Um livro de 600 anos, preservado em Yale, desafia linguistas, criptógrafos e até a CIA com um texto indecifrável e ilustrações de “plantas impossíveis”.
O livro de 600 anos mais misterioso do mundo atende por um nome: Manuscrito Voynich. Datado por radiocarbono entre 1404 e 1438, ele reúne centenas de páginas escritas em um alfabeto desconhecido, acompanhadas de figuras botânicas que não batem com nenhuma espécie catalogada. Nem a CIA conseguiu decifrar o conteúdo, e a obra segue atraindo equipes de universidades, criptoanalistas e curiosos de todo o planeta.
Mais do que uma curiosidade medieval, o Voynich virou um laboratório vivo de hipóteses. Há quem veja um compêndio de medicina antiga; outros apostam em alquimia; alguns suspeitam de um código deliberadamente inquebrável, e há, ainda, quem diga ser uma farsa sofisticada. O enigma persiste, apesar de todos os métodos modernos, inclusive os de inteligência artificial.
O que é e onde está o Manuscrito Voynich
O manuscrito leva o sobrenome de Wilfrid Voynich, o comerciante de livros raros que o adquiriu em 1912, em um convento jesuíta na Itália.
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Depois de mudar de mãos algumas vezes, o códice foi parar na Biblioteca Beinecke, da Universidade de Yale, onde permanece guardado e acessível a pesquisadores.
Sua materialidade é inequívoca: pergaminho de couro de cordeiro autêntico, caligrafia consistente e tintas compatíveis com o período medieval.
O que ninguém consegue explicar é o conteúdo. A obra soma cerca de 240 páginas preservadas (de um total original maior), organizadas em seções que parecem temáticas.
O que o livro mostra: plantas, estrelas e “banhos” inexplicáveis
A parte mais famosa é a seção botânica, repleta de plantas desenhadas com rigor gráfico, mas cuja morfologia não corresponde a espécies conhecidas.
Por isso muitos as chamam de “plantas impossíveis”. Não raro, as raízes e folhas parecem colagens de elementos de espécimes diferentes.
Há também diagramas de astronomia/astrologia, com zodíacos e mapas que lembram movimentos celestes; páginas “biológicas” com mulheres imersas em banheiras interligadas por condutos; pranchas farmacológicas, com frascos e raízes; e um bloco cosmológico, cheio de círculos e mapas misteriosos. Cada seção parece ter lógica interna, mas nenhuma chave externa a destrava.
A escrita indecifrada: língua, cifra ou invenção?
O texto usa um alfabeto próprio e segue padrões estatísticos semelhantes aos de línguas naturais: há distribuição típica de palavras, repetições e “ritmo” textual.
Isso sustenta a hipótese de que não seja puro nonsense. Mesmo assim, ninguém traduziu uma única linha de forma consensual.
Criptógrafos civis e militares, inclusive equipes ligadas à CIA, já tentaram de tudo: substituições, transposições, análise de frequência, modelagem probabilística, comparações com línguas europeias e do Oriente Médio, além de métodos de IA.
O impasse permanece, o que alimenta tanto o fascínio quanto o ceticismo.
Teorias em disputa: do compêndio médico à farsa perfeita
Uma corrente lê o Voynich como um manual de medicina/alquimia, agregando botânica, receitas e práticas hidroterápicas (os “banhos”).
Outra defende que o texto seja uma cifra aplicada sobre uma língua medieval conhecida, ainda sem a “chave”.
Há, também, a hipótese de língua inventada, uma construção privada e coerente, só decifrável com o “dicionário” do autor.
A teoria da farsa ressurge periodicamente: um trabalho habilidoso para enganar patronos ricos (pense no imperador Rodolfo II), usando imagens sedutoras e um texto sem sentido aparente.
O problema é que a consistência estatística do texto e a escala do projeto tornam essa explicação menos confortável: sustentar tantas páginas de “nada” com regularidade de língua natural seria, por si, um feito monumental.
O que mudou (e o que não mudou)
Tentativas recentes, inclusive com inteligência artificial, identificaram padrões e até sugeriram variações internas de “dialeto” no manuscrito.
Houve também propostas pontuais de “decifração”, como a tese de um protorromance medieval; nenhuma resistiu ao crivo de medievalistas e linguistas.
Não existe consenso acadêmico; o Voynich segue indecifrado.
Em paralelo, estudos de estilo e comparações paleográficas reforçam a autenticidade temporal e a coesão material do códice.
Ou seja, não há “golpe moderno”: temos um artefato medieval genuíno, inteligível na forma e impenetrável no conteúdo.
Por que o enigma do Voynich importa
Em primeiro lugar, porque testa os limites do método científico aplicado a textos: quando faltam contexto, bilinguismo (uma “Pedra de Roseta”) e referências cruzadas, até as melhores ferramentas patinam.
Em segundo, porque expõe vieses, queremos tanto soluções elegantes que podemos abraçar atalhos frágeis.
Há, ainda, a dimensão cultural. O livro de 600 anos sintetiza a curiosidade humana: plantas que não existem, mapas de céus que não reconhecemos, mulheres em banhos interligados, um mundo paralelo, meticulosamente desenhado, que nos obriga a admitir aquilo que raramente aceitamos: não sabemos.