Ford prevê prejuízo de até US$ 5,5 bi com elétricos e corta 14% da força de trabalho na Europa. Aposta no futuro virou dor de cabeça global.
Durante mais de um século, a Ford foi sinônimo de inovação. O Modelo T revolucionou a indústria com a linha de montagem, a F-150 virou símbolo da força americana e o Mustang consolidou o mito dos muscle cars. Mas em 2025, a marca fundada por Henry Ford enfrenta uma das crises mais duras de sua história recente: perdas bilionárias no segmento de veículos elétricos e a necessidade de cortes drásticos na Europa.
O que parecia ser a virada para o futuro se transformou em uma dor de cabeça que ameaça sua rentabilidade e sua posição global.
O peso dos prejuízos com elétricos
Segundo projeções oficiais da própria montadora, a divisão de elétricos da Ford deve registrar um prejuízo de até US$ 5,5 bilhões em 2025.
-
Chevrolet Onix dará lugar a SUV cupê com motor do Hyundai HB20 e lançamento marcado para 2030
-
Marca chinesa da Stellantis pode ressuscitar um nicho que a Fiat abandonou no Brasil para reconquistar os órfãos de Tipo, Stilo e Bravo
-
Os 10 carros usados mais procurados no Brasil em 2025: guia completo para comprar com segurança
-
SUV de R$ 200 mil faz 15 km/l: Nissan Kicks Platinum surpreende em testes
A cifra é impressionante não apenas pelo tamanho, mas também porque vem após anos de investimentos pesados em fábricas, baterias e desenvolvimento de novos modelos.
O problema é que, mesmo com carros como o Mustang Mach-E e a picape F-150 Lightning, a empresa não conseguiu atingir o equilíbrio financeiro.
O alto custo de produção, a guerra de preços imposta por Tesla e BYD e a infraestrutura de recarga ainda limitada nos EUA e Europa pressionaram a Ford. O resultado foi uma queda brusca de margens e a necessidade de rever toda a estratégia.
Cortes na Europa: a Ford encolhe
A crise não se limita às finanças. No fim de 2024, a Ford anunciou que iria reduzir em até 14% sua força de trabalho na Europa, um dos cortes mais agressivos das últimas décadas no continente. Milhares de postos de trabalho estão em risco em fábricas da Alemanha, Espanha e Reino Unido.
Além disso, a marca já confirmou que modelos tradicionais serão descontinuados no mercado europeu, como parte de uma tentativa de reduzir custos e focar em SUVs e elétricos globais. O que antes era tratado como expansão agora virou um movimento de retração.
A aposta que virou risco
A estratégia da Ford era clara: investir pesado nos elétricos para competir com Tesla nos Estados Unidos e com as marcas chinesas no restante do mundo. A criação da divisão Model e, dedicada apenas aos EVs, foi apresentada como um passo ousado rumo à transformação da empresa.
Mas a realidade foi mais dura. A Tesla reduziu preços agressivamente em 2023 e 2024, forçando a Ford a cortar margens para não perder mercado.
Na China, a presença da marca é mínima diante da avalanche de BYD, SAIC e Geely, que dominam o segmento de elétricos acessíveis. E na Europa, onde governos empurram a eletrificação por meio de metas rígidas, o consumidor tem mostrado resistência ao preço mais alto e à autonomia limitada dos modelos da Ford.
O choque da realidade no mercado
A guerra de preços foi determinante para a sangria financeira. A F-150 Lightning, por exemplo, chegou ao mercado americano como uma aposta de sucesso. No entanto, os custos elevados de bateria e a desaceleração na demanda fizeram a Ford reduzir turnos de produção e acumular estoques.
O Mach-E, rival do Tesla Model Y, também enfrenta vendas abaixo do esperado, com descontos constantes para tentar manter competitividade.
O resultado é um contraste brutal: enquanto a divisão de veículos a combustão e comerciais ainda gera caixa positivo, os elétricos drenam bilhões.
O que a Ford está fazendo para reagir
Diante desse cenário, a Ford traçou um plano de ajuste com três pilares principais:
- Corte de custos operacionais – a redução da força de trabalho europeia e a simplificação da linha de produtos são parte dessa estratégia.
- Foco em híbridos – a empresa já admitiu que vai ampliar a oferta de modelos híbridos como alternativa intermediária, principalmente na América Latina e nos EUA.
- Revisão de metas de eletrificação – embora a Ford mantenha o discurso de futuro elétrico, a velocidade dessa transição foi desacelerada. A meta de lucratividade foi empurrada para depois de 2026, e parte do portfólio deve migrar para híbridos plug-in.
A pressão dos rivais
Enquanto a Ford tenta se equilibrar, rivais não dão trégua. A Tesla continua com grande volume de vendas e margens mais saudáveis, mesmo com cortes de preços.
A BYD, por sua vez, se consolida como maior fabricante de elétricos do mundo, oferecendo carros mais baratos e com maior autonomia.
Na Europa, marcas como Volkswagen, Stellantis e Renault ainda sofrem, mas conseguiram estruturar linhas de EVs competitivas, deixando a Ford em posição desconfortável. Até mesmo no segmento das picapes, onde a Ford sempre reinou, rivais como a Rivian já disputam espaço com elétricos bem recebidos.
O futuro da marca
A pergunta que fica é: a Ford conseguirá transformar a crise em oportunidade, como fez em outros momentos da história? A empresa já sobreviveu a guerras, crises de petróleo e até à falência parcial da concorrente General Motors em 2009.
Mas a transição elétrica é um desafio sem precedentes, pois envolve não apenas produto, mas também infraestrutura, política industrial e aceitação do consumidor.
Se conseguir ajustar sua estratégia e equilibrar custos, a Ford pode sair mais forte, aproveitando a tradição de inovação que sempre a marcou. Mas se continuar sangrando bilhões, a marca pode ver sua relevância global minguar diante de chinesas ágeis e da Tesla.
O que parecia ser a grande aposta de futuro da Ford transformou-se em um fardo bilionário. A virada para os elétricos, vista como inevitável, mostrou que timing e execução são tão importantes quanto visão estratégica. A marca fundada por Henry Ford agora precisa provar que ainda sabe liderar uma revolução automotiva — ou corre o risco de ser lembrada como uma gigante que tropeçou no caminho da eletrificação.