Demissão em massa no Itaú reacende debate sobre o futuro do trabalho remoto no Brasil, em meio a pressões legais, disputas sindicais e tendência global de retorno aos escritórios.
A demissão de cerca de 1.000 funcionários do Itaú Unibanco em 8 de setembro de 2025, a maioria vinculada ao regime remoto ou híbrido, reacendeu o debate sobre os limites e o futuro do trabalho fora do escritório.
O banco afirma que os desligamentos não decorreram de metas de produtividade, mas de não cumprimento da jornada e de registros de horas extras sem justificativa, após quatro meses de verificação de “atividade digital” nos sistemas internos.
O corte corresponde a 1,04% do quadro de aproximadamente 95,7 mil empregados, segundo reportagens do Poder360.
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O que houve no Itaú e como a checagem foi feita
De acordo com nota enviada à imprensa, a instituição cruzou a atividade em softwares corporativos com a jornada formalizada em home office e o acúmulo de horas extras.
Em casos classificados como críticos, os relatórios apontaram padrões recorrentes de atividade de cerca de 20% do dia nos sistemas, ainda assim com lançamento de horas adicionais “sem causa que justificasse”.
O banco reforça que os desligamentos não se basearam em “métricas de produtividade”, mas em descumprimento de jornada e inconsistências formais.
Entidades sindicais contestam o enquadramento.
Representantes do setor afirmam que a empresa estaria usando produtividade como pretexto para encerrar o trabalho remoto e pedem revisão dos cortes.
Há registros de reuniões com a Comissão de Organização dos Empregados (COE) e pedidos de investigação ao Ministério Público do Trabalho.
O que diz a lei: retorno ao presencial e aviso prévio
A legislação trabalhista brasileira respalda a decisão empresarial de alterar o regime de teletrabalho para o presencial.
O artigo 75-C, §2º, da CLT estabelece que a mudança pode ocorrer por determinação do empregador, desde que haja transição mínima de 15 dias e formalização por aditivo contratual.
A previsão foi consolidada pela Lei 14.442/2022, que atualizou as regras do teletrabalho.
Nessa linha, a advogada trabalhista Tatiana Sant’anna resume o alcance do poder diretivo:
“O Itaú poderia simplesmente avisar com 15 dias de antecedência que voltaria ao modelo presencial. É o direito dele”.
Para ela, não seria obrigatório invocar queda de produtividade para dar base jurídica à decisão.
A interpretação encontra amparo na redação atual da CLT, que condiciona o retorno à ciência prévia do empregado e à formalização da alteração contratual.
Transparência, métricas e o risco de assédio
O direito de fiscalizar a jornada e a entrega existe, mas vem acompanhado do dever de clareza e transparência.
O advogado Fernando Moreira, especialista em governança e compliance, observa que métricas genéricas ou não comunicadas podem abrir margem a alegações de assédio moral.
Para evitar litígios, as empresas precisam especificar indicadores, registrar políticas de monitoramento e informar previamente o trabalhador sobre a coleta e o tratamento de dados, em consonância com a LGPD.
Ainda que levar equipes de volta à estrutura física não elimine riscos operacionais, companhias têm optado por mitigar exposições associadas a dados sensíveis, dificuldades de controle de jornada e dúvidas sobre dedicação exclusiva.
Em ambientes altamente regulados, como o financeiro, essa estratégia tende a ganhar força, sobretudo quando há questionamentos públicos sobre conduta e registro de horas.
Tendência global: pressão por retorno e políticas mais rígidas
O movimento de retorno aos escritórios voltou a acelerar.
Pesquisas da Resume Builder indicam que 87% das empresas previam ter uma política de retorno ao escritório até 2025 — um patamar que, embora frequentemente resumido como “nove em cada dez”, é estatisticamente mais próximo de 87% na edição de 2024 do levantamento.
Grandes companhias atualizaram regras.
A Microsoft comunicou em 9 de setembro de 2025 a revisão do modelo “flexível” para três dias por semana no escritório, com implementação em fases e conclusão prevista até fevereiro de 2026 em vários mercados.
A justificativa oficial é que o trabalho presencial mais frequente eleva energia, colaboração e resultados.
Na indústria farmacêutica, a Novo Nordisk decidiu retomar o trabalho integralmente presencial após anunciar reorganização e cortes de vagas.
A diretriz, divulgada em 11 de setembro de 2025, foi noticiada por veículos internacionais e reforça o recuo de políticas amplas de home office mesmo em setores de alta tecnologia e P&D.
O que muda para empresas e trabalhadores
O teletrabalho não desapareceu, mas passa por reconfiguração.
Empresas ampliam o uso de monitoramento de atividade e de critérios explícitos de desempenho para sustentar decisões de gestão de pessoas.
Ao mesmo tempo, governança e compliance cobram documentação rigorosa: contratos atualizados, políticas de privacidade e segurança da informação, além de treinamento para reduzir litígios.
Especialistas veem modelo híbrido como arranjo de equilíbrio, capaz de unir integração e ganhos de qualidade de vida sem abrir mão do controle mínimo exigido por setores regulados.
“O híbrido é o equilíbrio perfeito”, afirma Tatiana Sant’anna, ao ponderar que a presença física restaura parte do controle gerencial desejado por empregadores — desde que regras de monitoramento e entregas estejam claramente pactuadas.
Para o caso específico do Itaú, a chave jurídica está menos em provar queda de produtividade e mais em demonstrar que havia parâmetros definidos, ciência do empregado e consistência entre atividade registrada e jornada declarada.
Se esses elementos estiverem documentados, a chance de êxito da empresa em disputas individuais aumenta.
Caso contrário, amplia-se o risco de questionamentos por assédio ou alteração lesiva de condições de trabalho.
Próximos passos: padronizar regras e evitar ambiguidades
Empresas que adotam ou mantêm o remoto precisam padronizar comunicações, alinhar indicadores mensuráveis e evitar metas vagas.
Para trabalhadores, ganha importância guardar evidências de entregas, cumprir a jornada, formalizar acordos e esclarecer limites de disponibilidade.
No Brasil, a exigência de aviso mínimo de 15 dias e aditivo contratual para o retorno ao presencial segue como pilar legal, enquanto a LGPD impõe transparência sobre dados coletados durante o home office.
A discussão sobre o fim do home office parece menos um ponto final e mais uma negociação contínua sobre controles, custos e resultados.
Diante do caso Itaú e da guinada de grandes corporações, a pergunta que fica é direta: quais regras objetivas e verificáveis deveriam balizar o trabalho remoto para que confiança e desempenho caminhem juntos?