Lei nº 14.300/2022, apelidada erroneamente de “taxação do sol”, estabelece regras para a geração distribuída e o uso da rede elétrica. Entenda o que a norma realmente muda e por que o termo é incorreto.
A energia solar segue conquistando espaço no Brasil e se consolidando como uma das principais fontes de geração elétrica do país. Até junho de 2025, já haviam sido homologados mais de 419 mil projetos de usinas solares, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e relatórios da Sol Fácil. No total, o país soma 3,66 milhões de instalações fotovoltaicas, ocupando o segundo lugar no ranking das maiores matrizes energéticas nacionais.
Grande parte dessa expansão vem da geração distribuída (GD) — modelo que permite que consumidores produzam e utilizem sua própria eletricidade, especialmente em residências. Desde 2019, 83% das novas instalações solares pertencem a esse segmento, um avanço impulsionado pelo Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída, criado pela Lei nº 14.300/2022.
No entanto, o que deveria ser um marco de modernização acabou sendo envolvido por narrativas políticas e desinformações. Desde sua aprovação, a norma passou a ser rotulada nas redes sociais como uma suposta “taxação do sol”, expressão que não reflete o conteúdo nem o objetivo da legislação.
- 
                        
                            
Empresa dos EUA aposta em painéis solares tridimensionais para energia limpa
 - 
                        
                            
Relógio que funciona à base de energia solar: conheça a linha G-Shock GA-B010, da Casio, com design sustentável reforçado por bioplástico e fibra de carbono
 - 
                        
                            
Usina solar transforma antigo aterro sanitário em polo de energia limpa no Rio de Janeiro
 - 
                        
                            
Argentina impulsiona energia solar expandindo transformação energética global
 
O que a Lei nº 14.300/2022 realmente estabelece sobre energia solar
Sancionada em janeiro de 2022, ainda no governo de Jair Bolsonaro, a Lei nº 14.300 estabeleceu parâmetros para o funcionamento da microgeração e da minigeração distribuída. Ela define regras de potência, compensação de energia e responsabilidades dos consumidores que produzem eletricidade a partir de fontes renováveis, como a solar fotovoltaica e a eólica.
A lei criou também o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), que permite ao usuário injetar o excedente gerado — por exemplo, durante o dia — na rede elétrica. Esse volume é convertido em créditos válidos por até 60 meses, usados quando a geração é insuficiente, como à noite ou em períodos nublados.
Além disso, foi instituído o Programa de Energia Renovável Social (PERS), voltado a famílias de baixa renda, para democratizar o acesso à energia limpa.
A legislação distingue dois tipos de sistemas:
- Microgeração, com potência de até 75 quilowatts (kW) — típica de residências e pequenos comércios;
 - Minigeração, que vai até 3 megawatts (MW) para fontes não despacháveis (como solar e eólica) e 5 MW para fontes despacháveis (como biomassa e pequenas hidrelétricas).
 
A origem da polêmica: o que é a TUSD e por que foi chamada de “taxação do sol”
A principal mudança trazida pela Lei 14.300 foi a transição nas regras de compensação da energia gerada e injetada na rede. Antes da norma, os consumidores que produziam eletricidade não pagavam pelo uso da infraestrutura elétrica. A partir da nova lei, foi criado um modelo de contribuição gradual até 2029, por meio da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).
A TUSD é uma tarifa técnica cobrada pelo uso da rede elétrica — e não um imposto sobre a energia solar, como sugere o termo “taxação do sol”. Trata-se de uma forma de ressarcimento às distribuidoras pela infraestrutura necessária para transportar e equilibrar o fluxo de energia.
Essa tarifa, já existente antes da lei, passou a ser aplicada de forma proporcional aos novos sistemas solares conectados à rede. Quem instalou seus painéis até 12 meses após a sanção da lei, manteve as condições anteriores até 2045, sem a cobrança integral.
Mesmo assim, a expressão “taxação do sol” se popularizou em redes sociais, muitas vezes associada de forma incorreta ao governo atual, embora o marco tenha sido sancionado em 2022.
Desinformação e disputa política em torno da energia solar
A narrativa da “taxação do sol” se tornou um dos exemplos mais emblemáticos de desinformação sobre energia no Brasil. Em vídeos, podcasts e postagens, multiplicaram-se acusações de que o governo teria criado um “imposto sobre o sol”. No entanto, especialistas e entidades do setor afirmam que essa interpretação é incorreta.
Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), defende que o termo é “enganoso e injusto”. Segundo ele, o marco legal trouxe “segurança jurídica e previsibilidade para o investidor”, sem criar nenhum tipo de tributo.
“O sistema de compensação não cobra pela geração de energia, mas regula de forma justa a relação entre consumidores, geradores e distribuidoras”, explica Sauaia.
Apesar disso, ele critica a falta de atualização regulatória:
“A lei previa que a ANEEL entregasse o cálculo dos custos e benefícios da geração distribuída até meados de 2023, mas isso nunca foi feito. A agência está com esse trabalho em atraso há quase dois anos”, alerta o executivo.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), responsável pela regulação do setor, foi procurada, mas não respondeu aos questionamentos sobre o tema.
O impacto técnico e econômico da geração distribuída no sistema elétrico
Com o avanço da geração distribuída, surgiram também novos desafios operacionais e econômicos. Para Gabriel Konzen, consultor técnico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME), a expansão acelerada exige ajustes na forma de dividir os custos da rede.
“À medida que mais consumidores passam a gerar sua própria energia, surgem questões sobre o uso da rede elétrica e sobre como distribuir de forma justa os custos desse sistema compartilhado”, afirma.
Ele compara a lógica ao funcionamento de um condomínio, onde todos os moradores contribuem para manter as áreas comuns, mesmo com diferentes níveis de uso.
Por outro lado, Sauaia contesta a analogia:
“Quem gera a própria energia não prejudica os vizinhos, pelo contrário, está ajudando. Essa energia é usada localmente e alivia a rede elétrica, reduzindo custos e perdas para todo mundo”, argumenta.
A disputa de interesses no setor elétrico e o papel da transição energética
O debate sobre a TUSD também reflete uma disputa entre diferentes segmentos do setor elétrico. Associações de geração distribuída defendem incentivos para a expansão da energia solar, enquanto distribuidoras alegam que o modelo anterior criava subsídios cruzados, com custos repassados a quem não gera energia própria.
O jurista Paulo Roberto dos Santos Corval, doutor em Direito pela UFRJ e professor da UFF, analisa que a polêmica vai além de questões técnicas.
“As narrativas sobre tributação envolvem disputas de interesses setoriais, mas não uma visão estrutural sobre a transição energética. Falta uma orientação política clara e integrada sobre o que se quer como país.”
Ele reforça que o debate sobre energia solar deveria estar inserido em uma estratégia nacional de transição energética, e não reduzido a uma disputa ideológica.
O que a TUSD é — e o que ela não é
De acordo com o artigo 18 da Lei nº 14.300, o acesso à rede elétrica é livre, mas mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido. Assim, a TUSD não é um tributo, mas uma tarifa técnica aplicada a todos os usuários que utilizam a infraestrutura de distribuição.
Corval explica que a confusão ocorre porque parte do público confunde tributos com tarifas.
“Taxação remete a tributo. A TUSD é um preço regulado, não um imposto. É mais uma forma de regulação do que de taxação”, esclarece.
Ele acrescenta que a analogia mais precisa não é a de condomínio, mas a de aluguel:
“A rede não é pública nem gratuita. Como qualquer bem de uso comum, ela exige manutenção. Quem usa precisa contribuir, assim como quem aluga um espaço paga pelo uso.”
Fact-checking: há ou não “taxação do sol”?
Ao final, a resposta é clara: não existe “taxação do sol” no Brasil. A Lei nº 14.300/2022 não criou nenhum imposto sobre a energia solar. O que existe é uma cobrança pelo uso da rede de distribuição, regulamentada pela ANEEL, para garantir o equilíbrio técnico e financeiro do sistema elétrico.
Os principais pontos verificados são:
- A TUSD não é tributo, mas uma tarifa técnica;
 - A lei foi sancionada em 2022, durante o governo Bolsonaro, e não no atual;
 - O termo “taxação do sol” é incorreto e distorce o objetivo do marco legal;
 - A cobrança refere-se ao uso da rede elétrica, e não à geração solar;
 - O debate reflete disputas setoriais e narrativas políticas, não fatos técnicos.
 
Corval resume o cenário com uma análise contundente:
“É inapropriado falar em taxação do sol. O que há é uma regulação do acesso e do uso da rede, parte natural de um sistema energético compartilhado. O que falta, na verdade, é Estado — sociedade civil e poder público juntos definindo o futuro dos novos marcos energéticos.”

                        
                                                    
                        
                        
                        
                        

        
        
        
        
        
        
        
        
        
        
Seja o primeiro a reagir!