Cientistas explicam os motivos que tornam a busca por água em Marte em forma líquida um grande desafio, apesar de sinais promissores em sua superfície e atmosfera.
A busca por água em Marte sempre despertou a imaginação de cientistas e do público em geral. Apesar dos avanços tenham sido feitos ao longo das décadas, estudos recentes sugerem que a presença de água em estado líquido no planeta vermelho pode ser ainda mais rara do que se pensava.
Pesquisas recentes indicam que as características intrigantes, como as chamadas linhas de declive recorrentes (RSLs) e salmouras, talvez não sejam tão promissoras como se imaginava.
Primeiras teorias sobre a água em Marte
Mais de um século atrás, o astrônomo Percival Lowell especulou que Marte abrigava canais artificiais projetados por civilizações marcianas inteligentes.
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Esses canais teriam a função de transportar água das calotas polares para as regiões mais secas e de menor altitude do planeta.
Embora fascinante, essa ideia foi refutada com a evolução dos telescópios, que demonstraram a inexistência desses canais. Ainda assim, a hipótese de Lowell consolidou a busca por água líquida em Marte como um objetivo prioritário da ciência.
Desde então, a presença de água em Marte é considerada essencial para a possibilidade de vida em Marte.
No entanto, as condições extremas do planeta desafiam essa ideia. Com temperaturas baixíssimas, uma atmosfera rarefeita e pouca umidade, água em estado líquido tende a congelar, evaporar ou ferver rapidamente em Marte.
Apesar disso, cientistas seguem explorando cenários onde a água poderia persistir em forma líquida.
Descobertas de linhas de declive recorrentes (RSLs)
Um dos fenômenos mais estudados são as RSLs, que são linhas escuras observadas em encostas marcianas. Essas linhas aparecem durante as estações mais quentes e desaparecem quando as temperaturas caem, sugerindo um padrão sazonal que pode estar relacionado à água.
No entanto, estudos detalhados indicam que essas linhas podem ser resultado de fluxos de areia e poeira, sem qualquer relação direta com água líquida.
Outro indício intrigante são as formações poligonais e listradas no permafrost marciano, que alguns cientistas associaram a ciclos térmicos e hídricos.
Além disso, as salmouras, soluções salinas altamente concentradas, também são frequentemente apontadas como um possível reservatório de água líquida em Marte.
Novas evidências desafiam teorias existentes
Apesar das expectativas, um estudo publicado recentemente no Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS) sugere que é improvável encontrar água líquida em Marte em curto prazo.
O artigo, intitulado “The Elusive Nature of Martian Liquid Brines”, foi liderado por Vincent Chevrier, do Centro de Ciências Espaciais e Planetárias da Universidade de Arkansas, e Rachel Slank, pesquisadora no Lunar and Planetary Institute.
Chevrier tem mais de 20 anos de experiência no estudo de Marte e sempre esteve comprometido com a busca por sinais de água líquida. No entanto, ele alerta que as evidências atuais ainda não são conclusivas. “Queria escrever este artigo há muito tempo porque há muita confusão e interpretações erradas sobre a água em Marte”, explicou Chevrier.
Os pesquisadores analisaram as RSLs e concluíram que essas formações são mais consistentes com movimentos de areia e poeira do que com fluxos de água.
Além disso, os dados fornecidos pelos orbitadores marcianos não corroboram a hipótese de que a água desempenha um papel significativo na criação dessas estruturas.
Salmouras marcianas: a chave para água líquida?
Muitos cientistas acreditam que as salmouras, soluções altamente salinas, podem ser a melhor chance de encontrar água líquida em Marte. Esses líquidos congelam a temperaturas muito mais baixas do que a água pura, tornando-os uma alternativa viável em um planeta com médias térmicas tão extremas.
Em Marte, os sais conhecidos como percloratos são especialmente promissores. Por exemplo, uma salmoura de perclorato de cálcio pode permanecer líquida até -75ºC.
Com a temperatura média no equador marciano girando em torno de -50ºC, essas soluções poderiam teoricamente existir no subsolo.
Entretanto, o estudo de Chevrier e Slank destacou várias limitações que tornam essa hipótese menos otimista. Eles apontaram que as quantidades de sais disponíveis, as condições de pressão de vapor e a localização do gelo dificultam significativamente a formação de salmouras em quantidades relevantes.
Além disso, mesmo que essas soluções existam, elas seriam altamente inóspitas para qualquer forma de vida conhecida na Terra.
Implicações para a vida em Marte
Apesar das limitações, os pesquisadores não descartam completamente a possibilidade de adaptações biológicas. Organismos marcianos, se existirem, poderiam ter desenvolvido mecanismos para sobreviver em condições tão extremas. No entanto, essa ideia permanece especulativa.
Os cientistas também destacam a importância de continuar investigando a presença de salmouras. Além de suas implicações para a vida, essas soluções têm impacto direto na proteção planetária.
Contaminação inadvertida por microrganismos terrestres poderia comprometer a busca por vida marciana autóctone.
Os próximos passos na exploração de Marte incluem o desenvolvimento de instrumentos mais sensíveis para detectar pequenas quantidades de salmouras e a identificação precisa dos locais mais promissores para investigá-las.
Também serão necessárias experiências laboratoriais sob condições marcianas para simular cenários reais e refinar as técnicas de busca.
Chevrier concluiu: “Apesar dos nossos melhores esforços para provar o contrário, Marte continua sendo um deserto frio, seco e totalmente inabitável”. Sua afirmação reflete os desafios e a realidade da exploração espacial.