Estudo publicado na revista Nature associa pela primeira vez as emissões de petróleo, carvão e cimento a 213 ondas de calor entre 2000 e 2023, destacando a responsabilidade das maiores empresas de carbono.
Um levantamento inédito realizado pela revista Nature e noticiado pelo Poder360 nesta segunda-feira, 15 de setembro, trouxe novas evidências sobre a ligação direta entre a queima de combustíveis fósseis e o agravamento das ondas de calor globais. O estudo analisou dados de 2000 a 2023 e atribuiu 213 eventos extremos a emissões de petróleo, carvão e cimento, apontando a responsabilidade de 180 indústrias de carbono intensivas.
Os cientistas concluíram que as mudanças climáticas induzidas pelo homem tornaram as ondas de calor até 200 vezes mais prováveis em comparação com períodos anteriores. Para chegar a esse resultado, foram utilizados modelos estatísticos, reconstruções históricas e informações do Carbon Majors Database, que reúne dados sobre os maiores emissores globais.
Intensidade das ondas de calor aumenta em ritmo acelerado
A pesquisa revelou que a intensidade média dos episódios de calor extremo não apenas cresceu, mas se intensificou rapidamente. Entre 2000 e 2009, a elevação média registrada foi de 1,4 °C. Já entre 2020 e 2023, esse valor chegou a 2,2 °C.
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Esse último período inclui a pandemia de covid-19, quando parte da atividade econômica esteve reduzida. Ainda assim, os números demonstram que a crise climática segue um ritmo mais veloz do que o imaginado.
Segundo os autores, as ondas de calor avaliadas ocorreram em todos os continentes, mas África e América do Sul aparecem sub-representadas devido à escassez de relatórios e infraestrutura meteorológica adequada. O estudo alerta para duas formas de subnotificação:
- muitos episódios sequer foram registrados no banco de dados internacional de desastres (EM-DAT);
- parte das emissões de gases como CO₂ e CH₄ não é declarada por grandes emissores.
Mesmo assim, os resultados foram considerados robustos e consistentes pela comunidade científica.
As grandes empresas de carbono no centro da crise
O estudo mostra que as chamadas “carbon majors” respondem por 57% das emissões antropogênicas cumulativas de CO₂, considerando também o uso da terra, desde 1850. Quando o cálculo inclui apenas combustíveis fósseis e cimento, essa participação sobe para 75%.
Um dado relevante é a desigualdade nas contribuições. Apenas 14 companhias concentram emissões equivalentes às de outras 166. A lista inclui gigantes como Saudi Aramco, ExxonMobil, Chevron, BP, Shell, Gazprom, CNPC e a Petrobras, que aparece na 15ª posição do ranking.
Segundo o estudo, não apenas as grandes corporações estão no foco. As pequenas empresas de carbono também têm ampliado suas emissões, reforçando a necessidade de monitoramento e responsabilização.
Além da análise climática, o estudo reforça a dimensão social da crise. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que pelo menos 489 mil pessoas morram todos os anos em decorrência do calor extremo, considerando apenas o período entre 2000 e 2019.
Em um relatório complementar, cientistas de entidades como a World Weather Attribution e a Climate Central mostraram que, entre maio de 2024 e maio de 2025, cerca de 4 bilhões de pessoas – quase metade da população mundial – viveram pelo menos 30 dias adicionais de calor extremo. Esse cenário foi classificado como pelo menos duas vezes mais provável devido à ação humana no clima.
Conexão entre ciência e políticas públicas
O artigo da Nature defende que as evidências científicas reunidas podem subsidiar não apenas políticas climáticas, mas também processos judiciais contra empresas e países. Hoje, cresce o número de ações na justiça que buscam reparação por perdas e danos ou exigem metas ambientais mais rígidas.
O estudo afirma: “A influência das mudanças climáticas nas ondas de calor aumentou e que todos os carbonos principais, mesmo os menores, contribuíram substancialmente para a ocorrência de ondas de calor. Nossos resultados contribuem para preencher a lacuna de evidências para estabelecer a responsabilização por extremos climáticos históricos.”
Ao longo das últimas duas décadas, os efeitos do uso intensivo de petróleo, carvão e cimento ficaram cada vez mais evidentes. O crescimento das emissões dessas indústrias não apenas aqueceu o planeta, mas também expôs bilhões de pessoas a riscos sanitários, econômicos e sociais.
Para especialistas, a mensagem do estudo é clara: a continuidade da dependência do petróleo e de outros combustíveis fósseis potencializa ondas de calor cada vez mais destrutivas. A pressão por soluções rápidas e políticas climáticas efetivas torna-se inevitável diante das evidências acumuladas.