Dólar atinge menor valor em 14 meses e sofre enfraquecimento global. José Carlos de Souza Filho, da FIA Business School, explica se pode voltar a R$ 2.
A queda recente na cotação da moeda americana reacendeu um debate que parecia esquecido: será que o dólar pode voltar a R$ 2? Depois de meses de oscilações e quedas consecutivas, a moeda registrou o menor valor do dólar frente ao real em 14 meses, fechando a última terça-feira a R$ 5,38. Embora ainda seja um patamar elevado em comparação com o início da década passada, a trajetória de desvalorização chama atenção não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
Segundo levantamento da Elos Ayta Consultoria até 8 de agosto, a Ptax — taxa de câmbio calculada pelo Banco Central — acumula queda de 3,41% nos últimos 12 meses e recuo expressivo de 12,38% em 2025. No cenário internacional, o índice DXY, que mede o desempenho da moeda americana em relação a uma cesta de divisas, já caiu cerca de 10% neste ano, registrando a maior desvalorização no primeiro semestre desde 1973, ano que marcou o fim do padrão-ouro e do acordo de Bretton Woods.
Fatores que explicam a desvalorização do dólar
De acordo com José Carlos de Souza Filho, professor da FIA Business School, a recente desvalorização do dólar tem múltiplas causas. Entre as mais imediatas estão a política protecionista do governo dos Estados Unidos e a expectativa de corte de juros pelo Federal Reserve (Fed).
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“Quando a taxa de juros americana cai e a brasileira se mantém elevada, o diferencial continua atraente para investidores estrangeiros. Além disso, o mercado tem precificado menos os riscos fiscais do Brasil, o que ajuda a fortalecer o real”, explica o professor.
Essa visão é reforçada por Bruno Shahini, especialista em investimentos da Nomad, que destaca que a Selic em 15% ao ano desestimula posições compradas em dólar e atrai fluxo externo para aproveitar o diferencial de juros. Esse cenário aumenta a entrada de divisas no Brasil e pressiona para baixo a cotação da moeda americana.
Menor valor do dólar em mais de um ano: o que pode acontecer agora
A queda para R$ 5,38 não é um movimento isolado. Especialistas afirmam que o comportamento da moeda americana pode variar muito no curto prazo devido ao grande número de variáveis envolvidas, incluindo política monetária, relações comerciais e desempenho das economias globais.
No cenário mais otimista, se os juros brasileiros permanecerem elevados, o Fed iniciar cortes já em setembro e houver avanços nas negociações comerciais entre Brasil e EUA, o dólar poderia oscilar entre R$ 5,40 e R$ 5,30. No entanto, um cenário oposto — com inflação alta nos EUA, manutenção de juros elevados e piora nas relações comerciais bilaterais — poderia levar a cotação novamente acima de R$ 5,50.
Por que é improvável voltar a R$ 2
Quando a pergunta é direta — o dólar pode voltar a R$ 2? —, a resposta dos especialistas é quase unânime: não é impossível, mas é altamente improvável. Para José Carlos de Souza Filho, vários fatores explicam a escalada da moeda americana ao longo dos últimos anos. Entre eles, o aumento do risco fiscal, a dívida pública elevada e diferenças persistentes entre as taxas de inflação e de juros internas e externas.
“Uma desvalorização dessa magnitude exigiria superávits fiscais consistentes, forte valorização das commodities que exportamos e até uma mudança no sistema monetário global. As chances de todos esses fatores ocorrerem juntos são muito pequenas no curto e médio prazo”, afirma o professor da FIA Business School.
O que teria que acontecer para o dólar cair tanto
Segundo Shahini, para o menor valor do dólar chegar próximo a R$ 2, seria necessário reverter décadas de perda de poder de compra. Isso exigiria, por exemplo, uma valorização real muito significativa, normalmente associada a choques externos altamente favoráveis, como um ciclo prolongado de alta nas commodities e entrada maciça de capital estrangeiro.
Outra possibilidade seria um período em que a inflação brasileira fosse, de forma consistente, muito inferior à americana — cenário raro nas últimas décadas.
Souza Filho acrescenta que, para isso, o Brasil precisaria de reformas estruturais profundas, crescimento do PIB acima de 5% ao ano, Selic abaixo de 5% e um ambiente macroeconômico interno muito estável. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos enfrentariam uma crise de dívida interna, inflação elevada e perda de status do dólar como principal moeda de referência mundial.
O papel das reformas e da economia global
As reformas mencionadas por José Carlos de Souza Filho — tributária, administrativa e previdenciária — são vistas como fundamentais para reduzir o risco fiscal e atrair mais investimentos de longo prazo.
No entanto, mesmo com um cenário doméstico muito favorável, seria necessário um contexto externo igualmente atípico, com enfraquecimento prolongado da moeda americana no mercado global.
Nesse sentido, a visão de algumas gestoras, como a Dahlia Capital, é de que pode haver um período de dólar mais fraco no mundo, impulsionado por diversificação de reservas globais, crescimento econômico mais fraco nos EUA e cortes de juros pelo Fed. Ainda assim, mesmo um enfraquecimento prolongado dificilmente levaria a uma cotação tão baixa como a vista no início da década passada.
O impacto da política monetária americana e brasileira
O menor valor do dólar também depende diretamente das decisões do Federal Reserve e do Banco Central do Brasil. Juros altos no Brasil atraem capital estrangeiro, fortalecendo o real, enquanto juros baixos nos EUA reduzem o apelo da moeda americana. Porém, esse equilíbrio é dinâmico e sujeito a mudanças repentinas em função de crises, alterações na percepção de risco e eventos políticos.
Além disso, a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos desempenha papel relevante. Um aumento nas exportações brasileiras e no superávit comercial tende a ampliar a oferta de dólares no país, pressionando a cotação para baixo.
Por outro lado, conflitos comerciais ou queda no preço das commodities exportadas pelo Brasil podem inverter rapidamente esse movimento.
Um cenário improvável, mas que desperta curiosidade
Embora a discussão sobre se o dólar pode voltar a R$ 2 seja fascinante, os especialistas alertam para a baixa probabilidade desse cenário no horizonte de curto e médio prazo. Para que isso acontecesse, seria necessária uma conjunção rara de fatores internos e externos altamente favoráveis ao real e desfavoráveis à moeda americana.
Para o investidor e para o cidadão comum, o mais realista é acompanhar as tendências de médio prazo, entender os fatores que afetam a cotação e considerar que o câmbio, como qualquer ativo, está sujeito a ciclos e oscilações.
E você, acredita que veremos novamente um cenário de real tão valorizado a ponto de levar o dólar de volta para a casa dos R$ 2, ou o futuro será de um câmbio permanentemente mais alto?