reage com o CO₂ do ar e se fortalece com o tempo. Em lugar de se contrair e rachar, como certos concretos expostos ao sal, a cal amadurece. Em vez de oxidar, o núcleo mineral estabiliza-se.

A pedra, por sua vez, oferece peso, densidade e proteção natural contra a água salgada. E a junção desses elementos, alinhada a técnicas tradicionais de amarração e encaixe, permitiu criar um conjunto coeso, sólido e resiliente. Essa harmonia entre material e ambiente, frequente na arquitetura histórica, raramente encontra equivalência na construção moderna. O Forte de São Marcelo não foi feito para ser rápido — foi feito para durar.

Entre guerra e paisagem: a transformação de um símbolo

Se, no século XVII, o forte servia para deter inimigos e proteger a rota marítima que ligava Salvador ao mundo, hoje sua função é outra. Agora, ele guarda a memória de um período em que o Brasil era estratégico para potências europeias e testemunha de batalhas, bloqueios e tensões territoriais. Com o passar das décadas, tornou-se símbolo urbano, ponto turístico e referência arquitetônica — não pela força militar que representou, mas pela resistência silenciosa que apresenta.

Ao seu redor, a cidade cresceu, a orla mudou, navios deram lugar a embarcações de turismo, e o porto ganhou nova dinâmica. Ainda assim, o forte segue ali, imóvel e fiel à sua forma original, como se cada século reforçasse sua vocação. Já foi objeto de restauro, recebeu visitas oficiais, foi tema de estudos e até de obras artísticas. Em nenhum momento, porém, perdeu sua essência: a de uma estrutura que não pede licença ao mar, mas convive com ele.

Quando o passado ensina o futuro

Em um contexto global marcado pela busca por construções mais sustentáveis e resilientes, o Forte de São Marcelo oferece lições valiosas. Hoje, pesquisadores voltam a investigar técnicas tradicionais baseadas em cal, madeira maciça, formas orgânicas e integração com o ambiente. A engenharia contemporânea, que passou décadas apostando em materiais industrializados e soluções rígidas, reabre o olhar para sistemas que priorizam elasticidade, ventilação e diálogo com os elementos.

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O forte se transforma, então, em mais do que um monumento. Ele torna-se laboratório histórico, evidência viva de que a arquitetura pode e deve aprender com o clima, o terreno e o tempo. Em uma era de urgência ambiental e desafios costeiros, sua permanência se torna argumento poderoso: sobreviver ao mar não é enfrentá-lo — é compreendê-lo.

O que permanece, e o que muda

Enquanto turistas fotografam sua forma circular, pescadores navegam próximos às suas muralhas e a luz dourada do final da tarde reflete no mar, a fortaleza segue ali — sólida, silenciosa, imperturbável. É testemunha de uma cidade que nasce, cresce, reinventa-se e se moderniza. É prova material de que a lentidão e o cuidado de processos antigos podem produzir resultados mais duradouros do que a velocidade industrial do presente.

E, quando a maré sobe e cobre parte de sua base, revelando sua simbiose com as águas, uma pergunta emerge: se construções erguidas em outro tempo, com ferramentas simples e conhecimento profundo da natureza, seguem firmes até hoje, o que impede a engenharia contemporânea de criar obras que resistam com a mesma dignidade?

Talvez a resposta esteja justamente ali, flutuando diante da cidade — lembrando que o futuro, muitas vezes, está ancorado nos alicerces do passado.

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Débora Araújo

Débora Araújo é redatora no Click Petróleo e Gás, com mais de dois anos de experiência em produção de conteúdo e mais de mil matérias publicadas sobre tecnologia, mercado de trabalho, geopolítica, indústria, construção, curiosidades e outros temas. Seu foco é produzir conteúdos acessíveis, bem apurados e de interesse coletivo. Sugestões de pauta, correções ou mensagens podem ser enviadas para contato.deboraaraujo.news@gmail.com

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