Reparos necessários, como consertar um telhado, são indenizáveis mesmo sem aval prévio do dono, mas a lei do inquilinato esconde uma armadilha sobre a forma de pagamento.
Muitos inquilinos desconhecem um detalhe crucial da lei do inquilinato (Lei nº 8.245/91): a realização de benfeitorias necessárias, como o conserto urgente de um telhado ou uma infiltração grave, garante o direito a 100% de reembolso, mesmo que o proprietário não tenha autorizado a obra previamente. Este direito está explicitamente previsto na legislação, visando proteger a integridade do imóvel e a habitabilidade.
No entanto, a forma como esse reembolso é exigido esconde um risco que pode levar ao despejo. A ideia de que o inquilino pode simplesmente “descontar” o valor gasto do aluguel é um equívoco perigoso. A legislação, citada como fonte principal desta matéria, define caminhos corretos para a indenização e o direito de retenção, e ignorá-los pode configurar inadimplência contratual.
O que a lei classifica como obra necessária?
Antes de exigir qualquer reembolso, é vital entender a diferença que a lei faz. O Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que atua de forma complementar à lei do inquilinato, é claro. O artigo 96 deste código define benfeitorias necessárias como aquelas que “têm por fim conservar o imóvel ou evitar que ele se deteriore”. São, portanto, intervenções essenciais e, muitas vezes, urgentes, destinadas a manter as condições de uso do bem.
-
Homem condenado sem provas se torna advogado durante processo e reverte pena de 9 anos, STJ restabelece absolvição e expõe falhas em condenações
-
Trabalhadores que começaram antes de 1988 podem ter direito a valores milionários do PIS/PASEP após decisão definitiva do STJ
-
STF determina devolução do ICMS nas contas de luz e abre prazo de 10 anos para consumidores exigirem restituição integral das distribuidoras de energia elétrica
-
Advogado especialista e tribunais confirmam: cônjuge que permanece morando no imóvel comum, paga IPTU, água e luz sozinho pode obter usucapião sobre a parte deixada ao outro após separação
Exemplos clássicos incluem o conserto de um telhado com goteiras, a reparação de vazamentos estruturais em encanamentos ou a substituição de fiação elétrica comprometida que apresente risco de incêndio. Elas se diferenciam drasticamente das benfeitorias úteis (que aumentam ou facilitam o uso, como instalar grades de segurança) e das voluptuárias (de mero luxo ou estética, como construir uma piscina). Conforme as definições do Código Civil, apenas as necessárias têm esse tratamento especial de reembolso mesmo sem autorização prévia.
O direito ao reembolso vs. o mito do desconto no aluguel
O direito central do inquilino está no artigo 35 da Lei nº 8.245/91 (a Lei do Inquilinato). O texto afirma que, “salvo expressa disposição contratual em contrário”, as benfeitorias necessárias, “ainda que não autorizadas pelo locador”, serão indenizáveis. A lei presume que, por se tratar de algo essencial para a conservação do patrimônio, o inquilino não pode ficar refém da inércia ou demora do proprietário.
Aqui reside o maior perigo e a principal fonte de desinformação: a lei do inquilinato fala em “indenização” (o direito de ser pago de volta) ou “direito de retenção” (permanecer no imóvel até ser pago), e não em “desconto” ou “compensação” unilateral. O inquilino que, por conta própria, decide abater o custo da obra do valor do aluguel, está, aos olhos da lei, simplesmente inadimplente.
Esta ação, conforme alertam especialistas com base na legislação, é uma infração contratual grave. O proprietário, mesmo devendo o valor da obra, ganha um fundamento legal incontestável para entrar com uma ação de despejo por falta de pagamento. O inquilino, embora tenha um crédito legítimo pela obra, pode perder a posse do imóvel por tentar cobrá-lo da maneira errada. A forma correta é negociar um acordo por escrito com o locador ou, em último caso, buscar uma ação de cobrança na Justiça.
A “letra miúda” do contrato: a Súmula 335 do STJ
O direito ao reembolso das obras necessárias não é absoluto. O próprio artigo 35 da lei do inquilinato, que garante o reembolso, começa com uma ressalva crucial: “Salvo expressa disposição contratual em contrário…”. Isso significa que o contrato de locação pode, e frequentemente o faz, incluir uma cláusula onde o inquilino renuncia expressamente a esse direito.
Esta prática é tão comum no mercado que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o tribunal máximo para a interpretação da legislação federal, validou sua legalidade. A Súmula 335 do STJ é taxativa ao afirmar: “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”. Portanto, se o inquilino assinou um contrato contendo essa cláusula, ele perde o direito de ser reembolsado, mesmo por obras urgentes e necessárias.
Como agir corretamente para garantir o reembolso
Ao se deparar com um problema estrutural urgente, como uma infiltração grave no telhado, o inquilino não deve simplesmente contratar o serviço e parar de pagar o aluguel. Para garantir seus direitos de forma segura, o protocolo correto envolve comunicação e documentação rigorosa.
O primeiro passo é notificar formalmente o proprietário ou a imobiliária. A prudência jurídica recomenda o uso de meios que gerem prova de recebimento, como e-mails, notificações extrajudiciais ou até mensagens de aplicativo (desde que o recebimento seja confirmado). A notificação deve descrever o problema detalhadamente e solicitar um prazo razoável para a solução.
Se o proprietário não agir e o inquilino precisar realizar a obra emergencialmente, a documentação é sua maior aliada. É essencial guardar fotos e vídeos do problema antes do reparo, coletar pelo menos três orçamentos de profissionais distintos (para provar a razoabilidade do preço) e, o mais importante, exigir notas fiscais oficiais de todos os materiais e serviços. Recibos simples têm valor probatório muito menor.
Com todos os comprovantes em mãos, o inquilino deve apresentá-los formalmente ao locador e negociar a indenização. O ideal é formalizar um acordo por escrito. Este acordo pode prever um pagamento à vista pelo locador, um parcelamento ou, aí sim, o abatimento programado nos aluguéis futuros. Se essa compensação for acordada, ela deve constar em um aditivo contratual assinado por ambas as partes para ter validade legal.
A lei do inquilinato oferece proteções robustas ao inquilino para garantir a habitabilidade do imóvel, incluindo o direito de ser indenizado por obras urgentes. Contudo, essa proteção depende de seguir os procedimentos corretos e, acima de tudo, da análise cuidadosa do contrato, que pode anular esse direito. Agir por impulso e reter o aluguel é o caminho mais rápido para transformar um direito em uma ação de despejo.
Você já passou por uma situação assim? Acha que essa regra da lei do inquilinato é justa com proprietários e inquilinos? Deixe sua opinião nos comentários, queremos ouvir quem vive isso na prática.