Engenheiro da USP cria microestação de tratamento de esgoto com 95% de eficiência, homologada por Sabesp e Copasa, que funciona sem eletricidade e pode transformar o saneamento no Brasil.
O Brasil convive com um paradoxo: é um dos países mais ricos em recursos hídricos do mundo, mas ainda possui mais de 100 milhões de pessoas sem acesso a esgotamento sanitário adequado, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Nesse cenário, qualquer avanço tecnológico capaz de baratear, simplificar e tornar acessível o tratamento de esgoto tem impacto social gigantesco. Foi exatamente isso que conseguiu o engenheiro Danilo Camargo, formado pela Escola Politécnica da USP, ao desenvolver a MicroETE Aeko, uma microestação de tratamento de esgoto compacta, que alcança até 95% de eficiência e funciona sem gastar nada de eletricidade.
A lógica por trás da inovação
A tecnologia é baseada em um conceito simples e engenhoso: o uso da gravidade como força motriz do processo de tratamento. Enquanto a maior parte das estações convencionais depende de energia elétrica para bombear água, ativar aeradores e manter sistemas de filtragem, a MicroETE Aeko dispensa totalmente esse consumo.
O processo combina decantação, filtragem natural e tratamento biológico, em um circuito fechado que exige manutenção mínima.
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O esgoto entra na estação, passa por etapas sucessivas de separação de sólidos e líquidos, e sai em forma de água tratada, com eficiência de até 95%, de acordo com testes homologados por empresas como Sabesp (São Paulo) e Copasa (Minas Gerais).
A ausência de motores e bombas reduz custos de operação e manutenção, além de eliminar a dependência de infraestrutura elétrica — o que torna a solução especialmente útil em áreas rurais, comunidades isoladas e regiões da Amazônia.
Reconhecimento e homologação
A invenção de Danilo Camargo já não é apenas uma promessa de laboratório. A tecnologia passou por homologações técnicas junto a companhias de saneamento estaduais e foi avaliada como viável para uso em escala comunitária.
O projeto também recebeu prêmios e foi destacado em portais especializados em sustentabilidade, como Saneamento Ambiental, Boa Notícia Brasil e Coletivo.Tech.
O fato de ter nascido em ambiente acadêmico da USP deu ao invento credibilidade científica e facilitou o diálogo com órgãos públicos e empresas privadas. Hoje, a MicroETE Aeko já está em implantação em projetos-piloto no interior do país e pode se tornar peça-chave em políticas de universalização do saneamento.
O impacto social e econômico
O Brasil ainda investe bilhões de reais por ano em sistemas convencionais de tratamento de esgoto, com altíssimo custo de energia elétrica. Segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), as companhias de saneamento figuram entre as maiores consumidoras de energia no setor público.
Nesse contexto, uma estação que opera sem eletricidade tem potencial para reduzir gastos, ampliar a cobertura de saneamento e atender regiões onde o acesso à rede elétrica é instável ou inexistente.
Além disso, a manutenção simplificada significa que pequenos municípios e comunidades rurais podem operar o sistema sem depender de técnicos altamente especializados.
Comparação com o sistema tradicional
Uma estação convencional de tratamento de esgoto exige investimentos de grande porte, espaço físico e uma equipe permanente para manutenção.
Já a MicroETE Aeko funciona como uma unidade modular, que pode ser instalada em menor área, adaptada ao volume da comunidade e expandida conforme a necessidade.
Enquanto uma estação tradicional pode levar anos para ser construída, a microestação pode ser instalada em semanas. Essa flexibilidade abre caminho para soluções emergenciais em locais afetados por desastres climáticos, por exemplo, onde o saneamento é frequentemente um dos primeiros serviços a colapsar.
Limitações e desafios
Apesar das conquistas, especialistas apontam que ainda é preciso testar a tecnologia em larga escala e em diferentes condições geográficas. A durabilidade do sistema, sua capacidade de lidar com picos de carga e o custo final por família atendida ainda são questões em estudo.
Outra limitação é que a eficiência de 95% refere-se à redução da carga poluidora, mas a água resultante ainda não é potável: pode ser usada para fins como irrigação, lavagem de ruas e descargas sanitárias, mas não para consumo humano direto sem tratamento adicional.
O futuro do saneamento sustentável
A invenção de Danilo Camargo mostra que o Brasil tem condições de liderar uma revolução em saneamento básico. Com mais de R$ 500 bilhões em investimentos previstos até 2033 para universalizar o serviço, soluções de baixo custo, sustentáveis e energeticamente eficientes podem ser decisivas para acelerar essa meta.
Se adotada em escala, a MicroETE Aeko pode transformar a realidade de milhões de brasileiros que vivem sem acesso a esgoto tratado, reduzindo doenças, protegendo rios e melhorando a qualidade de vida.
E tudo isso com uma lógica simples, baseada no poder da gravidade e na criatividade de um engenheiro que enxergou uma solução onde muitos viam apenas um problema crônico.
A criação da MicroETE Aeko não é apenas uma inovação tecnológica: é um símbolo de como a engenharia pode ser aplicada de forma prática e socialmente transformadora.
Ao oferecer uma solução com até 95% de eficiência, que funciona sem eletricidade e exige baixa manutenção, o engenheiro da USP prova que o futuro do saneamento pode ser mais sustentável, acessível e democrático.
Num país em que metade da população ainda sofre com a falta de coleta e tratamento de esgoto, uma invenção assim não é apenas relevante — é urgente.