Islândia adota jornada semanal de 36 horas sem corte de salário; experiência melhora bem-estar dos trabalhadores e mantém crescimento econômico.
Em 2019, a Islândia deu um passo ousado ao testar uma jornada de trabalho mais curta, reduzindo as horas semanais sem cortar salários.
Em Reykjavík, capital da Islândia, o cenário de uma tarde de sexta-feira é diferente do comum em grandes cidades. Em vez de trânsito intenso, é comum ver cafés cheios e ruas tranquilas.
Para muitos trabalhadores islandeses, o expediente já terminou. Isso porque o país adotou uma redução na jornada de trabalho semanal, que passou de 40 para 36 horas sem corte de salário.
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A mudança foi aplicada para quase 90% da força de trabalho do país. Alguns profissionais concentram as horas em quatro dias e folgam um, outros apenas encurtam a sexta-feira.
O mais importante: a mudança tem dado certo.
Resultados positivos no bem-estar e na economia
Segundo Gudmundur D. Haraldsson, pesquisador da organização Alda, a experiência é considerada um sucesso. “Jornadas de trabalho mais curtas se tornaram comuns na Islândia… e a economia está forte em vários indicadores”, afirmou ele em comunicado.
A semana de trabalho tradicional de cinco dias e 40 horas surgiu no século XX, em resposta à pressão dos sindicatos.
O modelo não foi criado com foco no bem-estar social, mas como um limite às duras jornadas de seis dias das fábricas.
Um dos primeiros empresários a adotar a nova lógica foi Henry Ford, em 1926. Ele instituiu uma jornada de trabalho de cinco dias, sem reduzir salários, e obteve bons resultados.
Com o tempo, ficou claro que trabalhar mais nem sempre significa produzir mais. Fadiga, estresse e perda de foco diminuem o desempenho. Estudos indicam que reduzir horas pode melhorar a saúde sem grandes perdas na produtividade.
Teste nacional começou com servidores
Na Islândia, a proposta de reduzir a jornada partiu de forma modesta. Entre 2015 e 2019, testes foram feitos com 2.500 servidores públicos — cerca de 1% da força de trabalho.
Eram profissionais de escolas, hospitais, serviços sociais e escritórios. Eles passaram de 40 horas semanais para 35 ou 36, sem redução salarial.
O resultado? Estresse e esgotamento diminuíram. Os pedidos de licença médica caíram. Os trabalhadores relataram mais saúde e bem-estar. Já a produtividade se manteve estável ou melhorou.
Os números levaram os sindicatos a pressionar por mudanças nos contratos trabalhistas. Eles queriam levar a proposta para toda a população economicamente ativa.
A pressão funcionou. Hoje, quase 90% dos trabalhadores islandeses já contam com jornadas mais curtas.
Uma semana de trabalho mais curta e flexível
Embora o termo “semana de quatro dias” seja usado com frequência, o modelo da Islândia é mais flexível. Muitos trabalhadores preferem continuar com cinco dias de expediente, mas com jornadas menores. Outros optam por folgas quinzenais ou meio-dia livre por semana.
Essa flexibilidade foi considerada essencial para o sucesso da proposta. Em vez de impor um único modelo, cada setor ou empresa ajustou as novas regras às suas rotinas. Isso facilitou a aceitação e a adaptação das equipes.
Mas, e a economia? Como a redução de horas afeta os indicadores macroeconômicos?
Crescimento econômico continua forte
De acordo com o Panorama Econômico Mundial de 2024 do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Islândia teve crescimento de 5% em 2023.
Foi um dos maiores avanços entre os países europeus avançados, atrás apenas de Malta. O desemprego ficou em 3,4%, um número bem abaixo da média europeia.
Até agora, não há sinais de que a mudança na jornada tenha prejudicado a economia. Mesmo com menos horas de trabalho, o país mantém crescimento sólido e baixos índices de desemprego.
A experiência pessoal de uma professora
A professora María Hjálmtýsdóttir, de Kópavogur, é uma das pessoas que notaram mudanças no cotidiano.
O marido dela, Tumi, trabalha em um órgão do governo. Agora, ele tira duas sextas-feiras por mês para descansar. Nessas folgas, ele dorme mais, cuida da casa e busca o filho na escola.
María conta que, como é ela quem costuma buscar o filho nos outros dias, essas tardes de sexta-feira ficaram livres para fazer atividades que gosta.
Ela aproveita para conversar com amigos, se dedicar ao voluntariado ou simplesmente descansar na piscina. Para uma professora cansada, esse tempo extra fez diferença.
O modelo está inspirando outros países
A Islândia tem uma população pequena e coesa. Isso facilita testes e mudanças. Mas o sucesso local tem influenciado outros países. A ideia da semana mais curta vem ganhando espaço em diferentes partes do mundo.
No Reino Unido, 61 empresas participaram de um teste em 2022. Os setores eram variados, de marketing a restaurantes.
Os funcionários trabalharam menos horas, sem redução de salário. Mais de 90% das empresas decidiram manter o novo modelo após o fim da fase de testes. A produtividade não caiu, o estresse reduziu e os funcionários ficaram mais motivados.
Na Espanha, o governo lançou um projeto piloto em 2021. O objetivo era ajudar pequenas empresas a testarem semanas mais curtas, com apoio financeiro.
Os primeiros relatórios indicam melhora no clima organizacional e produção estável.
Até no Japão, país conhecido pela cultura de longas jornadas, há mudanças em curso. A Microsoft Japão testou uma semana de quatro dias em 2019.
O resultado foi surpreendente: a produtividade subiu 40%. O consumo de energia caiu quase 25% e a impressão de papel foi reduzida em 60%. A empresa considerou o experimento um sucesso.
Bélgica e Estados Unidos também realizaram seus próprios testes. Em geral, os resultados foram positivos. A produtividade não caiu e, em muitos casos, aumentou. O bem-estar dos trabalhadores melhorou. E a rotatividade caiu.
Trabalhar menos pode significar produzir melhor
Cada país tem sua própria realidade econômica e cultural. O que funciona na Islândia pode não funcionar em todos os lugares. Mas os resultados apontam para um padrão comum: trabalhar menos não significa trabalhar pior.
Com menos estresse e mais tempo para descansar, os funcionários se sentem melhor. Eles ficam mais focados, motivados e engajados.
Isso impacta diretamente nos resultados. Empresas que adotaram a redução da jornada perceberam melhorias no desempenho geral das equipes.
Confiança e negociação foram essenciais
O modelo islandês foi possível graças à confiança entre trabalhadores, empresas e governo. Também foi importante o papel dos sindicatos, que pressionaram por contratos mais justos.
A negociação coletiva ajudou a garantir que os benefícios fossem aplicados em larga escala.
A flexibilidade também foi decisiva. Ao permitir diferentes formatos de redução, a Islândia conseguiu adaptar a proposta à realidade de cada setor.
A experiência da Islândia mostra que é possível repensar a organização do trabalho. Sem afetar a economia e com impacto positivo na qualidade de vida.
Os resultados obtidos até agora indicam que o modelo pode funcionar em outras partes do mundo. Basta considerar as particularidades locais e aplicar com responsabilidade.