Em meio às tensões comerciais com os Estados Unidos, cresce o debate sobre possíveis alianças estratégicas do Brasil. No entanto, especialistas apontam limitações importantes em blocos como o Brics e o Mercosul, indicando que o caminho pode estar em outra direção.
A ideia de recorrer ao Brics como apoio nas tensões comerciais com os Estados Unidos seria viável para o Brasil? Essa é a intenção do governo federal.
Entretanto, segundo Vitelio Brustolin, pesquisador de Harvard e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), durante participação no WW, da CNN Brasil, essa ideia não é viável.
Conforme ele, os principais integrantes do grupo já negociam individualmente questões tarifárias com Washington.
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A China, por exemplo, recebeu uma proposta para quadruplicar suas importações de soja americana.
Esse cenário preocupa o Brasil, responsável por 70% da soja consumida pelo mercado chinês. Um aumento nas compras do produto dos EUA poderia reduzir o espaço da produção brasileira.
Além disso, a Índia também mantém tratativas para rever tarifas impostas. O país asiático enfrenta medidas secundárias por importar petróleo, derivados e armamentos russos.
O Brasil está na mesma lista, o que reforça a complexidade das negociações. A África do Sul, outro integrante do bloco, igualmente discute condições comerciais com os norte-americanos.
Conflitos internos e falta de coesão
O mais importante, na avaliação de Brustolin, é que o Brics enfrenta problemas de unidade. Há conflitos internos que dificultam qualquer ação conjunta.
A Índia mantém disputas territoriais e políticas com a China. O Egito tem divergências com a Etiópia relacionadas à Somália.
Já Irã e Arábia Saudita só restabeleceram relações diplomáticas em 2023, o que ainda não garante alinhamento total.
Essas tensões enfraquecem a capacidade do bloco de agir de forma coordenada.
Sem consenso interno, a força política e comercial do grupo perde relevância em disputas internacionais de grande porte.
Estrutura limitada do Brics
Outro fator ressaltado pelo especialista é a própria natureza do Brics. A organização é informal: não tem sede, estatuto, regimento ou critérios claros para admitir novos membros.
Essa ausência de estrutura formal impede que o bloco atue de maneira eficaz em questões comerciais complexas, que exigem regras claras e processos decisórios bem definidos.
Portanto, mesmo que houvesse vontade política, o Brics teria dificuldades para funcionar como frente unida contra medidas tarifárias norte-americanas.
Mercosul também não é alternativa
Brustolin lembra que, embora o Mercosul seja uma organização formal, também não se apresenta como alternativa viável para a questão.
Um exemplo é a Argentina, que já obteve vantagens significativas negociando diretamente com os Estados Unidos.
O país conseguiu 80% de isenção em tarifas por meio de acordos bilaterais, mostrando que a via individual pode ser mais eficaz do que a busca por soluções coletivas.
Nesse contexto, depender exclusivamente de alianças regionais ou multilaterais pode não trazer os resultados desejados. A experiência argentina reforça que negociações diretas tendem a ser mais rápidas e efetivas.
Necessidade de diálogo direto
Além das análises sobre os blocos econômicos, Brustolin destacou a importância de um contato direto entre os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos.
Ele lembrou que o presidente Lula afirmou que ligaria para Donald Trump, convidando-o para participar da COP 30. Também enviou uma carta formal.
No entanto, ainda não está confirmado se haverá encontro entre os dois durante a Assembleia Geral da ONU, marcada para 23 de setembro.
Para o pesquisador, a relação direta entre os líderes pode abrir portas para acordos mais rápidos e específicos.
Isso porque, no cenário atual, esperar por soluções multilaterais dentro de do BRICS, um bloco com divergências internas e limitações estruturais pode significar perder oportunidades de negociação.
Em resumo, a aposta no Brics como alternativa estratégica para enfrentar tensões comerciais com os Estados Unidos não encontra respaldo, tanto pela falta de coesão interna quanto pelas negociações bilaterais já em andamento.
O caminho, segundo Brustolin, passa por diplomacia direta e acordos específicos que atendam aos interesses imediatos do Brasil.