Decisão da 3ª Turma estabelece que o ex-cônjuge não sócio tem direito a dividendos até a quitação final da partilha, mudando o cenário de divórcios empresariais.
Uma decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mudou o entendimento sobre a partilha de bens em divórcios que envolvem sociedades empresariais, trazendo mais segurança jurídica para uma situação antes controversa. A partir de agora, o cônjuge que não participa formalmente da empresa tem o direito de receber a divisão de lucros e dividendos pagos ao ex-parceiro que é sócio. Esse direito se estende por todo o período que vai desde a data da separação de fato até o momento em que a partilha das cotas seja efetivamente quitada, garantindo que os frutos do patrimônio comum sejam divididos de forma justa.
De acordo com o portal Migalhas, o julgamento, relatado pela ministra Nancy Andrighi, teve origem em um processo de divórcio no qual um ex-marido buscava sua parte nos lucros gerados pelas cotas de sua ex-esposa em uma empresa, adquiridas durante o casamento.
A decisão cria uma nova e importante camada de proteção patrimonial para o ex-parceiro que não tem vínculo direto com o negócio. Na prática, impede que o cônjuge sócio se beneficie sozinho dos rendimentos de um bem que foi construído pelo esforço ou patrimônio de ambos, garantindo que ele participe dos frutos até que a divisão seja finalizada por completo.
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O que motivou a decisão da 3ª Turma do STJ?
O caso específico que chegou ao STJ (REsp 2.223.719) começou quando um ex-marido, após ter seu direito à meação das cotas da ex-esposa reconhecido, buscou na Justiça a apuração dos valores correspondentes.
As instâncias inferiores, tanto o juízo de primeira instância quanto o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), haviam determinado que o cálculo dos seus direitos deveria ter como marco final a data da separação de fato.
Essa limitação o excluía de quaisquer lucros distribuídos após esse período, mesmo que a partilha definitiva ainda não tivesse ocorrido.
Inconformado, o ex-marido recorreu ao STJ com um argumento central: as cotas da empresa eram um patrimônio comum do casal e, mesmo após a separação, ele legalmente continuava sendo “dono” de metade delas até a partilha ser concluída.
Portanto, o direito à meação dos lucros distribuídos continuava válido, pois os dividendos são frutos diretos desse patrimônio partilhável.
Ele defendia que limitar seu direito à data da separação o prejudicava financeiramente e gerava um enriquecimento sem causa para a ex-esposa, que continuava a usufruir de 100% dos rendimentos de um bem que ainda era parcialmente dele.
Como funciona o direito aos lucros na prática?
A relatora, ministra Nancy Andrighi, acolheu o argumento do ex-marido, explicando que a separação de fato realmente põe fim ao regime de bens, impedindo que novos bens adquiridos se comuniquem.
No entanto, ela esclareceu que, sobre o patrimônio já construído pelo casal, forma-se um “condomínio” a partir da separação.
Em outras palavras, os ex-parceiros se tornam coproprietários dos bens comuns até que a partilha seja efetivada.
É como se tivessem um imóvel alugado juntos: mesmo separados, ambos têm direito a receber sua parte do aluguel até que o imóvel seja vendido e o valor dividido.
Com base nessa lógica, a ministra aplicou o artigo 1.319 do Código Civil, que estabelece que cada condômino (coproprietário) responde aos outros pelos frutos que colheu da coisa comum.
Nesse caso, as cotas da empresa são a “coisa comum”, e os lucros e dividendos são os “frutos”. Portanto, o ex-cônjuge se torna um condômino das cotas sociais e tem o direito líquido e certo de receber sua parte nos rendimentos gerados por elas.
Essa obrigação de repasse perdura até que o pagamento definitivo dos seus haveres seja realizado, momento em que o condomínio sobre as cotas finalmente se encerra.
O conceito de “sócio do sócio”: uma nova figura no divórcio
A decisão do STJ introduz um conceito importante para esclarecer a posição do ex-parceiro não sócio, protegendo tanto seus direitos quanto a estabilidade da empresa.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, ele se torna um “cotista anômalo” ou, como define a doutrina jurídica, um “sócio do sócio”.
Isso significa que o cônjuge que não integra o quadro societário não adquire o direito de participar da gestão, de votar em assembleias ou de se envolver nas atividades da empresa. O seu direito é estritamente patrimonial, ou seja, focado apenas no recebimento dos valores financeiros.
Essa distinção é fundamental, pois preserva o princípio da affectio societatis (a intenção e o vínculo pessoal de se associar) entre os sócios originais. A sociedade empresária não é obrigada a admitir um novo sócio contra a vontade dos demais, o que poderia gerar instabilidade e conflitos.
A ministra explicou que se instaura uma “subsociedade” apenas entre o ex-casal, regida pelas normas do condomínio (artigo 1.319 combinado com o artigo 1.027 do Código Civil). Dessa forma, a empresa continua pagando os dividendos integralmente ao sócio que consta no contrato, e este, por sua vez, tem a obrigação legal de repassar a meação ao ex-parceiro.
E como são calculados esses valores?
Outro ponto discutido no recurso foi a metodologia para apurar o valor das cotas a serem partilhadas. O ex-marido defendia o uso do “fluxo de caixa descontado”, um método que projeta os lucros futuros da empresa para estimar seu valor presente, por refletir melhor o potencial de mercado do negócio.
No entanto, a ministra Nancy Andrighi reafirmou a jurisprudência consolidada do STJ sobre o tema, destacando que a autonomia dos sócios prevalece. Se o contrato social da empresa já prevê um critério específico para a apuração de haveres em caso de retirada de sócio, é ele que deve ser seguido.
Na ausência de uma cláusula contratual, a lei determina o caminho para evitar disputas. Conforme o artigo 606 do Código de Processo Civil (CPC), prevalece o critério do balanço de determinação, que consiste em uma avaliação contábil para aferir o valor patrimonial real das cotas na data da dissolução.
Esse método é visto como mais seguro e menos especulativo que o fluxo de caixa, pois se baseia em um “retrato” do patrimônio da empresa em um momento específico. Portanto, o cálculo dos haveres a serem pagos ao cônjuge não sócio seguirá o que estiver previsto no contrato da empresa ou, na falta dele, o que manda a lei processual, garantindo um procedimento técnico e justo.
Essa decisão do STJ muda a forma como você enxerga um divórcio quando há uma empresa envolvida? Você acredita que essa regra é justa para ambos os lados, tanto para o cônjuge sócio quanto para o que fica de fora da sociedade? Deixe sua opinião nos comentários queremos entender